terça-feira, julho 25, 2006

Confessionário (25)

Lu, esta será uma confissão especial, talvez a mais sentida de todas que te fiz até hoje. Será uma confissão de celebração, um ritual que pretendo ver estabelecido (e tu sabes como tenho medo de rituais) como um tributo à amizade e carinho que nos une. Hoje tive vontade de reler alguma da nossa correspondência, relembrar como tudo começou… onde começou a partilha, quais foram as primeiras alegrias contadas, os primeiros choros em conjunto, os sucessos e aventuras, as tristezas e incompreensões. Faz mais de um ano que iniciamos este diálogo e nem demos por isso!
No meu pulsar quase obsessivo de inventariar e compilar as coisas, fui arquivando os nossos textos, as cartas que enviamos um ao outro e que só nós conhecemos, todos aqueles textos que só tu e eu tivemos oportunidade de saborear e partilhar, todas as frases em que choramos ou rimos em conjunto, todos os apelos de força e incentivo, todas as palavras de compreensão e carinho que não mostramos nestas confissões que decidimos tornar públicas. Minha amiga, são mais de duzentas páginas de letra miúda entre as tuas e as minhas cartas… mais de duzentas! Já questionaste algum dia a dimensão do nosso diálogo, o tamanho da nossa conversa? Impressionante, não achas? Mas isso nem é o mais importante. Não é a quantidade de palavras que nos dedicamos que quero celebrar hoje. É a amizade que quero ver celebrada, é a vontade de não deixar o outro sem resposta que quero festejar, é o fazer tudo isso sem receber nada em troca que quero partilhar com quem, neste preciso momento, lê o que escrevemos. E dizer-lhe que o fazemos sem obrigação, e dizer-lhe que o fazemos simplesmente porque confiamos um no outro, e dizer-lhe que nunca me viste a cara nem eu a tua, que nunca nos tocamos, nunca nos beijamos na pele… mas que no espírito e no coração transportamos a fidelidade não imposta dos amigos. Era tudo isto o que te queria dizer, era tudo isto que queria que soubesses nesta fase em que a vida tem sido tão implacável contigo.
Deixo-te de presente uma das imagens que mais me marcaram na vida… das que ‘se colam ao peito’ e não o deixam nunca mais. Uma daquelas peças de arte que nos proporcionam uma comoção tão forte ao olhá-las pela primeira vez, que, já não sei que filósofo francês, penso que Camus, dizia ser a mais nobre e intensa elevação do espírito humano… a comoção, o orgasmo pela arte. Muitos poderão dizer que é uma imagem banal, outros que ela nada tem de belo ou especial… eu só sei que quando a vi pela primeira vez as lágrimas caíram-me pelo rosto sem que tivesse tempo de detê-las…
Hoje tenho vontade de poder partilhá-la contigo… um abraço, este abraço… Vítor.

Valerie and Mel, maternal embrace, St. Remy, France, Nan Goldin

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