quinta-feira, fevereiro 19, 2009

atirar os dados...

Abro o I-Tunes e decido accionar o 'random play' à espera de ser surpreendido pela escolha do computador. Fecho os olhos e aguardo a resposta. A música começa e como se de um jogo de tarot se tratasse, desenha... melhor... grita a mensagem! Gosto de acreditar no acaso.

Revolution, The Beatles

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

'a eternidade e um dia' (4)

‘A Eternidade e um dia’, um filme de 1998 do realizador grego Theodoros Angelopoulos, conta a história de um escritor com alguma idade, Alexander, que recebe do médico a notícia de que vai morrer no dia seguinte. O guião, escrito em colaboração com Tonino Guerra, relata o último dia do escritor.
Alexander está sentado numa poltrona. É acordado pela empregada, Urania, que lhe diz ‘Hoje é o último dia. Permita-me que o leve ao hospital.’ Alexander recusa e agradece-lhe a dedicação dos últimos três anos. Vai à varanda e observa a envolvente por alguns minutos. Coloca a trela no cão e sai de casa em direcção ao porto de Salónica. Enquanto passeia relembra o passado, o casamento feliz com a Anna já falecida. O dia é cinzento, a atmosfera carregada. Volta a casa, pega no carro e dirige-se ao centro da cidade. Ao parar num semáforo, um rapazinho de blusão amarelo aproxima-se com um limpa pára-brisas na mão à espera de uns trocados. O semáforo abre e de repente uma patrulha policial entra em perseguição do grupo de miúdos, prováveis refugiados Albaneses à procura de pão nas ruas da cidade. Alexander abre a porta do passageiro e grita ao rapazito de amarelo para que entre, livrando-o de ser apanhado pela polícia. Mais à frente, Alexander pára o carro e o rapaz despede-se com um sorriso generoso, grato por tê-lo afastado da confusão.
Dirige-se a casa da filha e pede-lhe que fique com o cão dizendo-lhe que vai de viagem durante algumas semanas. Despede-se levando o cão pela trela sem discutir, após a filha lhe ter negado o pedido e notificado que tinha vendido a casa de férias a uma construtora que iniciaria obras de demolição naquela tarde para a construção de um condomínio. Grande parte das memórias de Alexander, analepses que acontecem periodicamente ao longo do filme, sempre claras e plenas de luz em contraste com a lugubridade do dia da acção, estão intimamente ligadas a essa casa. As recordações de Anna, a infância da filha, a sua mãe, surgem quase sempre no mesmo cenário, como se aquela casa e todos os seus cantos fossem o suporte físico das emoções do escritor.
(continua)

alone in kyoto

Nunca fui a Kyoto, nem imagino se algum dia terei a possibilidade de ir. Pouco importa. Tenho para mim que Kyoto não é uma cidade. É um estado de espírito.

Alone in Kyoto, Air

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

'a eternidade e um dia' (3)

A Eternidade e um dia, Theo Angelopoulos

(continua)

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

'a eternidade e um dia' (2)



Stonehenge, Wiltshire, Inglaterra

Lewis Mumford, em ‘A Cidade na História’, aponta a resposta: ‘o respeito que o Homem cedo sentiu pelos mortos, expressão de fascinação por si mesmo, com as suas poderosas imagens de fantasia diurna e sonho nocturno, talvez tenha sido o que o levou a procurar, no princípio, um lugar de reunião fixo e, no futuro, um assentamento permanente’. A morte, diria antes, a consciência humana da morte, deu origem às primeiras obras arquitectónicas – a organização do espaço com uma intenção específica e premeditada para lá de uma resposta construtiva às necessidades biológicas. Mais do que abrigar-se e proteger-se, o Homem sente necessidade de prolongar a sua existência pela matéria, recusando a sua condição mortal e consequentemente a transitoriedade implícita ao funcionamento lógico do universo. Verificamos que desde Carnac e Stonehenge, até à sumptuosidade da arquitectura funerária egípcia, existe uma intenção forte de apropriação da forma ou da imagem como meio de atingir o belo e o imortal. A busca pela eternização da memória através da arte é muito mais do que a recriação ou o registo da beleza que observa, ela é a constatação da natureza narcísica da condição humana, o tal fascínio por si próprio de que falava Mumford. O homem resiste à fugacidade da vida e necessita intrinsecamente do perpétuo, marcando de forma mais ou menos subtil o rasto do seu percurso. É um fenómeno transversal a toda a humanidade, do ocidente ao oriente – uns fazem-no pela força da pedra, os outros pela força da forma.
Lavoisier viveu entre 1743 e 1794. Escreveu uma das frases mais sábias de que há memória, ‘Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma’. Dois séculos passaram e eu pergunto-me se o peso do tempo foi suficiente para que o homem contemporâneo entendesse e interiorizasse o seu real significado. Estaremos nós mais próximos do sentido da frase do químico francês ou daquilo que levou o homem do paleolítico a construir Stonehenge?

(continua)

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

'a eternidade e um dia' (1)

'mia aioniotita kai mia mera'
*
Talvez a transitoriedade seja uma das coisas mais assustadoras e fascinantes da vida. Entenda-se transitoriedade como qualidade do que é transitório, fugaz, passageiro e não como chavão de qualquer doutrina esotérica ou teoria psicanalítica. Tudo obedece à lei básica da natureza e ao funcionamento lógico do universo. Nada é estático, existe movimento na mais ínfima partícula de matéria.
Remetendo esta catadupa cinética para o nosso quotidiano constata-se exactamente o mesmo. Os acontecimentos, as acções, os diálogos, nascem e morrem ao ritmo dos segundos. No entanto, há um processo humano, e intrinsecamente humano, que parece contrariar todo o sentido natural das coisas – a construção das emoções e a forma como elas se vão sedimentando na memória. Há obrigatoriamente um processo de transitoriedade no construir emocional e na forma como ele é apreendido e recuperado por cada indivíduo. O que se viveu no passado não tem no presente o mesmo significado, nem o mesmo peso emotivo de outrora. A reciclagem acontece, mas parece haver um processo que, em certas alturas, bloqueia a engrenagem da máquina natural.
A história da arquitectura poderá ser um argumento interessante para explicar onde pretendo chegar. Parte-se do princípio que a Arquitectura (do grego arché - αρχή - significando "primeiro" ou "principal" e tékton - τέχνη - significando "construção") é a arte, ou a técnica, da criação do espaço organizado.
Muitas vezes, em conversas com amigos, pergunto se sabem onde nasceu a arquitectura. As respostas são invariavelmente as mesmas – nas grutas ou nas cavernas. Errado. As grutas e as cavernas são abrigos naturais, organizados pela própria Natureza e não pela mão do Homem. Alguns estudos apontam que a Terra Amata, um conjunto de cabanas construídas em troncos de madeira, seja a morada artificial humana mais antiga que se conhece, no paleolítico inferior. Se considerarmos a Terra Amata a primeira obra arquitectónica, pela mesma lógica, seríamos obrigados a dizer que as construções executadas por outros animais, que não o homem, constituem arquitectura também. Por esta ordem de ideias, os sistemas construtivos executados por térmitas, ou as conchas e cascas de grande parte dos moluscos são arquitectura, uma vez que respondem às necessidades biológicas dessas espécies tal como as cabanas da Terra Amata respondem às da espécie humana. Talvez o significado de Arquitectura ultrapasse o conceito de organização do espaço como uma resposta biológica e se aproxime daquilo que Leland Roth defende, ‘a arquitectura é uma representação física do pensamento e da ambição do Homem, uma crónica das crenças e dos valores da cultura que a produz’. Há, portanto, um significado mais amplo naquilo que entendemos como organização do espaço.
Introduzindo o conceito de que arquitectura é a organização do espaço com uma intenção específica para além da de protecção ou abrigo, qual será então a primeira obra arquitectónica?

(continua)

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Pygmalion

Em Outubro de 2006 lembro-me de ter visto um cartaz na rua que anunciava um concerto da Patrícia Barber no Theatro Circo, em Braga. O teatro tinha sido remodelado não havia muito tempo e anunciava já a programação consistente que hoje conhecemos. Não seria de esperar outra coisa, o trabalho do Paulo Brandão já tinha produzido efeito em Famalicão. Mas voltemos à Patrícia Barber… assim que vi o cartaz dirigi-me à Fnac e comprei dois bilhetes. Pedi à pessoa que me atendeu um envelope para oferecer de presente. No mesmo dia, depois do jantar, fui buscar o envelope e resolvi fazer uma surpresa a uma pessoa muito especial. Ainda hoje não consigo expressar o que senti depois da reacção. Talvez a expressão ‘balde de água fria’ não chegue para caracterizar o meu estado de espírito. Apercebi-me que tinha sido inconveniente, despropositado e egoísta. Falou-me da falta de senso em comprar bilhetes para aquele dia, uma vez que no fim-de-semana em questão estaria indisponível com a preparação de um compromisso que teria no inicio da semana e que, todavia, Patrícia Barber não lhe dizia grande coisa. Era um gosto meu, uma vontade minha... e que teria sido conveniente da minha parte uma consulta em relação à proposta de programa. Eu voltei a guardar os bilhetes no envelope. Pensei, do Porto a Braga demoro meia hora, mais hora e meia para o concerto e outra meia hora para o regresso. Roubar-lhe-ia cerca de duas horas e meia, no máximo três horas, durante todo o fim-de-semana! Engoli em seco e no dia previsto fui ver o concerto com um amigo a quem ofereci o outro bilhete. O que me ficou do concerto ficou descrito aqui.
Ultimamente tenho escutado vezes sem conta uma das músicas do álbum Mythologies que a Patricia Barber apresentou nesse concerto. Chama-se Pygmalion. Na altura, juntamente com ‘If I Were Blue’, foi uma das canções que mais me tocou. Entrou-me no ouvido de um modo sensitivo, como qualquer coisa que nos toca a pele muito levemente. A melodia parecia-me tão íntima e limpa que os pormenores da composição e sobretudo o poema passaram completamente despercebidos. Hoje, quando a escuto, sinto no peso de cada palavra e de cada verso a profecia que na altura não soube compreender. O amor cega… no meu caso ensurdece.
unrequited love
is what I know of love
spellbound
I will stay
imagination may be for fools
imagination may be cruel
to be kind
at the end of the day

Pygmalion, Patricia Barber