'Perro semihundido', 1819-1823, Museu do Prado, Madrid, Francisco Goya
Ninguém escapa às intermitências da vida. De modos mais ou menos hábeis contornamos sempre os acontecimentos por mais profundos e dolorosos que possam parecer.
Há meses que não sinto vontade de escrever. Pior! Há meses que não tenho nada para dizer. Tenho reflectido sobre a minha mudez… que verdade seja dita, não passa apenas pela escrita. É literalmente uma mudez verbal e social. A vida tirou-me o meu pai em Agosto. A minha avó em Janeiro. Silenciou-me. Calou-me. Emudeceu-me. Tudo o que me esforcei por acreditar durante anos ruiu. Deixou de fazer sentido. Não sei nada sobre a existência. Mas eu achava que sabia (!), este blogue é testemunho vivo das minhas presumíveis verdades.
Não é uma queixa ou um lamento que deixo neste texto. Não, não é nada disso! Não tolero os meus lamentos como não tolero os lamentos dos outros. Ganhei aversão a gente queixosa. Sinto pena e remorso de todas as situações em que me vesti de vítima. Chego a ter ódio à forma dramática como vivi alguns episódios da minha vida. Cortei relações com grande parte dos poetas. Acho-os insuportáveis. É ridícula a extravagância das palavras e mais ridícula a forma imponderada da sua utilização. Deviam sentir a dor de um martelo de chumbo a bater-lhes nos dedos antes de escreverem a mais inócua das vogais.
Garanto-vos, este texto não é um lamento. Também não é um grito. É pura e simplesmente um atestado de ignorância. A constatação de que nada sei sobre a condição humana. Nos escombros das minhas certezas existe apenas uma que me esforço por não deixar ruir – a certeza de que acredito no amor. Repito-o diariamente com toda a convicção. Se não o fizer, e usando palavras que não são minhas, ‘incorro no maior dos pecados’. Estaria, por opção, a sobreviver no lugar de viver. Talvez seja por isso que não sinto pecado no cão do Goya. Há uma candura naquele colocar de focinho que determina esperança, como se para lá do fogo e do breu existisse uma luz tão pura e tão verdadeira que proibi-la ou rejeitá-la não seria digno de perdão. O cão do Goya não me parece nada preocupado em perceber o sentido da vida, no entanto, o seu olhar, diz-me que sabe tudo.