segunda-feira, outubro 18, 2010

As matriarcas (12)

- Olívia! Oliiiiiívia!

- Já vou, já vou.
Apenas uma coisa era mais divertida do que os longos passeios de bicicleta com a turma: o quintal da casa de vovó Totonha. Lá, eu não via o tempo passar. Perdia-me por aquela imensidade de terra, flores, frutas e animais. Vovó "me deu" um pedaço dele para fazer o que quisesse, então, eu decidi fazer uma horta.
Como eu gostava de plantar coentro e manjericão! Elas tinham aquele aroma inconfundível de coisas frescas, dos molhos deliciosos que tia Margarida fazia e das tais garrafadas que ela preparava com um poder curativo conhecido por todos na cidade. Lembro de sempre ter fila no portão de vovó Totonha:
- "Margarida, mulher, o que é que você tem aí para constirpação?"
- "Margarida, o que é bom para estancar hemorragia?"
Eu ficava hipnotizada ao ver tia Guidinha debruçada sobre tachos e panelas gigantes ou então pilando as ervas ressecadas.
Pela manhã, acompanhava vovó ao galinheiro. Eu segurava a cesta de vime enquanto ela recolhia os ovos entre estridentes cacarejos.
Gostava de ficar horas pendurada nas jabuticabeiras. Comia até sentir náusea ou ter dor de barriga. Tia Guidinha precisava me enxotar dos galhos. Ela dizia-me que se continuasse comendo as jabuticas com tanta voracidade, não sobraria nada para seu famoso licor vendido na quermesse da igreja da matriz.
Mas o que eu mais gostava era quando a noite caía. Sentávamos no quintal para ouvir tia Margarida ler um livro (eu sempre pedia as Reinações de Narizinho) ou contar causos de terror. Eu deitava na rede com mamãe, aquela que ficava localizada ao lado dos bugarins.

A memória tem cheiro. E a minha cheirava a bugarins.

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