segunda-feira, dezembro 15, 2008

'les choses sont lá... pourquoi les inventer?'

sábado, dezembro 06, 2008

someone's movie



Hiroshi Sugimoto

terça-feira, novembro 04, 2008

Notinha breve e ufanista

O longa nacional Chega de Saudade, de Laís Bodanzky, ganhou anteontem o prêmio de melhor filme no 14º Festival Internacional de Genebra, na Suíça. Participaram da competição produções de países como Estados Unidos, China, Irã, Dinamarca e Colômbia. A principal premiação concedida ao filme, que retrata diferentes histórias em um salão de baile, foi feita por um júri de várias nacionalidades, como o diretor da Cinéfoundation do Festival de Cannes, Georges Goldenstern. Em agosto, o longa, encenado por Stepan Nercessian, Beth Faria e Cássia Kiss, levou o título de melhor trilha sonora do 3º Prêmio Contigo! de Cinema.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

segunda-feira, outubro 13, 2008

comunicar por imagens
quando não se tem palavras
*

sexta-feira, outubro 03, 2008

As Matriarcas (11)

Quando dei por mim, estava de volta ao meu quarto, na pensão do Agenor. Levantei-me sobressaltada e sentei-me na cama e qual foi o susto quando vi o Tiziu com aqueles olhos arregalados, sentado na poltrona de veludo, a olhar para mim:
- O que houve? E o que você faz aqui, Tiziu?
- Não está lembrada, D. Olívia? A gente estava andando de bicicleta lá pras bandas do Largo da Esperança quando a senhora passou mal e desmaiou. Acho que foi o sol. Estava quente por demais e a senhora não deve de tá acostumada.
- Não deve estar acostumada!
- Pois não foi o que eu disse? Então, voltei correndo na bicicleta, busquei a charrete e o Nhô Agenor para ajudar.
- Ah, sim! Agora estou me lembrando... Diga-me, faz muito tempo que estou dormindo?
- Não. Coisa de meia hora.
- E você ficou aqui esse tempo todo, velando meu sono?
Acho que a comoção na minha voz o deixou enrubescido.
- É. Queria saber se a professora tava bem – disse um Tiziu todo envergonhado.
- Estou ótima, Tiziu. Agora você pode ir. Descanse um pouco e faça seus deveres de casa. Mas antes, pegue ali a minha bolsa.
Ele foi pegá-la, todo preocupado.
- Aqui está o seu pagamento.
- Não, D. Olívia. Não precisa pagar. A gente nem chegou a fazer o passeio direito.
- Pegue. Esse é o combinado. Além do mais, você ainda teve o trabalho de voltar para buscar ajuda. Vamos, vamos. Pegue.
Relutante, ele esticou a mão para receber o dinheiro. Eu o puxei e disse-lhe:
- Muito obrigada. O dinheiro é seu para comprar o que quiser, mas não vá gastar com bobagens, sim?
- Pode deixar, D. Olívia.
Quando Tiziu bateu a porta, fiquei lembrando-me de tia Margarida, da procissão, de seus surtos, de sua dor.
A primeira vez que vi tia margarida se descontrolar foi na morte da bisa Lola. Mais tarde, na procissão e depois disso, ela nunca mais foi a mesma.
Antes de tudo isso começar, ela dava aula no Grupo Escolar. Era uma excelente professora. As crianças adoravam-na. Lembro de tia Guidinha sempre perfumada, usando saias esvoaçantes. Ela tinha pernas escandalosas. Ela gostava de poesia e me fez ter gosto por literatura. A primeira vez que li Bandeira, deparei-me com um poema seu que dizia assim:

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos era muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do
[corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Disse a ela que achei Tereza a sua cara e que mesmo sem conhecê-la, Manuel Bandeira escrevera aqueles versos para ela. Ela divertia-se com essa minha idéia.
Quando tia Margarida surtava, escutar a mim declamando esse poema era uma das poucas coisas que a acalmava.

segunda-feira, setembro 22, 2008

Confessionário (53)

Meu Vítor,

Durante este fim de semana pensei tanto no que me liga a ti, no amor que nos une, na serenidade da certeza de saber-te meu, no que há de genuíno em deixar-se amar por alguém sem avarezas.
Há dias que não sei se desejo voltar ao estado anterior em que não tinha certeza de existir, em algum lugar deste Universo, uma alma afim... há dias, meu Vítor, que desejo novamente não sabê-lo, porque me pergunto que bem há em saber que ela existe, sim, mas vive distante a tantos mares, a tantas ausências sentidas, a tanta falta de abraço.
Tenho na memória guardada toda lembrança dos dias rápidos em que estivestes aqui, ao meu lado, ao alcance da mão. Retenho então em mim o abraço apertado, o olhar cúmplice, a face do reconhecimento, a felicidade de saber que sou par, que outros da minha espécie existem. Só suporto tamanha saudade e falta de afago porque há quem viva mil anos sem jamais experimentar aquilo que sentimos. Viveria toda uma eternidade novamente somente para desfrutar do nosso encontro.
Na concha das minhas mãos, entrego-te minha partilha, meu coração contrito e a minha esperança de vê-lo em melhores dias.
Meu Vítor, eis aqui a chave que abre os portões de Amboise. Toma-a.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Das sincronicidades

Meu Vítor,

Lembro-me que foste tu o culpado. Foram tuas mãos que me levaram aos versos intensos de Fiama Hasse Brandão.
Hoje estava aqui em casa lendo alguns de seus poemas e, por curiosidade, fui ao google procurar outras referências a respeito de sua obra. Ao pesquisar, caiu-me no colo este vídeo lindo da Adriana Calcanhotto que, como tu bem sabes, é minha cantora favorita.
Compartilho contigo os versos e a música para que te enterneças tanto quanto eu.
Beijo saudoso,
Tua Lu

Poética do eremita
(Fiama Hasse)

No deserto estão secas
as pedras que no mar se molhavam
a semelhança confunde o eremita que solitário demais
passou o tempo entregando-se à solitária memória
aqui a pedra seca
para o eremita não perdeu
a qualidade húmida de poder
ter estado ao pé do mar.

segunda-feira, agosto 18, 2008

Homenagem a Dorival Caymmi (1914-2008)

Por não saber o que dizer desse homem que imortalizou o mar em canções belas e preguiçosas, deixo que a música diga por si só.
Despeço-me de Caymmi como quem observa as ondas da arrebentação.
É doce morrer no mar (Dorival Caymmi), com Dori Caymmi.

terça-feira, agosto 12, 2008

no seguimento do post anterior: beatriz (é música e poema)

'Beatriz' de Edu Lobo e Chico Buarque

na versão de Maria João e Mário Laginha

segunda-feira, agosto 11, 2008

Prosa, verso ou música?



Wally Salomão

Fronteira pouco nítida

O que o Chico Buarque diz não importa, ele é poeta sim. Muitas das letras dele têm qualidade superior a grande parte do que se encontra na literatura. Esta semana eu peguei um texto de Chico intitulado "Canção que existe", que me lembrou muito Dante em A Divina Comédia. E se você ler este texto, classifica-o como poesia tranqüilamente.
A Língua Portuguesa tem tradição na fusão entre a poesia e a letra de uma música. Existem sutis diferenças entre as duas, claro, mas elas estão muito próximas. Não há uma regra definida para o que pode ou não ser poesia. Eu não aceito quando alguns professores de Português, estrategicamente, tentam fazer uma separação entre as duas áreas. A única coisa que eles conseguem dizer é que poesia é aquele texto que se sustenta na página. Para mim, este argumento não faz o menor sentido. Lógico que existem pontos característicos de cada um destes mistérios. Um pernambucano, João Cabral de Melo Neto, disse em Duas Águas que existem poesias para serem ditas em voz alta e em voz baixa. Ou seja, há diferenças entre música e poesia, mas a fronteira entre elas não é tão nítida. Quando eu faço um texto sabendo que este vai ser musicado, o processo de criação não é o mesmo. Por exemplo, Maria Betânia me pede uma letra, eu penso já na voz dela. Porém, ao mesmo tempo, eu posso fazer uma letra nem pensando em musicá-la e acaba acontecendo, como Mel, que só depois de pronta, foi trabalhada por Caetano Veloso.
A poesia já tem um ritmo próprio. A história dos poemas prova isto, quando estes eram recitados por menestréis ou em jograis pelos povos mouros. Até hoje, percebendo o texto de Garcia Lorca, esta influência do canto popular está bem clara. Então, como a poesia tem um ritmo próprio, não há rigidez no que pode ou não ser musicado.

Wally Salomão é poeta e letrista


Jacy Bezerra

Canções que resistem

Em alguns casos, eu concordo que uma letra de música pode ser considerada poesia, como no Concretismo, por exemplo. Existem letras que sobrevivem independente de serem enquadradas como música. "Águas de Março" de Tom Jobim é para mim um grande poema. Outros artistas fazem trabalhos além da música também, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque.
Eu já vi algumas entrevistas com Chico na qual ele afirma não ser poeta e acho que em certo ponto tem até razão. Eu acho interessante quando ele diz que faz primeiro a música e depois a letra. Em todo caso, Chico Buarque deve ser considerado principalmente e essencialmente músico, mas algumas de suas letras podem facilmente ser classificadas poesias, como "Carolina" e "A banda". Estas canções resistem no papel independentemente de serem cantadas ou não.

Jacy Bezerra é poeta

Sebastião Vila Nova

Duas coisas diferentes

A letra de uma música é uma coisa bastante diferente de um poema. Em princípio uma letra deve ser submetida à música. Quando uma letra supera uma canção, não há uma boa canção. Quando um ouvinte escuta uma música prestando atenção primeiramente à sua letra, não é um bom ouvinte. Uma canção deve ser lembrada inicialmente por sua melodia. A poesia e a música têm relação por suas origens. Elas nasceram juntas e é por isso que a poesia tem um certo ritmo. É o que Ezra Pound chama de “melopéia do poema”. Porém, depois a música e a poesia se separaram e tomaram rumos diferentes. Eu penso como Thomas Mann escreveu no romance Doutor Fausto: “Um poema não deve ser bom demais para servir de material para uma boa canção. A música se sai muito melhor na tarefa de dourar a mediocridade”. Ou seja, ele diz que uma canção pode ter uma letra pobre e, mesmo assim, ser uma bela canção. Por outro lado, eu admito que excepcionalmente alguns artistas conseguem se superar e fazer letras poéticas independente da música. Chico Buarque, por exemplo, em "Brejo da Cruz". Essa letra pode ser lida no papel como um poema. Caetano Veloso também atinge isso quando faz letras experimentais. E isto é perigoso para o artista. Quando se faz letras como essas, a música não funciona e não pega.

Sebastião Vila Nova é sociólogo e músico

imagens que se colam ao peito (28)




Imprints, Japan 1993-1999, Yuichi Hibi

VI

que segredos esconde
o pássaro da manhã
sobre aquela janela?

poemas (1)

Canção de Embalar

Apoia a tua cabeça adormecida, amor,
Tão humana sobre o meu braço descrente;
O tempo e a febre consomem
A própria beleza das
Pensativas crianças, e o túmulo
Mostra que a criança é efémera:
Mas, nos meus braços, até ao romper do dia
Deixa que a viva criatura jaza
Mortal, culpada, mas que para mim
É toda a beleza.

A alma e o corpo não têm limites:
Para os amantes quando jazem
Sobre o seu permissivo e encantado declive
Num habitual desfalecimento,
Grave é a visão que Vénus envia
De uma sobrenatural compaixão;
Amor universal e esperança;
Entretanto, uma visão abstracta desperta
Entre os glaciares e as rochas
O êxtase carnal do eremita.

A segurança e a fidelidade
Passam ao bater da meia-noite
Como as vibrações de um sino
E aqueles que são elegantes e loucos erguem
O seu pedante e enfadonho apelo:
A mais pequena moeda devida,
Tudo o que as temidas cartas auguram,
Há-de ser pago, mas desta noite
Nem um murmúrio, nem um pensamento,
Nem um beijo nem um olhar se hão-de perder.

A beleza, a meia-noite, a visão que morre;
Que os ventos da madrugada ao soprarem
Suaves em redor da tua cabeça sonhadora
Mostrem um dia de boas-vindas
Que o olhar e o coração palpitante abençoem,
Que achem suficiente o nosso mundo mortal;
Que meios-dias de aridez te encontrem alimentada
Por poderes involuntários,
Que noites de afronta te deixem passar
Vigiada por todos os amores humanos.

Janeiro 1937

W.H. Auden
Diz-me a verdade acerca do amor
Trad. de Maria de Lourdes Guimarães
Relógio d´Água
1994

sábado, agosto 09, 2008

resposta ao comentário anónimo do post de 6 de agosto:

Postcards I may send: wrong person, 2008, Andre Jordan

'even if the door is open, the person you're looking for may not be there'

My Blueberry Nights, 2007, Wong Kar Way

quinta-feira, agosto 07, 2008

traz-me sempre satisfação

quarta-feira, agosto 06, 2008

imagens que se colam ao peito (27)

Postcards I may send: a sign, 2008, Andre Jordan

V

uma vida igual
à mulher da somália

tal como canta a música

um deserto de carne
os pés em ferida

e de novo o viajante

o eterno viajante

que apaga o rasto de sangue
do ventre das dunas
como quem esconde o destino

terça-feira, agosto 05, 2008

sublinhado (71)

O animismo era, para Hudson, o intenso amor pelo mundo visível e a ausência do pensamento. De repente, pareceu-me que, neste aspecto, nunca tinha existido um autor mais próximo de Walser do que Hudson, pois convinha não esquecer que, em Walser, tanto a descrição do seu eufórico amor pelo mundo visível eram primordiais, como - herança dos últimos romances - a sua absoluta certeza acerca da superficialidade da palavra. (pág. 201)

Doutor Pasavento (Teorema), Enrique Vila-Matas

sexta-feira, agosto 01, 2008

IV

o rádio toca

e a estrada em fuga
reflecte o que já sabemos:

no vapor do alcatrão

entre o negro do solo
e o azul do céu

há mortos que vivem
e vivos que se esforçam
por morrer

e nada disso importa

porque a eternidade
nasce no segundo cruel

onde a ínfima partícula da alma
se faz verdade

sublinhado (70)

Passei a recordar aquelas palavras, como se nelas estivesse concentrado aquele espírito de Walser que Musil disse que lhe evocava a riqueza moral de um desses dias preguiçosos e, aparentemente, inúteis, em que as nossas convicções mais rígidas se descontraem e se convertem numa agradável indiferença. (pág. 191)
Doutor Pasavento (Teorema), Enrique Vila-Matas

quinta-feira, julho 31, 2008

III

tudo parece uma rota indefinida

não existem mapas

e as estrelas
não funcionam como dantes

um viajante
que vive a modos
do entardecer

na certeza de que o sol
morre todos os dias

imagens que se colam ao peito (26)

últimos seis minutos 'Six Feet Under', 2005, Alan Ball

II

não há fantasia
nas horas que separam
o vivo do morto

apenas gumes
facas e bifaces afiados

dentes de tubarão

e um abdómen rompido
onde nem a dor transborda

where is my love?

terça-feira, julho 29, 2008

As matriarcas (10)

A cidade inteira quedou-se paralisada, muda, ao se deparar com tia Margarida “seminua”, valsando ao som das gotas espessas de chuva que estouravam no chão do quintal.
Somente as crianças – que não compreendiam bem o que de fato acontecia – romperam o silêncio daqueles rostos estáticos, quando resolveram se juntar ao bailado de tia Margarida. Aproveitaram seu desvario como desculpa para tomar banho de chuva, fazer algazarra e brincar de ciranda em torno de uma tia Margarida em êxtase.
Ninguém as impediu. Creio mesmo que nem notaram a presença delas, tamanha estupefação. Pareciam hipnotizados, em transe coletivo, num misto de horror e incredulidade diante da cena. Nenhum suspiro, nenhum “oh!” nem menear de cabeças. O único gesto (mecânico) que notei foi o de Pe. Miguel se benzendo com o sinal da cruz como se testemunhasse uma possessão, mas minha memória me dizia que a interpretação da criança que fui era outra. Naquele dia achei que Pe. Miguel abençoava tia Margarida, livrando-a de toda mácula, pecado ou doença, tal como Jesus fizera com Maria Madalena. Pensei que ali, naquele momento, ao ver tia Margarida rodopiar e sorrir, presenciara um milagre.
Eu mal sabia que era o começo do fim.
Tia Margarida deu um berro e desmaiou. Corri em sua direção ao mesmo tempo em que procurei mamãe com os olhos, mas ela amparava nos braços uma vovó Totonha desfalecida.

segunda-feira, julho 28, 2008

Confessionário (52)

Meu Vítor,
Não conheço ninguém melhor para responder-te do que Drummond. Então, aproprio-me das palavras desse moço de Itabira.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade. "Ausência" in Alguma Poesia.

I

entra pela mesma porta

pousa a cabeça na soleira de granito
e espera que o sonho chegue

há um degrau sobre o corpo
e um farol no horizonte

nas mãos crescem-lhe estátuas
de homens que nunca viu
músculos assimétricos
cabelos violentos

há um anjo vermelho
que tece uma manta de celofane

e há um outro
que embrulha um coração

terça-feira, julho 22, 2008

a estrada

há músicas que fazem parte da nossa vida. guardam momentos, pontuam situações que escrevem o livro das memórias. ao ouvi-las vamos criando o nosso filme. cena após cena, assistimos à construção daquilo que somos e deixamos uma porta aberta para o que poderemos ser... pelo menos é o que acontece nos bons filmes. esta música acompanha-me repetidamente, ciclicamente. mostra-me a estrada que percorri e dá-me a paz que necessito para continuar o caminho. ficará aqui até ao dia em que eu saiba que direcção seguir.


quarta-feira, junho 25, 2008

Confessionário (51)

Sabes que não há ausência, Lu, porque no coração tudo vive com a mesma intensidade. Quero voltar, ainda não sei como. Desisti de lutar contra o tempo. Um beijo.

segunda-feira, junho 09, 2008

Festa Literária de Paraty



Bem-vindo à FLIP 2008
2 a 6 de julho



Programação
A partir de hoje a programação completa da Festa Literária Internacional de Paraty, com biografias dos autores convidados e resumo das mesas está disponível no site da FLIP. São 41 autores convidados vindos da América do Norte, da Europa, da África e de vários países da América do Sul, além dos 22 autores nacionais.

Homenagem a Machado
Abrindo a FLIP, Roberto Schwarz, um dos mais destacados intérpretes da obra de Machado, discutirá o livro Dom Casmurro, por ele considerado o "romance possivelmente mais refinado e composto da literatura brasileira". Em outra mesa, "Papéis Avulsos", Flora Süssekind, Luiz Fernando Carvalho e Sergio Paulo Rouanet falam sobre suas diferentes experiências com a obra machadiana.
A homenagem a Machado se estende também pela programação do FLIP ETC. com adaptações da obra do autor para o cinema, teatro, e uma exposição sobre o Rio de Janeiro do fim do século XIX.

Show de Abertura
Luiz Melodia é o convidado desta sexta edição para o show de abertura, que acontecerá na quarta-feira, dia 2/7.

Ingressos
Os ingressos estarão à venda a partir do dia 10/6. A compra pode ser feita pela internet, por telefone, ou em pontos de venda de Ingresso Rápido.
• Tenda dos Autores (mesas e conferência de abertura): R$ 25 cada
• Show de abertura na Tenda do Telão: R$ 25
• Tenda do Telão (transmissão das mesas e da conferência de abertura): R$ 8


Patronos
Estão abertas as inscrições para Patronos e Amigos FLIP. Para cada categoria há uma série de benefícios.
Conheça detalhes acessando o site da FLIP.

quarta-feira, maio 28, 2008

Radiola (11)

Recentemente conheci este grupo e me apaixonei.



All The World - Fauxliage

I´ll break you down
I´ll take you down down
Fill you with sadness
Make your life madness

CHORUS
I am having the hard time
I am making you do the hard time too
I am stuck in a bad way
And I'm gonna make you pay for it

Give me a mile
I´ll take a hundred miles
Such a mistake
Sorry, you made

CHORUS

I know you´re here
I know you´re gone
I never asked you to stay
I am waking up, baby
Now tell me
Are you ok

terça-feira, maio 20, 2008

Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou. Uma réstia de parte do sol, um campo próximo, um bocado de sossego com um bocado de pão, não me pesar muito o conhecer que existo, e não exigir nada dos outros nem exigirem eles nada de mim. Isto mesmo me foi negado, como quem nega a esmola não por falta de boa alma, mas para não ter que desabotoar o casaco.


PESSOA, Fernando. O livro do desassossego. Cia. das Letras, 2006.

segunda-feira, maio 12, 2008

Quotes

Eu sou suspeita para falar de Umberto Eco.
Simplesmente adoro a maneira como escreve; sou apaixonada pelo seu trabalho como crítico; acho seus textos teóricos muito leves e sem aquela carga academicista; aprecio a sua "frouxidão", sua largueza italiana e principalmente, admiro sua capacidade de interpretar o mundo.
O Caderno Mais da Folha de São Paulo publicou a matéria intitulada "Professor Aloprado". Por ser extensa, compartilho com vocês as partes mais interessantes.

Admito que na vida existem felicidades que duram dez segundos ou meia hora, como quando nasceu meu primeiro filho - naquele instante, eu estava feliz. Mas são momentos muito breves. Alguém que é feliz a vida toda é um cretino. Por isso, antes de ser feliz, prefiro ser inquieto.

Algo de muito bonito que ocorre ao envelhecermos é que nos recordamos de uma multidão de coisas da infância que tinham sido esquecidas (...) Por isso, vou ao encontro de minha velhice com muito otimismo, porque, quanto mais envelheço, mais recordações tenho de minha infância.

Minha relação com os alunos sempre foi uma relação de aprendizagem, porque, ensinando, eu também aprendia (...) Uma relação erótica, porque a relação de um professor com um aluno é como a relação de um ator com seu público: quando você aparece em cena, é como se o estivesse fazendo pela primeira vez, e você tem a sensação de que, se não tiver conquistado o público nos primeiros cinco minutos, o terá perdido. É isso o que eu chamo de uma relação erótica, no sentido platônico do termo. Além disso, há uma relação canibal: você come as carnes jovens deles, e eles comem sua experiência. Há pessoas infelizes que passam os primeiros anos de sua vida com pessoas mais jovens, para poder dominá-las, e, quando envelhecem, estão com pessoas mais velhas. Comigo aconteceu o contrário: quando eu era jovem, estava com pessoas mais velhas que eu, para aprender, e agora, tendo alunos, estou com jovens, o que é uma maneira de manter-se jovem. É uma relação de canibalismo; comemos um ao outro. Por isso não deixei de ter relação com a universidade, apesar de ter me aposentado.

Cinqüenta por cento dos italianos votam em Silvio Berlusconi, o que é indicativo de uma profunda imaturidade política. É um momento extremamente triste, em que os elementos de esperança e entusiasmo são muito poucos.

Estamos em velocidade tão grande que não existe nenhuma bibliografia científica americana que cite livros de mais de cinco anos atrás. O que foi escrito antes já não conta, e isso é uma perda também quanto à relação com o passado.

Essa velocidade vai provocar a perda de memória. E isso já acontece com as gerações jovens, que já não recordam nem quem foram Franco ou Mussolini! A abundância de informações sobre o presente não lhe permite refletir sobre o passado. Quando eu era criança, chegavam à livraria talvez três livros novos por mês; hoje chegam mil. E você já não sabe que livro importante foi publicado há seis meses. Isso também é uma perda de memória. A abundância de informações sobre o presente é uma perda, e não um ganho.

Esse é um de nossos problemas contemporâneos. A abundância de informação irrelevante, a dificuldade em selecioná-la e a perda de memória do passado -e não digo nem sequer da memória histórica. A memória é nossa identidade, nossa alma. Se você perde a memória hoje, já não existe alma; você é um animal. Se você bate a cabeça em algum lugar e perde a memória, converte-se num vegetal. Se a memória é a alma, diminuir muito a memória é diminuir muito a alma.

Vamos à internet para tomar conhecimento das notícias mais importantes. A informação dos jornais será cada vez mais irrelevante, mais diversão que informação. Já não nos dizem o que decidiu o governo francês, mas nos dão quatro páginas de fofocas sobre Carla Bruni e Sarkozy [atual presidente da França]. Os jornais se parecem cada vez mais com as revistas que havia para ler na barbearia ou na sala de espera do dentista.

Hoje, emergem muitas posições anticlericais, e muitas pessoas se declaram atéias. Ninguém estava pensando nisso antes. Subiu ao trono um papa que pensa como um papa do século 19.

sábado, maio 03, 2008

Publicação

Amigos,
A Editora Komedi publicou um conto meu na revista eletrônica "Literatura".
Quem quiser conferir, é só clicar no link abaixo:

sábado, abril 26, 2008

Pagando as dívidas...

Há algum tempo que aceno com a possibilidade de escrever um texto sobre o filme Piaf, mas nunca o fiz. As razões são muitas, mas a mais pungente é que toda vez que arrisquei rabiscar qualquer coisa, impressão, emoção, achava o texto muito aquém daquilo que foi despertado em mim.
Dessa vez também não será diferente. Há muito compreendi os caprichos da palavra: às vezes, ela é poderosa e indiscutível; outras, ela é impotente, incapaz de traduzir o arrepio na pele, a lágrima vertida.
Foi aí que constatei que Piaf se assemelha muito com a palavra: misteriosa, reveladora, ininteligível, contida, soberba, efusiva, elegante, ordinária, controversa, resumida. Piaf era tudo isso e muito mais.
Piaf era previsível. Sim, pre-vi-sí-vel. Dificilmente alguém com seu histórico de vida não perpetuaria as marcas da dor, as mazelas da infância, a crueldade das experiências, a amargura do abandono. Era preciso ser supra-humano para passar incólume por tudo isso. E Piaf era só humana... humana como eu ou como você. É por isso que sua trajetória nos encanta tanto. Sua e outras tantas histórias demasiadamente humanas. São essas histórias que nos marcam, porque criam laços, identidades, nos faz pertencer ao mesmo clã, ao mesmo pó. Somente as experiências afins são comunicadas com tanta delicadeza e força.
Clark Kent, Peter Park, Bruce Wayne e demais heróis distraem-nos daquilo que somos; modificam o foco, a perspectiva da nossa condição, despertam desejos de ser o que jamais seremos. São sonhos, entretenimento, utopia. E não estou dizendo que sejam dispensáveis. Não são. A vida sem esses elementos seria insuportável. Precisamos alimentar quimeras pra conseguirmos agüentar a brutal realidade de sermos apenas quem somos.
Foi por isso demorei tanto a escrever sobre os sentimentos que o filme despertou em mim. Custei a entender que tanta semelhança embaçava o brilho do sonho.
E há momentos na vida em que o que se quer é ser mulher-gato, bela adormecida, mulher maravilha, qualquer coisa que nos faça esquecer, ainda que por momentos breves, que somos Piaf, Stephen Biko, Camille Claudel, Dorothy Parker, Virgínia Woolf, enfim, pessoas que assumiram sua condição e viveram suas experiências baseadas na realidade que as cercavam.
Piaf, para além da cantora maravilhosa, intensa; para além da voz refinada e marcante, era só Piaf, por isso, inesquecível.

quinta-feira, março 27, 2008

Justa homenagem

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Começa hoje, no Clube Monte Líbano em São Paulo, a comemoração dos 125 anos do nascimento do escritor, pintor e filósofo libanês Khalil Gibran (1883-1931) com o lançamento de medalha, mostra e debates sobre sua obra.
A presidente da Associação Cultural Brasil-Líbano, Lody Brais, conseguiu do Museu Gibran filmes sobre o artista que começam a ser exibidos no sábado. Na sexta, será inaugurada exposição com livros, pinturas, cartas e documentos pessoais no hall do teatro do clube. E no domingo será instalado o busto do escritor na praça que fica entre as Avenidas República do Líbano e Afonso Brás.
Gibran teve sua obra marcada por grande misticismo e idealismo. Seu livro mais famoso, O Profeta, fala de um visionário que se prepara para uma grande viagem que talvez não tenha volta, o que deixa seus discípulos desolados, contudo, antes de partir, orienta-os acerca do amor, amizade e liberdade. Gibran tentou unir crenças e filosofias aparentemente inconciliáveis, uma vez que o livro acentuadamente romântico foi influenciado por fontes de aparente grande contraste: Nietzsche, a Bíblia e William Blake.
Gibran emigrou para os Estados Unidos e começou a escrever poemas e meditações para O Emigrante (Al-Muhajer), jornal árabe publicado em Boston. Ele também desenha e pinta e na exposição de seus primeiros trabalhos, atrai o interesse de Mary Haskell, sua mecenas. Mary custeia os estudos de Gibran em Paris. Lá, ele conhece Rodin e torna-se aluno do famoso artista. Uma de suas telas é escolhida para a Exposição de Belas-Artes de 1910.

Amai-vos...

Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.
Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,
no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
]mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.

sexta-feira, março 21, 2008

Quando criança, eu via todos os episódios. Eu me pergunto o porquê dessa tietagem. Nunca fui fã de desenhos japoneses, não sou amante de corridas de carro, mas eu era absolutamente fascinada pelo Speed Racer. O Corredor X? Santo Deus, eu era apaixonada por ele! Sonhava com o dia que em veria o rosto por trás da máscara. Óbvio, isso nunca ocorreu.
Agora sinto a mesma excitação da infância. Estou louca para ver como ficou o filme transportado para a telona do cinema.
Para quem gosta, vale a pena conferir:

Mach 5
Mach 5
Corredor XSpeed Racer
Corredor X/ Rex Racer e Speed Racer

sábado, março 08, 2008

Radiola (10)

Enquanto o post não vem...

Rien de rien

(Michel Vaucaire/Charles Dumont)

Non! Rien de rien
Non! Je ne regrette rien
Ni le bien qu'on m'a fait
Ni le mal tout ça m'est bien égal!

Non! Rien de rien Non!
Je ne regrette rien
C'est payé, balayé, oublié
Je me fous du passé!

Avec mes souvenirs
J'ai allumé le feu
Mes chagrins, mes plaisirs
Je n'ai plus besoin d'eux!

Balayées les amours
Et tous leurs trémolos
Balayés pour toujours
Je repars à zéro

Non! Rien de rien
Non! Je ne regrette rien
Ni le bien, qu'on m'a fait
Ni le mal, tout ça m'est bien égal!

Non! Rien de rien
Non! Je ne regrette rien
Car ma vie, car mes joies
Aujourd'hui, ça commence avec toi!

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Re: SOCORRO

Bem, parece que já consegui por isto novamente a funcionar... falta adicionar uns links apenas, não tardarão a aparecer. Ainda bem que fizeste esta revolução Lu, andava há bastante tempo para adaptar o nosso template às novas funcionalidades do Blogger mas sempre que tentava dava-me uma preguiça imensa... portanto, não te preocupes, o 'delete' veio em boa hora... até já!

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

SOCORRO

Vítor, não me mate!
Tome um lexotan e somente após isso acesse o blog... porque eu eu eu, assim, como posso dizer... fiz uma merda sem precedentes. Apaguei o layout por engano.
Glup!!!

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Para que servem as listas?

Não sei bem, talvez para serem contestadas. O certo é que elas proliferam ano após ano.
Apresento-lhes a lista dos “Cem Melhores Filmes”, feita pelo crítico inglês Ronald Bergan, que consta no seu livro que acaba de ser traduzido e publicado pela Editora Zahar.
Bergan tece comentários sobre cada um dos filmes que selecionou, ordenados rigorosamente em ordem cronológica.
Se há injustiças? Ou melhor seria dizer omissões? Sempre há, mas confesso que fiquei orgulhosíssima ao ver citado o brasileirinho Cidade de Deus.
Cinéfilos, deliciem-se.

O Nascimento de uma Nação – O Gabinete do Dr. Caligari – Nosferatu, o Vampiro – Nanook, o Esquimó – O Encouraçado Potemkim – Metrópolis – Napoleão – Um Cão Andaluz – O Martírio de Joana d’Arc – Nada de Novo no Front – O Anjo Azul – Luzes da Cidade – Rua 42 – O Diabo a Quatro – King Kong – O Atalante – Branca de Neve e os Sete Anões – Olímpia – A Regra do Jogo – ... E o Vento Levou – Jejum do Amor – As Vinhas da Ira – Cidadão Kane – Relíquia Macabra – Pérfida – Ser ou Não Ser – Nosso Barco, Nossa Vida – Casablanca – Obsessão – O Bulevar do Crime – Nesse Mundo e no Outro – A Felicidade Não se Compra – Ladrões de Bicicleta – Carta de uma Desconhecida – Um País de Anedota – O Terceiro Homem – Orfeu – Rashomom – Cantando na Chuva – Era uma Vez em Tóquio – Sindicato de Ladrões – Tudo o que o Céu Permite – Juventude Transviada – A Canção da Estrada – A Mensagem do Diabo – O Sétimo Selo – Um Corpo que Cai – Cinzas e Diamantes – Os Incompreendidos – Quanto Mais Quente Melhor – Acossado – A Doce Vida – Tudo Começou no Sábado – A Aventura – O Ano Passado em Marienbad – Lawrence da Arábia – Dr. Fantástico – A Batalha de Argel – A Noviça Rebelde – Andrei Rublev – The Chelsea Girls – Bonnie e Clyde – Meu Ódio Será sua Herança – Sem Destino – O Conformista – O Poderoso Chefão – Aguirre, a Cólera dos Deuses – Nashville – O Império dos Sentidos – Taxi Driver – Noivo Neurótico, Noiva Nervosa – Guerra nas Estrelas – O Casamento de Maria Braun – O Franco-Atirador – ET, o Extra-terrestre – Blade Runner, o Caçador de Andróides – Paris, Texas – Heimat – Vá e Veja – Veludo Azul – Shoah – Uma Janela para o Amor – Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos – Cinema Paradiso – Faça a Coisa Certa – Lanternas Vermelhas – Os Imperdoáveis – Cães de Aluguel – Trois Couleurs – Através das Oliveiras – Quatro Casamentos e um Funeral – Troy Story – Fargo, uma Comédia de Erros – O Tigre e o Dragão – Amor à Flor da Pele – Traffic – O Senhor dos Anéis – Cidade de Deus – Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.

terça-feira, janeiro 29, 2008

Reencontros

No romance Avalovara, Osman Lins apropria-se de uma figura mítica hindu (Avalokitesvara) para representar as possíveis narrativas que dão significado à vida. O autor tenta representar a totalidade da vida (as paixões, o tempo, a cosmogonia...) pela fabricação do romance ficcional.
Desde que li tal livro, nunca mais fui a mesma. Osman Lins fez uma revolução na minha maneira de encarar a criação artística. Não há criação literária sem que o artista viva intensamente a sua época, sem que se misture a toda sorte de experiências. Mais do que uma arte pura, a criação literária é um processo que se dá por contágio. “Busco as respostas dentro da noite e é como se estivesse nos intestinos de um cão. A sufocação e a sujeira, por mais que procure defender-me, fazem parte de mim – de nós. Pode o espírito a tudo soprepor-se? Posso manter-me limpo, não infeccionado, dentro das tripas de um cão?”
Eis como Osman recria o seu Avalorava:
“Ataviado com todas as cores dos pavões, o Avalovara lembra um manuscrito iluminado. Nele, quase é possível ler. A cauda é longa e curva, com reflexos de cobre. As asas, seis, de um tom verde celeste quando repousadas, ostentam na face interna, quando abertas, círculos de muitas cores, dispostos com simetria sobre fundo escarlate”.
O pássaro mítico do romance é formado por milhares de outros pássaros, renasce no betume e é livre da mudez e da imobilidade.

Nada é por acaso

Há muito tempo prometo-me a leitura de A viagem de Théo, de Catherine Clément, mas nunca conseguia cumprir o desejo.
Durante minha viagem, então, resolvi levá-lo na bagagem. Foi uma grata surpresa! Como eu costumo dizer para o meu amigo Vítor, repito aqui: são os livros que nos escolhem e eles se nos apresentam no momento certo.
Publicado em 1997, muitos anos após o Avalovara. Pela ordem cronológica e do meu desejo, deveria tê-lo lido, mas não o fiz. Foi preciso primeiro conhecer o pássaro de Osman, para mais tarde, reencontrá-lo:
“No inicio dos tempos, segundo os ensinamentos budistas, um grande macaco quis se converter graças às lições de um santo bodhisattva de nome complicadíssimo, Avalokitesvara. O santo mandou-o para as neves do Tibete, porque quanto mais perto do céu, melhor a gente se concentra. Enquanto o macaco meditava sobre a compaixão, passou uma cuca que se apaixonou loucamente por ele e assumiu a forma de mulher. Preso pelo voto de castidade, o macaco repeliu as investidas da cuca, mas ela soube suplicar tão bem que ele consentiu em dormir ao lado dela. Ainda não bastava. Como o macaco resistisse, a cuca ameaçou dar nascimento a monstros que devorariam a raça humana.”
Avalokitesvara aconselhou que o macaco se casasse com a cuca, por compaixão. Avalokitesvara é a mais popular das deidades budistas. Ela tem como promessa escutar a súplica daqueles que estão em dificuldade no mundo, ajudando-os a alcançar a iluminação. Ela é a emanação da compaixão. Avalokita é aquele que escuta os sons do mundo; svara é o senhor. Então, Avalokitesvara é o senhor que tudo ouve.

No romance, Osman funda reinos através da palavra, onde esta é o instrumento que tece a vida.
Clément diz, através da história das religiões, que o homem nu é o homem sem palavra; quando ele fala, ele se veste.
A relação da tessitura dos textos com os mitos? A Religião, mais do que mi(s)ticismo, é o universo da fundação dos reinos, da congregação de significados unificantes. Da mesma forma, o texto redefine o papel do homem enquanto criador. A busca pelo texto perfeito assemelha-se à busca da Jerusalém prometida, ou seja, é um ideal, o ato de redenção. Nesse sentido, religião e criação literária oferecem ao homem a possibilidade de ser demiurgo, porque estabelece-se o complexo jogo do divino e do profano.
Mircea Eliade, em O sagrado e o profano já dizia:
“Uma criação implica superabundância de realidade, ou por outras palavras, uma irrupção do sagrado no mundo. Segue-se daí que toda a construção ou fabricação tenha como modelo exemplar a cosmogonia.”
Ou ainda, segundo Gusdorf em A palavra:
“Chegar ao mundo é tomar a palavra, transfigurar a experiência em um universo do discurso."

Confessionário (50)

Meu querido amigo,

Voltei! E estar de volta, no meu caso, comporta muitos significados.
Aos poucos retomo leituras esquecidas ou simplesmente empoeiradas pelas cinzas das horas. Já sinto vontade de brincar com o papel e a caneta; permito-me à contemplação silente das idéias que vêm e vão sem qualquer avidez ou aflição, elas já possuem novamente total liberdade para adentrar meus espaços e se ficam ou partem, o fazem sem cerimônias.
Guarda este dia, meu Vítor. Hoje voltei a mim; hoje, me reconheço novamente pessoa. Sei que houve um grande intervalo, um lapso pesado no qual toda e qualquer comunicação foi rompida, mas foi o tempo necessário. Sou uma criatura de longos invernos porque devoro a vida até me fartar, absorvo toneladas de sentimentos de tal forma que a obesidade é inevitável. E não é fácil perder peso, esvaziar-se das experiências vividas.
Digo-te com imensa serenidade: estou livre! Ao escrever-te isso, sinto os olhos turvos, meu amigo, mas são lágrimas repletas de paz, livre de todo peso e dor que carreguei nos (quase) dois últimos anos.
Eu hoje celebro a vida, meu Vítor! E este renascimento é quase místico. Sinto-me como o herói que cumpriu sua tarefa ou ainda como uma carpideira que, após cumprir seu ritual de luto, acorda purificada pelas águas que verteu.
Há tanto o que dizer, Vítor. Ao mesmo tempo, não sinto nenhuma necessidade de explicação. Eu sei que tu me entendes e isso é um delicioso alento.
Estive viajando nas duas últimas semanas. Fui a Florianópolis, local que tenho forte relação afetiva e onde se deu a grande ruptura do processo que vivo. Foi lá o começo da minha fragmentação.
Tinha uma pessoa a quem amava muito e que era um grande companheiro intelectual. Compartilhávamos mútua admiração pelo exercício poético e pela crítica. Lembro que foi o período em que mais produzi poemas, trabalhei com imagens e cores, sentia-me respaldada no amor pelas palavras e vivi, no tempo da madureza, uma relação platônica no seu sentido mais amplo.
Meu querido, entendi que um ciclo se fechou. Compreendi que preciso ser estimulada constantemente por pessoas que comunguem da grande orgia palavrosa que é a vida. Sem isso, não há graça, não há renovação e continuidade.
Meu Vítor, um novo ciclo começou quando entraste na minha vida. Contigo não me sinto só.
Lembras que uma vez disseste-me que a nossa alma gêmea não precisa ser necessariamente a pessoa com quem nos relacionamos amorosamente? Isso faz todo o sentido para mim, agora. Para que eu seja inteira, não basta somente o amor. A completude da minha alma passa pela troca dialógica, pelo exercício da oratória, pela cosmovisão e nessa perspectiva, nunca estive tão bem acompanhada. Tu és minha alma gêmea sem qualquer sombra de dúvida. Eu celebro esse encontro raro e feliz.
Tintim!

terça-feira, janeiro 08, 2008

nota do dia (26)

marquei há dois dias uma viagem, a primeira que farei absolutamente sozinho, sem família, sem amigos ou amantes. será curta, uma semana apenas, mas não será a última... talvez daqui a um ano uma outra viagem possa estender-se por um mês, talvez outra posterior possa estender-se por um ano, talvez um dia vá e nunca mais volte... testemos então a coragem...

segunda-feira, janeiro 07, 2008

o Sincronicidade faz hoje dois anos... menos activo que no passado mas com muita vontade de existir... será interessante no futuro, olhar para trás e perceber que este caderno partilhado foi capaz de traduzir os nossos próprios ritmos: as vezes em que quase sufocámos de tanto querer dizer e as outras, onde o silêncio talvez tenha comunicado mais do que as palavras... continuemos portanto.