sexta-feira, março 30, 2007

a história que te conto (5) (último)

fugi de casa para outro lugar.
as paredes não choravam,
não gemiam nem gritavam,
permaneciam em silêncio
desde que dentro do copo
passou a existir uma só escova
de dentes. silêncio apenas…
por vezes mágico, por vezes
ensurdecedor… silêncio
como a última e inestimável
linguagem dos que amam…
a história que te contava
fugiu-me das mãos como
uma profecia, atropelou-me
e pregou-me ao presente sem
aviso. logo a mim… que não
acreditava nos profetas!
rendi-me. aceitei de uma
vez por todas os sinais.
forcei-me à contemplação
das marés místicas que nos
envolvem com mantos tingidos
de mistério: porque talvez os
anjos existam, porque a
provarem-se põe-se a hipótese
de conspirarem a iminência
dos futuros. fugi de casa.
procurei refúgio no monte
que te falei. lá permanecerei
até que o silêncio me doa
infinitamente e o coração
me rebente de amor. fugi
para o eterno lugar, Olimpo,
casa-mãe da existência.
tenho Héstia sentada na
pedra à minha direita.
olha-me como um aprendiz
mas não faço caso…
prometi entregar-me aos
seus ensinamentos de forma
séria e dedicada. como
sacrifício cortei a língua e
entreguei-lha… depois selei
os lábios e permaneço mudo
desde então. ainda pensei
sacrificar o coração mas sei
que não suportaria a prova;
as promessas cumprem-se.
sentado escuto com atenção
a história que ela me conta.

quinta-feira, março 29, 2007

já estive para o dizer muitas vezes...

...tenho quase a certeza de que é isto que cada um de nós ouvirá no primeiro segundo após a morte...

Concerto for Two Violins in D Minor, Bach

The rain outside was cold in Hadrian’s soul.

The boy lay dead
On the low couch, on whose denuded whole,
To Hadrian’s eyes, whose sorrow was a dread,
The shadowy light of Death’s eclipse was shed.

The boy lay dead, and the day seemed a night
Outside. The rain fell like a sick affright
Of Nature at her work in killing him.
Memory of what he was gave no delight,
Delight at what he was was dead and dim.

O hands that once had clasped Hadrian’s warm hands,
Whose cold now found them cold!
O hair bound erstwhile with the pressing bands!
O eyes half-diffidently bold!
O bare female male-body such
As a god’s likeness to humanity!
O lips whose opening redness erst could touch
Lust's seats with a live art's variety!
O fingers skilled in things not to be told!
O tongue which, counter-tongued, made the blood bold!
O complete regency of lust throned on
Raged consciousness’s spilled suspension!

These things are things that now must be no more.
The rain is silent, and the Emperor
Sinks by the couch. His grief is like a rage,
For the gods take away the life they give
And spoil the beauty they made live.
He weeps and knows that every future age
Is looking on him out of the to-be;
His love is on a universal stage;
A thousand unborn eyes weep with his misery.

Antinous is dead, is dead for ever,
Is dead for ever and all loves lament.
Venus herself, that was Adonis’ lover,
Seeing him, that newly lived, now dead again,
Lends her old grief’s renewal to be blent
With Hadrian’s pain.

(...)

»Beautiful was my love, yet melancholy.
He had that art, that makes love captive wholly,
Of being slowly sad among lust’s rages.
Now the Nile gave him up, the eternal Nile.
Under his wet locks Death’s blue paleness wages
Now war upon our wishing with sad smile.«

(...)

»This picture of our love will bridge the ages.
It will loom white out of the past and be
Eternal, like a Roman victory,
In every heart the future will give rages
Of not being our love’s contemporary.

»Yet oh that this were needed not, and thou
Wert the red flower perfuming my life,
The garland on the brows of my delight,
The living flame on altars of my soul!
Would all this were a thing thou mightest now
Smile at from under thy death-mocking lids
And wonder that I should so put a strife
Twixt me and gods for thy lost presence bright;
Were there nought in this but my empty dole
And thy awakening smile half to condole
With what my dreaming pain to hope forbids.«

Thus went he, like a lover who is waiting,
From place to place in this dim doubting mind.
Now was his hope a great intention fating
Its wish to being, now felt he he was blind
In some point of his seen wish undefined.

When love meets death we know not what to feel.
When death foils love we know not what to know.
Now did his doubt hope, now did his hope doubt;
Now what his wish dreamed the dream’s sense did flout
And to a sullen emptiness congeal.
Then again the gods fanned love’s darkening glow.

(...)


»But since men see more with the eyes than soul,
Still I in stone shall utter this great dole;
Still, eager that men hunger by thy presence,
I shall to marble carry this regret
That in my heart like a great star is set.
Thus, even in stone, our love shall stand so great
In thy statue of us, like a god’s fate,
Our love’s incarnate and discarnate essence,
That, like a trumpet reaching over seas
And going from continent to continent,
Our love shall speak its joy and woe, death-blent,
Over infinities and eternities.

»And here, memory or statue, we shall stand,
Still the same one, as we were hand in hand
Nor felt each other’s hand for feeling feeling.
Men still will see me when thy sense they take.
The entire gods might pass in the vast wheeling
Of the globed ages. If but for thy sake,
That, being theirs, hadst gone with their gone band,
They would return, as they had slept to wake.

»Then the end of days when Jove were born again
And Ganymede again pour at his feast
Would see our dual soul from death released
And recreated unto joy, fear, pain –
All that love doth contain;
Life – all the beauty that doth make a lust
Of love’s own true love, at the spell amazed;
And, if our very memory wore to dust,
By some gods’ race of the end of ages must
Our dual unity again be raised.«

It rained still. But slow-treading night came in,
Closing the weary eyelids of each sense.
The very consciousness of self and soul
Grew, like a landscape through dim raining, dim.
The Emperor lay still, so still that now
He half forgot where now he lay, or whence
The sorrow that was still salt on his lips.
All had been something very far, a scroll
Rolled up. The things he felt were like the rim
That haloes round the moon when the night weeps.
His head was bowed into his arms, and they
On the low couch, foreign to his sense, lay.
His closed eyes seemed open to him, and seeing
The naked floor, dark, cold, sad and unmeaning.
His hurting breath was all his sense could know.
Out of the falling darkness the wind rose
And fell; a voice swooned in the courts below;
And the Emperor slept.
And the Emperor slept. The gods came now
And bore something away, no sense knows how,
On unseen arms of power and repose.

Fernando Pessoa
excerto de 'Antinous', 1918
"Obras de Fernando Pessoa - Obra poética e em prosa", vol.I
Lello & Irmão - Editores

Hotel La Solitude, 2001, Hannah Starkey

quarta-feira, março 28, 2007

Confessionário (44)

Meu querido amigo,
Assim que terminei de ler teu último confessionário, desliguei o computador, coloquei uma música (A paixão segundo S. Mateus. Bach tem o mágico dom de estimular a minha esperança.) e pus-me a pensar em ti, em mim, na vida, na condição humana... sempre aproveito esses momentos para revisitar meus valores, minhas memórias e experiências.
Eu gostaria de começar nosso diálogo com a reflexão de uma intelectual que eu admiro muitíssimo, Vítor. Trata-se de Hannah Arendt. As origens do totalitarismo é um daqueles livros que colaborou para a liberdade do meu espírito; foi a experiência mais pungente que tive em relação a nossa condição de solidão. Diz ela:

“Solidão não é estar só. Quem está desacompanhado está só, enquanto a solidão se manifesta mais nitidamente na companhia de outras pessoas. À parte algumas observações ocasionais [...] parece que foi Epicteto, o filósofo escravo-forro de origem grega, o primeiro a distinguir entre solidão e ausência de companhia. De certa forma, a sua descoberta foi acidental, uma vez que o seu principal interesse não era uma coisa nem outra, mas o ser só (monos) no sentido de ser absolutamente independente. Na opinião de Epicteto (Dissertationes, livro 3, capítulo 12), o homem solitário (éremos) vê-se rodeado por outros com os quais não pode estabelecer contato e a cuja hostilidade está exposto. O homem só, ao contrário, está desacompanhado e, portanto, “pode estar em companhia de si mesmo”, já que os homens têm a capacidade de “falar consigo mesmos”. Em outras palavras, quando estou só, estou “comigo mesmo”, em companhia do meu próprio eu, e sou, portanto, dois-em-um; enquanto, na solidão, sou realmente apenas um, abandonado por todos os outros. A rigor, todo ato de pensar é feito quando se está a sós, e constitui um diálogo entre eu e eu mesmo; mas esse diálogo dos dois-em-um não perde o contato com o mundo dos meus semelhantes, pois que eles são representados no meu eu, com o qual estabeleço o diálogo do pensamento [...]. Para a confirmação da minha identidade, dependo inteiramente de outras pessoas; e o grande milagre salvador da companhia para os homens solitários é que os “integra” novamente, poupa-os do diálogo do pensamento no qual permanecem sempre equívocos, e restabelece-lhes a identidade que lhes permite falar com a voz única da pessoa impermutável”.

Querido, desculpe o longo quote, mas eu o considero absolutamente essencial para o tema dessa confissão. Em resumo, é isso que o sentimento de solidão causa nas nossas entranhas, meu Vítor: gera dúvidas a respeito do ser que somos. E não é a dúvida questionadora, propulsora, mas aquela que descaracteriza nossa pessoa. “O que torna a solidão tão insuportável é a perda do próprio eu”.
Arendt esta falando objetivamente sobre política, sobre a violência dos regimes totalitários, mas, em última instância, ela também está falando da solidão referente à vida humana como um todo.
Nascemos sós. Morreremos sós. Mas a realização humana se dá quando podemos confiar aos outros nossas experiências sensoriais, sociais e afetivas. O mundo já era antes de nós e continuará a ser depois de nós. Somos supérfluos na sucessão das eras, mas nossa individualidade inscreve-nos na História da Humanidade que é uma história feita por homens no plural.
Meu Vítor, somos homos faber muito antes de nos sabermos criadores. Quando tomamos consciência desse papel, entendemos que é inerente à criação uma ausência momentânea da companhia do outro. No entanto, quando voltamos desse trabalho precisamos desse mesmo outro para confirmar nossas idéias.
O que eu quero dizer com tudo isso, meu querido amigo, é que nossa trajetória é realmente solitária, mas nunca isolada. A simples constatação disso mantém minha fé e otimismo e como tu mesmo dizes, mantém a tua também.
Oito meses após a grande tempestade que solapou minhas estruturas, eu começo a ter um pouco de paz, consigo dormir e sonhar colorido novamente, e já acredito que, apesar de tudo, isto foi o melhor que podia me acontecer.
Lembra quando nos encontramos no ano passado, Vítor? Eu estava destruída, não estava, meu querido? Acho que aquele foi o momento de maior solidão da minha vida, mas ainda assim eu pude sorrir e aproveitar tua estadia aqui. Entendes o que digo? A solidão deixou de ser insuportável quando tu confirmastes minha existência através da afetividade e da partilha em comum. Tudo se acomoda, querido. As ondas sempre voltam a arrebentar na praia.

terça-feira, março 27, 2007

sublinhado (56)

O amor mais rico é o que se entrega ao arbítrio do tempo. (Pursewarden) (pág. 282)

O Quarteto de Alexandria - Clea (Ulisseia), Lawrence Durrell

sexta-feira, março 23, 2007

As matriarcas (7)

São Pedro amanheceu alvoroçada e monotemática. O eclipse dominou todas as conversas do povoado, do mais velho ao mais jovem.
Às 7 horas da manhã, o sino da igreja badalou anunciando a primeira missa do dia. Nem mesmo o sermão de Pe. Miguel escapou de referenciar o fenômeno. Por mais que ele tentasse explicar não havia jeito.
Os mais idosos estavam temerosos, pois ainda guardavam consigo antigas crendices escatológicas. A meninada queria ficar acordada para ver a lua tingir-se de vermelho.
Naquele dia, apenas eu e mamãe fomos à Igreja. Saímos cedo, sorrateiramente, para que a bisa não notasse. Mamãe não dava ouvidos às manias da cidade e para não exasperar a bisa e nem contrariar suas regras, preferiu não ser vista.
Quando voltamos da missa, a casa estava toda fechada. Apesar do imenso calor, as janelas estavam cerradas, as cortinas baixas, portas chaveadas. Diante do oratório, a bisa rezava o terço pedindo misericórdia à Virgem Maria para que “São Pedro não acabasse em chamas”. Tia Margarida andava de um lado para o outro da casa e atrás dela vovó Totonha com um copo de água com açúcar:
- Bebe, Guida, vai te acalmar.
Eu não entendia porque um simples eclipse causava tanto desequilíbrio na rotina de todos. Tudo o que eu mais queria era pegar minha bicicleta e rumar para a clareira quando chegasse a hora. Queria observar tudo de perto.
À noite, após o jantar, levantei-me depressa da mesa e fui caminhando em direção ao quintal. A bisa puxou meu braço e perguntou:
- Onde é que a mocinha vai?
- Guardar a bicicleta – respondi gaguejando, sinal evidente da minha mentira.
- Ninguém sai de casa hoje, Olívia.
- Mas bisa, eu combinei de encontrar a turma na clareira.
- Amanhã, Olívia. Amanhã.
Chateada, fui para o quarto. Foi assim que perdi o primeiro eclipse da minha vida.

quarta-feira, março 21, 2007

Confessionário (43)

Minha Lu,
Percebo perfeitamente a tua dificuldade em encontrar palavras para me preencheres o coração de carinho. Eu teria dificuldade idêntica. Mas não te apoquentes… a tua luz e a tua presença são suficientemente fortes para me fazerem olhar a vida com ternura.
Sabes, minha querida, tenho-me convencido (e parece-me que de forma definitiva) que não existe nada mais real do que a solidão, ainda que em alguns momentos da nossa vida ela possa ser abraçada por outras solidões que gravitam no mesmo espaço e na mesma frequência.
Não há fusões, somos inevitavelmente seres independentes. Tocamo-nos, beijamo-nos, abraçamo-nos, olhamo-nos, mas não há casa, por mais generosa que seja, capaz de abrigar o ‘eu’ e o ‘outro’. Sofremos todos do síndrome do ilhéu. Das nossas praias podemos avistar outras, a nossa perspectiva pode até assemelhar-se a um diaporama maravilhoso de todo o arquipélago, mas jamais deixamos de ser uma unidade rodeada de água por todos os lados.
Não é com sofrimento ou pessimismo que constato isto. Sabes que sou optimista por natureza. Mas talvez, erradamente ou porque me forçaram a acreditar, eu tenha imaginado que o amor era capaz de transformar duas ilhas numa ilha só. O amor como uma espécie de vulcão nascido do fundo do mar que vai jorrando lava continuamente até formar um território virgem capaz de nos ligar à ilha mais próxima.
Assim como no ventre da mãe, dois gémeos siameses ligados por uma qualquer parte do corpo e protegidos pela mesma placenta vão desenvolvendo cada um o seu coração, também a nossa ilha, ainda que ligada a outra pela força de um vulcão, encerra em si os seus próprios segredos, a sua individualidade marcada pela idade das rochas e dos troncos das árvores. Não temos o direito de ambicionar ter, possuir, conquistar o que não é nosso por natureza… parece-me um facto.
Despeço-me com um beijo enorme e com a promessa de continuar esta confissão, que fica assim em reticências, até que o trabalho me dê algum descanso e me permita continuá-la do modo que pretendo.
O teu Vítor.

Na estante (9)

O Homem, As Viagens

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua

(...)

Restam outros sistemas
fora do solar a colonizar.
Ao acatarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.

Carlos Drummond de Andrade in A palavra mágica. Record, 1997.

terça-feira, março 20, 2007

Le Soleil est près de moi



Imagem: Figure Blocking Sun (Cesar), 2006, John Gerrard

Musica: Le Soleil est près de moi (Premiers Symptomes), Air

domingo, março 18, 2007

Ele merece!

O romancista e psiquiatra português António Lobo Antunes foi o vencedor do Prêmio Camões de Literatura, concedido hoje por um júri formado por Francisco Noa (de Moçambique), João Melo (Angola), Fernando Martinho, Maria de Fátima Marinho (Portugal), Letícia Malard e Domício Proença (Brasil).
Aos 65 anos, ele é autor de 15 livros, quatro dos quais lançados no Brasil pela Objetiva: Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo, Conhecimento do Inferno, Memória de Elefante e Os Cus de Judas, o mais vendido. Ele recebeu a notícia em Lisboa, onde nasceu e vive até hoje e vai receber lá os 100 mil (cerca de R$ 270 mil) relativos ao prêmio em 10 de junho deste ano.

terça-feira, março 13, 2007

sublinhado (55)

Sim, eu tinha antecipado o prazer dessa alegria sem prever que ela faria despontar em mim uma representação tão clara da morte. Era uma novidade! Sim, é o melhor presente de casamento que te posso oferecer! E se olhares para além da imediata tristeza, compreenderás como a lógica do amor parece perfeita àquele que está pronto a morrer por ele. (Pursewaden) (pág. 187)
O Quarteto de Alexandria - Clea (Ulisseia), Lawrence Durrell

RETRATO DE UM POETA
(A Ferreira Gullar)

A poesia nasce da prosa,
Da linguagem cotidiana,
Na noite veloz que envolve os barulhos.
Ela sintetiza a vida no papel,
Vida que transcende os signos, as palavras
E ecoa nos corredores da percepção.
Ironiza o poeta:
A poesia, senhores, não fede nem cheira”.
Contudo ele fabrica o poema sujo
E comprometido com seu tempo.
Poema que exala o suor dos homens.
Homens de amores desbotados, encardidos.
De roupas poucas e rotas,
De vozes escassas, roucas, sumidas.

(Luciana Melo 16/10/01)

segunda-feira, março 12, 2007

Confessionário (42)

Meu Vítor, procurei pelas palavras, mas não as encontrei.
Ofereço-te, então, esta foto da Nan Goldin. Ela expressa tudo o que não fui capaz de dizer.
Amor,
Lu

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Suzanne and Philippe on the bench, Tompkins Square Park, New York City, 1983.

terça-feira, março 06, 2007

As matriarcas (6)

Sobre a porta da loja lia-se a placa talhada na madeira: Oficina do Gegê. Como a porta estava aberta, fui entrando. Era um galpão de aproximadamente uns vinte metros quadrados sem qualquer organização. Havia pneus, câmaras de ar, remendos por toda a loja; pedaços de bicicleta – raios, pedais, selim, guidão – espalhados no chão. Era difícil caminhar por ali.
Já que não havia ninguém para atender, resolvi bater palmas – um velho hábito do interior – para pedir ajuda.
- Ô de casa!
Nenhuma resposta.
- Ô de casa. Tentei novamente, mais forte dessa vez.
Lá do fundo da loja alguém respondeu:
- É já.
Em alguns segundos, surge uma figura simpática e bonachona. Entrou sorrindo largo, dentes branquíssimos, cara redonda. Não me restaram dúvidas. Só podia ser o pai de Tiziu, afinal, eram os mesmos olhos brilhantes.
- Bom dia, moça.
- Bom dia, Sr. Geraldo. Eu sou Olívia e...
- Ah! O Tiziu me falou da senhora. A professora lá da capital.
Segurei firme o riso. Fiquei imaginando como teria sido o relato daquele moleque. Ele viu os livros que trouxe e deduziu que sou professora. O que não deve ter sido muito animador, uma vez que a escola não é assunto que lhe pareça agradável.
- Isso mesmo. Ele disse-me que o senhor poderia conseguir uma boa bicicleta pra mim.
- Eu posso, mas é de segunda mão. Não se importa?
- De forma alguma. Como não vou ficar muito tempo, talvez um mês ou dois, pensei em alugar uma.
- Alugar? Nunca fiz isso, não senhora. Eu conserto, pinto, monto, desmonto, mas alugar... é novidade. Eu posso emprestar.
- Não, Sr. Geraldo. Veja aí uma bicicleta e diga o preço. Eu compro. Quando eu for embora, deixo para o senhor arrumar uma venda, um bom negócio.
Saí de lá montada numa bicicleta vermelha, com raios brilhantes, retrovisor e uma buzina de som extravagante.
É. Bicicleta é um meio de transporte sério em São Pedro das Missões.

segunda-feira, março 05, 2007

sublinhado (54)

Pensavas que podias escapar ao castigo pela simples exibição das tuas habilidades verbais. Mas as palavras... não passam de uma harpa eólia ou de um xilofone barato. Até uma foca aprende a equilibrar uma bola na ponta do focinho ou a tocar trombone num circo. E que está por detrás disto?... (Pursewarden) (pág. 148)
O Quarteto de Alexandria - Clea (Ulisseia), Lawrence Durrell

quinta-feira, março 01, 2007

escolhas

English Garden, Munique, Fevereiro de 2007

Trocámos uma manhã prevista em Dachau por um passeio no English Garden. Não chegámos sequer a visitar Dachau... não estou nada arrependido.