sábado, maio 02, 2009

Confessionário (54)

Meu Vítor,

Esse texto foi publicado há 9 anos atrás na Revista Continente. Hoje eu o reproduzo aqui neste espaço porque tem tudo a ver com o Sincronicidade e com a nossa condição.
Li e sorri comigo mesma, lembrando desse nosso confessionário, desse espaço de intimidade singular que criamos e mantemos apesar do silêncio, da distância e da falta de convivência física... é, há toda sorte dessa coisa chamada casamento.
Saudade tua.
Beijo,
Tua Lu.

Intimidade, uma cilada

Escrito por Altemar Pontes

As pessoas difamam o casamento quase que diariamente. Aliás, este hábito é tão comum aos jovens de um modo geral quanto aos que casaram há cinco anos. Em seu discurso, dizem que o amor mingüa, que o sexo começa a rarear, que a rotina é sufocante, repetem o “onde esteve?”, “que horas são essas?”, e outros comentários acabrunhantes... Dizem, dizem, reclamam, mas seguem casando-se e mantendo-se casadas por anos. Qual é a boa dessa história? Que há de tão interessante para manterem-se casados? Uma jóia chamada intimidade.
Íntimas, muitos acreditam, são duas pessoas que possuem relações físicas e emocionais entre si. Será apenas isso? Bem, acredito eu que seja muito mais que isso. Intimidade é você não precisar verbalizar tudo o que pensa, é aceitar a solidão do outro, é estarem familiarizados com o silêncio de cada um. Intimidade é não precisar estar linda em todos os momentos, não precisar ser coerente em todas as atitudes, é rirem juntos de uma história que só aquele casal conhece o final.
Intimidade é ler os olhos, os lábios e as mãos de quem está com você. Mais do que repartir um endereço, é repartir um projeto de vida. Não basta estar disponível, não basta apoiar decisões, não basta acompanhar no cinema: intimidade é não precisar ser acionado, pois já se está mentalmente a postos. Intimidade é não ter vergonha de ser o que a gente é, não precisar explicar coisa alguma, ser compreendido e brigar sabendo que nada irá se romper. Intimidade é não precisar andar na ponta dos pés pelos corredores de uma vida compartilhada.
De imediato, só me ocorre uma coisa ruim na intimidade: a falta que faz um pouco de cerimônia. Calcinhas penduradas no banheiro, o telefonema sempre na mesma hora da tarde, o arroto que dispensa o pedido de desculpas, o lençol amarfanhado, a TPM todo santo mês, o mesmo perfume, as mesmas reações, o mesmo cardápio. E o pior de tudo: brigar sempre pelas mesmas coisas.
O casamento dá uma intimidade rara, apaziguadora, salutar (não sou casamenteiro, estou apenas tentando vender o peixe ao editor). Não há máscaras nem teatro: é o habitat natural de dois seres, que se querem como são quando tudo está bem, e se querem diferente quando as coisas vão mal. A intimidade salva as relações extensas, a não ser quando as corrói. Contradição maquiavélica. O melhor e o pior dos mundos, nos obrigando a escolher entre o habitual e a novidade, entre a paz e a adrenalina, entre a rede e o salto. Sedução x segurança: que vença a melhor.
Mas intimidade mesmo é quando a gente confia a alguém nossos segredos mais puros e em seguida se sente tão bem, tão confortável que até dá vontade de abraçar e perguntar: Eu já disse o quanto te amo?