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segunda-feira, junho 09, 2008

Festa Literária de Paraty



Bem-vindo à FLIP 2008
2 a 6 de julho



Programação
A partir de hoje a programação completa da Festa Literária Internacional de Paraty, com biografias dos autores convidados e resumo das mesas está disponível no site da FLIP. São 41 autores convidados vindos da América do Norte, da Europa, da África e de vários países da América do Sul, além dos 22 autores nacionais.

Homenagem a Machado
Abrindo a FLIP, Roberto Schwarz, um dos mais destacados intérpretes da obra de Machado, discutirá o livro Dom Casmurro, por ele considerado o "romance possivelmente mais refinado e composto da literatura brasileira". Em outra mesa, "Papéis Avulsos", Flora Süssekind, Luiz Fernando Carvalho e Sergio Paulo Rouanet falam sobre suas diferentes experiências com a obra machadiana.
A homenagem a Machado se estende também pela programação do FLIP ETC. com adaptações da obra do autor para o cinema, teatro, e uma exposição sobre o Rio de Janeiro do fim do século XIX.

Show de Abertura
Luiz Melodia é o convidado desta sexta edição para o show de abertura, que acontecerá na quarta-feira, dia 2/7.

Ingressos
Os ingressos estarão à venda a partir do dia 10/6. A compra pode ser feita pela internet, por telefone, ou em pontos de venda de Ingresso Rápido.
• Tenda dos Autores (mesas e conferência de abertura): R$ 25 cada
• Show de abertura na Tenda do Telão: R$ 25
• Tenda do Telão (transmissão das mesas e da conferência de abertura): R$ 8


Patronos
Estão abertas as inscrições para Patronos e Amigos FLIP. Para cada categoria há uma série de benefícios.
Conheça detalhes acessando o site da FLIP.

sábado, maio 03, 2008

Publicação

Amigos,
A Editora Komedi publicou um conto meu na revista eletrônica "Literatura".
Quem quiser conferir, é só clicar no link abaixo:

quinta-feira, março 27, 2008

Justa homenagem

Photobucket
Começa hoje, no Clube Monte Líbano em São Paulo, a comemoração dos 125 anos do nascimento do escritor, pintor e filósofo libanês Khalil Gibran (1883-1931) com o lançamento de medalha, mostra e debates sobre sua obra.
A presidente da Associação Cultural Brasil-Líbano, Lody Brais, conseguiu do Museu Gibran filmes sobre o artista que começam a ser exibidos no sábado. Na sexta, será inaugurada exposição com livros, pinturas, cartas e documentos pessoais no hall do teatro do clube. E no domingo será instalado o busto do escritor na praça que fica entre as Avenidas República do Líbano e Afonso Brás.
Gibran teve sua obra marcada por grande misticismo e idealismo. Seu livro mais famoso, O Profeta, fala de um visionário que se prepara para uma grande viagem que talvez não tenha volta, o que deixa seus discípulos desolados, contudo, antes de partir, orienta-os acerca do amor, amizade e liberdade. Gibran tentou unir crenças e filosofias aparentemente inconciliáveis, uma vez que o livro acentuadamente romântico foi influenciado por fontes de aparente grande contraste: Nietzsche, a Bíblia e William Blake.
Gibran emigrou para os Estados Unidos e começou a escrever poemas e meditações para O Emigrante (Al-Muhajer), jornal árabe publicado em Boston. Ele também desenha e pinta e na exposição de seus primeiros trabalhos, atrai o interesse de Mary Haskell, sua mecenas. Mary custeia os estudos de Gibran em Paris. Lá, ele conhece Rodin e torna-se aluno do famoso artista. Uma de suas telas é escolhida para a Exposição de Belas-Artes de 1910.

Amai-vos...

Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.
Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,
no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
]mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.

terça-feira, janeiro 29, 2008

Reencontros

No romance Avalovara, Osman Lins apropria-se de uma figura mítica hindu (Avalokitesvara) para representar as possíveis narrativas que dão significado à vida. O autor tenta representar a totalidade da vida (as paixões, o tempo, a cosmogonia...) pela fabricação do romance ficcional.
Desde que li tal livro, nunca mais fui a mesma. Osman Lins fez uma revolução na minha maneira de encarar a criação artística. Não há criação literária sem que o artista viva intensamente a sua época, sem que se misture a toda sorte de experiências. Mais do que uma arte pura, a criação literária é um processo que se dá por contágio. “Busco as respostas dentro da noite e é como se estivesse nos intestinos de um cão. A sufocação e a sujeira, por mais que procure defender-me, fazem parte de mim – de nós. Pode o espírito a tudo soprepor-se? Posso manter-me limpo, não infeccionado, dentro das tripas de um cão?”
Eis como Osman recria o seu Avalorava:
“Ataviado com todas as cores dos pavões, o Avalovara lembra um manuscrito iluminado. Nele, quase é possível ler. A cauda é longa e curva, com reflexos de cobre. As asas, seis, de um tom verde celeste quando repousadas, ostentam na face interna, quando abertas, círculos de muitas cores, dispostos com simetria sobre fundo escarlate”.
O pássaro mítico do romance é formado por milhares de outros pássaros, renasce no betume e é livre da mudez e da imobilidade.

Nada é por acaso

Há muito tempo prometo-me a leitura de A viagem de Théo, de Catherine Clément, mas nunca conseguia cumprir o desejo.
Durante minha viagem, então, resolvi levá-lo na bagagem. Foi uma grata surpresa! Como eu costumo dizer para o meu amigo Vítor, repito aqui: são os livros que nos escolhem e eles se nos apresentam no momento certo.
Publicado em 1997, muitos anos após o Avalovara. Pela ordem cronológica e do meu desejo, deveria tê-lo lido, mas não o fiz. Foi preciso primeiro conhecer o pássaro de Osman, para mais tarde, reencontrá-lo:
“No inicio dos tempos, segundo os ensinamentos budistas, um grande macaco quis se converter graças às lições de um santo bodhisattva de nome complicadíssimo, Avalokitesvara. O santo mandou-o para as neves do Tibete, porque quanto mais perto do céu, melhor a gente se concentra. Enquanto o macaco meditava sobre a compaixão, passou uma cuca que se apaixonou loucamente por ele e assumiu a forma de mulher. Preso pelo voto de castidade, o macaco repeliu as investidas da cuca, mas ela soube suplicar tão bem que ele consentiu em dormir ao lado dela. Ainda não bastava. Como o macaco resistisse, a cuca ameaçou dar nascimento a monstros que devorariam a raça humana.”
Avalokitesvara aconselhou que o macaco se casasse com a cuca, por compaixão. Avalokitesvara é a mais popular das deidades budistas. Ela tem como promessa escutar a súplica daqueles que estão em dificuldade no mundo, ajudando-os a alcançar a iluminação. Ela é a emanação da compaixão. Avalokita é aquele que escuta os sons do mundo; svara é o senhor. Então, Avalokitesvara é o senhor que tudo ouve.

No romance, Osman funda reinos através da palavra, onde esta é o instrumento que tece a vida.
Clément diz, através da história das religiões, que o homem nu é o homem sem palavra; quando ele fala, ele se veste.
A relação da tessitura dos textos com os mitos? A Religião, mais do que mi(s)ticismo, é o universo da fundação dos reinos, da congregação de significados unificantes. Da mesma forma, o texto redefine o papel do homem enquanto criador. A busca pelo texto perfeito assemelha-se à busca da Jerusalém prometida, ou seja, é um ideal, o ato de redenção. Nesse sentido, religião e criação literária oferecem ao homem a possibilidade de ser demiurgo, porque estabelece-se o complexo jogo do divino e do profano.
Mircea Eliade, em O sagrado e o profano já dizia:
“Uma criação implica superabundância de realidade, ou por outras palavras, uma irrupção do sagrado no mundo. Segue-se daí que toda a construção ou fabricação tenha como modelo exemplar a cosmogonia.”
Ou ainda, segundo Gusdorf em A palavra:
“Chegar ao mundo é tomar a palavra, transfigurar a experiência em um universo do discurso."

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Lançamento

O senhor das Horas
(Autran Dourado)



UM
O coronel Domingos Monteiro, agora na sala de estar, olhava o grande e trabalhado relógio-armário, que comprara de espólio de João Capistrano Honório Cota. Pensava na fatalidade do destino, na proximidade da morte, no fino e lento escoar das implacáveis areias do tempo, no vagaroso escorrer das fatais ampulhetas, nos cada vez mais precisos instrumentos com os quais os homens, através do tempo e na sua angústia, procuram domesticar as horas, para enterrá-las no sarcófago do tempo. Assim ficou ele detrás das pálpebras semicerradas, pensando no sem-fim do tempo.

Sua filha Lúcia se aproximou dele, dizendo – dormindo, papai? Ele disse não, estava apenas pensando na fatalidade das horas, no sem tempo de Deus. O coronel Domingos Monteiro era o seu tanto retórico. Cogitava no destino, nas horas, nos deuses lutando contra as potências do Mal, disse ele.

Ela abriu o piano e começou a dedilhar uma das noveletten de Schumann, que era a obsessão absurda do pai, afogado no ventre do tempo. Ele só se interessava por aquela peça de Schumann, às outras noveletten era indiferente, apenas as ouvia sem o maior interesse.

Todas as noites uma de suas filhas acompanhava a mãe à reza na Igreja do Carmo. Agora as três filhas e a mulher, Carmela, estavam na sala. O coronel perguntou quem iria aquela noite com a mãe à reza na Igreja do Carmo, nada dela ir sozinha. Ninguém falou nada, apenas Lúcia, rebelde, que acabou dizendo ontem era meu dia de folga, e eu fui. Quando devia ser o meu, disse Mirtes, e começaram a discutir. O coronel disse não importa de quem era, eu escolho para hoje Lúcia, a fim de recomeçar a contagem. Pois eu não vou, disse ela. Como não vai?!, disse o coronel enraivecido. Mas se quer assim, que assim seja. Em compensação não vai comer à nossa mesa durante cinco dias, mas na cozinha, com os empregados, que é para você aprender a obedecer às minhas decisões. Lúcia, a predileta do pai, olhou espantada para ele. Não esperava jamais aquela reação dele.

Ele não era como um daqueles coronéis do interior, grossos, incultos e mandões. Um homem fino, de boa leitura, fez seus versos, estudou em São Paulo, não chegando a concluir o curso de direito, ficou no terceiro ano porque, filho único, com a morte do pai, foi chamado pela mãe para tomar conta da fazenda e do armazém de beneficiar café. Na faculdade, sem interessava mais pelas letras do que pelas leis. Freqüentava as roas literárias, chegou mesmo a publicar uns poucos versos dos muitos que tinha escrito. A idéia de voltar para Duas Pontes, com o seu ambiente acanhado, não lhe agradava. Duas Pontes era só para as férias, quando freqüentava poucos os letrados da cidade.

Ele meteu o chapéu na cabeça e foi para o armazém. Por lá costumavam passar os seus amigos mais chegados. Conversavam vagos assuntos, mais para enrolar o tempo, jogar conversa fora.
Pouco antes da hora de fechar o armazém, o filho Abel disse vamos embora, papai, está na hora de encerrar o expediente. O velho não disse nada, apanhou o chapéu e foi para casa.

Ele chegou em casa, foi lá dentro falar com a mulher, depois dirigiu-se à sala de estar, se sentando na sua poltrona habitual. Aí ouviu os primeiros acordes de uma das noveletten de Schumann, que o emocionava e prendia, era o absurdo. Daí a pouco veio Mafalda, depois Mirtes, e começaram a conversar sobre coisas do dia-a-dia. Papai, o Juvêncio, filho de seu Gaudêncio, está querendo freqüentar a nossa casa, para namorar, o senhor concorda?, disse Mafalda. Não faço a menor objeção, tenho até muito prazer, o Gaudêncio é boa gente, meu amigo, disse o coronel.

Os acordes da música cessaram, dona Carmela disse a si mesma é mais uma das muitas esquisitices do senhor meu marido. Não faço nenhuma oposição, disse ele. Se é filho do Gaudêncio, tenho até gosto, e pensou a menina está carecendo mesmo é de casar, tem trinta anos. Lúcia se levantou da banqueta, foi-se embora. Ele ficou, os olhos semicerrados, gozando a fresca da tarde. Acabou por adormecer, teve um sonho horroroso, era mais um pesadelo. E o tempo, travestido em gente, mordia-lhe um dos braços e lambia o sangue que escorria da sua boca.

Ele sentia uma dor terrível. Mesmo assim, apesar dos rugidos do tempo, se esforçava para acordar, não conseguia. O coronel não acreditava muito no Deus distante. Mesmo assim, tentava se lembrar das palavras das orações que uma preta velha lhe ensinara, ele menino. Não conseguia, misturava agora as palavras. "Ave Maria, cheia de graça, rogai por nós", "que estais no Céu, santificado seja o vosso nome", "por que me abandonaste, Senhor?" "Se sabias que eu não era Deus?" Não, isso não é oração, é poesia, se disse ele. O que peço, Senhor, é muito pouco – apenas acordar. Mas me livrai dos dentes do tempo, da sua boca sanguinolenta. Acordei, gritou. Agradeço-vos, Senhor, por ter atendido à minha prece. Cansado, suspirava ofegante. Por que aquela obsessão com o tempo? Por quê, Senhor, a fixação, naqueles terríveis pesadelos? Lhe devo alguma coisa além dos meus muitos pecados? Desde menino sou assim, os meus absurdos pesadelos. Só que os meus pesadelos eram outros, não tinham a voracidade do terrível Tempo. Para ele a consciência do tempo, apesar da sua pouca idade, ainda não existia. Só apareceria mais tarde, com o branco dos seus cabelos. No espelho do quarto é que via a sua idade.

quinta-feira, novembro 01, 2007

halloween

"They were both experienced in such affairs, and powerful with the spade; and they had scarce been twenty minutes at their task before they were rewarded by a dull rattle on the coffin lid. At the same moment Macfarlane, having hurt his hand upon a stone, flung it carelessly above his head. The grave, in which they now stood almost to the shoulders, was close to the edge of the plateau of the graveyard; and the gig lamp had been propped, the better to illuminate their labours, against a tree, and on the immediate verge of the steep bank descending to the stream. Chance had taken a sure aim with the stone. Then came a clang of broken glass; night fell upon them; sounds alternately dull and ringing announced the bounding of the lantern down the bank, and its occasional collision with the trees. A stone or two, which it had dislodged in its descent, rattled behind it into the profundities of the glen; and then silence, like night, resumed its sway; and they might bend their hearing to its utmost pitch, but naught was to be heard except the rain, now marching to the wind, now steadily falling over miles of open country."
The Body-Snatcher, 1884, Robert Louis Stevenson

sexta-feira, outubro 05, 2007

Bravo! Bravíssimo!

Ela, a eloqüente Camila foi uma das dez finalistas do Concurso de Contos da Revista Bravo.
Parabéns, minha flor!


for ever:

* por Camila Magalhães Pereira Mendonça

!

ela vem tentando ler os mesmos livros de sempre. aqueles mal acabados. foi largando pela metade na prateleira. há muita dificuldade em encarar os fins.

tentou convencê-lo a instalar um ventilador de teto no quarto. fez ameaça de leve - aqui não trepo mais. credo cruz três vezes. coitada. tão falha. e mal se resolveu o papo, até que virou briga. agora estão emburrados. coisa chata de se ver.

mas se amam bonito. esse amor piegas dos apaixonados. amor-paixão. coisa de filme. coisa que ninguém acredita. tinha aquele papo de amigos. e toda a evolução homem e mulher que se sabe quando se trata de sexo sem sentimentos. mas tudo embola, tudo complica. ela sempre se envolve e não tem jeito.

andou ouvindo um cara australiano. mas não tem certeza. venezuelano? neo-hippie de barba coisa e tal. disse que era leve e fazia bem ao corpo. quando tocava no rádio ela fazia uns movimentos estranhos. coisa de yoga. uma acrobacia aeróbica disfarçando um efeito zen.

ele ficava parado no canto, encostado na parede, vendo ela deitada no tapete; porque na sala tinha o tal ventilador de teto. são casal de pouco, juntado a tempo curto. lua de mel ainda. pouca grana e muita alegria. apesar das brigas.

falta um ar condicionado. resolveria metade e meia das questões.

o calor estressa até a raiz, ela diz. a raiz dos pentelhos. e crescem loucos. tem alergia a gilete. mas depilar é um sofrimento sem fim. tem sempre a ditadura tortuosa da beleza. ser mulher não é uma tragédia, mas é um drama, ela bem sabe. e ele entende. porque é dos melhores homens do mundo. cabe aqui aquela pieguice inicial.

é quase dezembro. e não se esquece a trajetória desesperada desses dias abafados. mas desta vez vai. pensam num destilado. coisa bem gelada. para descer bacana. e vão agradecendo. quase ninguém acredita; há que se repetir. ele tem certeza dos mitos da predestinação. "maktub", diria aquele mago nojento na sua coluna diária do jornal. mas a gente sabe que não é bem assim. se era para ser, metade transpira a outra inspira. é sempre o esforço. é sempre o impulso de acreditar que vale firme.

ontem ela ligou para o ex, confirmando os seus caprichos particulares- olha, meu bem, você me superou. pronto e tchau. era um desabafo franco de meia palavra. bastou fundo. ele entendeu. mesmo naquele suspiro. é que o ex havia mandado um cartão para ela. desses cafonas de fim de ano. falava de amor, de ressentimento, de perdão e graça. foi dado o recado. e ela que estima tanto esses sutis discursos; respeitou. guardou na caixa de cartas. talvez ainda releia algumas vezes. para acreditar. remorso de quem perde. e reflexão de quem foi perdido. mas então já era. e foi. mas mesmo assim ela ligou. tinhosa. as últimas palavras são sempre dela.

o prédio onde moram tem os enfeites natalinos de sempre. o elevador da garagem permanece enguiçado. de praxe. sobem de escada, respirando fundo, passos largos. apesar da yoga, ela tem asma. voltou a roer as unhas, mas mantém a tal da paz de espírito - é muita concentração, diz.

colocou na varanda um bonsai, veio com uns papos orientais, um misticismo estranho. não cabia, claro. logo se esqueceu, mas ficou lá a árvore mini de apetrecho. o apartamento tem as cores dela. e ele até gosta. disse que ela deu vida, deu harmonia. aquela coisa toda.

a gente nunca sabe até quando vai. e se vai.

tinha sempre em mente um trecho de um livro que ele leu gaguejando no início do romance. era nervosismo. tinham acabado de transar. e ele disse que queria ler algo. estava emocionado ainda. gozo, declaração, olho no olho - é atestado; gozar de olhos abertos apaixona, ou dá início à; fato concreto - então começou a ler baixinho enfatizando as expressões portuguesas. era uma maneira de alfinetá-la, claro. lembrando seu passado lusitano. e ele morria de ciúmes do tal português. mas apesar da provocação ela gostou. achei bonito. o trecho era bom. se emocionou de leve. mas preferiu tomar banho em seguida. nada de emoções as claras, era só o começo.
ela tem mania de sair arrumando as coisas. levanta catando as roupas, jogando a sujeira no lixo. uma chata completa. adorável perfeccionista.

e a gente continua sem saber até onde vai. se vai.

já pôs o venezuelano para tocar. é venezuelano? diz que teve influência do caetano veloso. este ela odeia com força. mas ele comprou o cd. ele sabe que no fundo ela gostou de três, quatro músicas.

e lá foi ela deitar cheirando a vick. aqueles ritos que trouxe de casa. era coisa da mãe. seres humanos, mais freudianos do que podem assumir.

dormiam numa cama média. aquela entre solteiro e casal. dizem que é cama de viúva. de viúvo. é o que se tornaram depois de tantos relacionamentos desgastados, arruinados, fracassados. viúvos. agora é king size. amém desse jeito. sem aliança. sem burocracia religiosa. mas ela disse que quer assinar papelada no cartório. nada de mudar nome. só uma coisa mulherzinha. ele acha desnecessário. mas se é por ela - e é por nós, ele também sente, sensível- disse que sim repetidas vezes para ela saber valia.

mas é fim de ano. há que se lembrar. e ela não gosta de fins, se sabe. retornou aos livros de sempre. faz calor. a pressão não tolera esses dias. é quase inferno astral, viu um astrólogo dizendo na tv. não acredita. mas tem lá suas tensões propícias ao período. ter fé. ver coragem no amor. isso já foi frase de música.

dessa vez eles se salvam.

sexta-feira, setembro 14, 2007

A arte literária de Badida

Declarando seu amor primordial pela literatura, a pintora Badida constrói universos fantásticos que transpassam a tela e entram na sua vida.


*Por Mariana Oliveira

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Usualmente, os escritores são amantes da literatura, as atores da encenação teatral, os músicos da música, os pintores das artes plásticas. Mas o que dizer de uma pintora que se revela, antes de tudo, uma apaixonada pela literatura? Pois esse é o caso raro da pintora Marisa Moreira da Costa Campos, Badida, que tem uma devoção toda especial à literatura. E o que faz ela entre tintas e pincéis ao invés de rodear-se de papéis para escrever? Seu severo senso crítico não lhe permitiu, ainda, alçar vôo no ramo das letras, mas sua habilidade como pintora lhe deu a possibilidade de reinventar suas próprias histórias e as histórias dos outros.
Filha de Moreira Campos, um dos maiores escritores cearenses, Badida, também natural do Ceará, construiu sob a influência do pai seu apreço pelas artes literárias. Com tanta responsabilidade transferida por esse parentesco, ela até hoje não se sente à vontade para publicar seus escritos, que estão muito bem–guardados, em sua casa. “Eu costumo dizer que a minha grande paixão é a literatura, infelizmente meu vôo é rasteiro para escrever, mas para ler eu sou fascinada. Minha obra sempre esteve inspirada na literatura, que, para mim, é a arte maior, até porque eu tive um pai que era um grande escritor. Como eu não escrevo, é como se eu fizesse meus contos, minhas crônicas, através da pintura. Eu até já tentei desassociar, mas não consigo.”
Os últimos trabalhos de Badida têm inspiração declarada no trabalho do poeta e roteirista italiano Tonino Guerra, a quem a pintora foi apresentada por um documentário de TV. Desde então, ela implementou uma busca por alguma publicação do poeta. Demorou, mas uma amiga lhe presenteou com um exemplar de O Livro das Igrejas Abandonadas, editado em Portugal. As palavras do poeta italiano agora inspiram suas mais recentes obras, que devem fazer parte de uma exposição individual programada para novembro. Enquanto isso, quatro trabalhos dessa série podem ser vistos dentro da exposição "Delas por Elas", no espaço cultural da Le Lis Blanc, em Casa Forte, junto com obras de Guita Charifker, Maria Carmem e Marianne Peretti, com curadoria de Pedro Frederico.
Em paralelo às leituras de Tonino Guerra, Badida pinta ainda o poeta Ledo Ivo, sem esquecer suas lembranças junto ao “paizinho” e a “mãezinha”, ainda no Ceará. A sua única neta, Bárbara, é sempre ouvida pela avó, tanto que em uma das suas últimas exposições os quadros expostos foram titulados por Bárbara, antes mesmo de serem pintados.
Apesar dos rasgos surrealistas saltarem aos olhos, ela prefere definir-se como simbolista (apesar da diferença ser sutil), alegando que em suas obras há sempre, ao final, a moral da história. Perguntada sobre a pintura no mundo contemporâneo é categórica, afirmando que a pintura não morreu, não vai morrer, e que há espaço para todo mundo. “O problema da arte contemporânea, da arte conceitual, é que o conceito está vindo sem a obra”, explica, lembrando a história A roupa nova do rei, como uma metáfora da situação das artes na atualidade. “No lugar da obra está o conceito, o conceito dizia que a roupa era lindíssima, tudo bem, mas cadê a roupa? Aí a criança, um ser de pureza total, que ainda não se limitou na vida, diz: o rei está nu. Evidente que há grandes artistas conceituais, basta um Cildo Meireles, mas há muitos equívocos, na minha ótica.”
Pintando um quadro por vez e também lendo um livro por vez, Badida, que iniciou como uma diletante, vendeu todas as obras expostas na sua primeira exposição individual em Fortaleza, e conseguiu sobreviver através da arte, acredita que a felicidade do artista legítimo é expor. Este ano, por fim, depois de um longo período habitando a fronteira com o mundo da imaginação, Badida aterrissa outra vez no Recife (esquecendo seu pavor de voar, felizmente) para apresentar seu universo fantástico, criado e recriado através das suas fábulas e das fábulas dos outros.

* Mariana Oliveira é jornalista e editora da Continente Multicultural.

quarta-feira, setembro 05, 2007

já agora, e porque nunca o fiz no Sincronicidade, os 10 livros mais importantes da minha vida

por ordem de enamoramento:

1. 'As Ondas', Virginia Woolf*
2. 'Alexis', Marguerite Yourcenar*
3. 'Livro do Desassossego', Bernardo Soares (Fernando Pessoa)
4. 'O Estrangeiro', Albert Camus
5. 'Os Passos em Volta', Herberto Helder
5. 'Espera de Deus', Simone Weil
6. 'Elogio da Velhice', Hermann Hesse*
7. 'Sinais de Fogo', Jorge de Sena
8. 'Em Busca do Tempo Perdido' (7 vols.), Marcel Proust
9. 'Quarteto de Alexandria' (4 vols.), Lawrence Durrell
10. 'Se Isto é um Homem', Primo Levi*

e vou ter que fazer batota, adicionando 4 livros que também foram extremamente importantes para mim.

11. 'Se Numa Noite de Inverno um Viajante', Italo Calvino*
12. 'As Horas', Michael Cunningham
13. 'A Paixão Segundo G.H.', Clarice Lispector*
14. 'Sob o Olhar de Medeia', Fiama Hasse Pais Brandão

*destes autores escolho apenas o livro que mais me marcou do conjunto das suas obras... caso contrário a lista passaria para vinte títulos e uma batota não chegaria...

passo a palavra aos mesmos amigos dos 10 menos.

terça-feira, setembro 04, 2007

Ai que adoro falar mal da vida alheia... hahaha

Meu Vítor, eis aqui a minha lista. Ela está incompleta, tentei encontrar dez títulos, mas só consegui nove. Se no decorrer da semana eu me lembrar de mais algum, prometo incluir. Estes aqui são aqueles que não me despertam a menor, a mais ínfima vontade de uma segunda leitura. Isso não significa que não foram importantes para minha vida. Foram. Eles me ensinaram que o cânone literário não é um dogma religioso e que eu sobrevivo – muito faceira, por sinal – aos olhares congelantes e narizes tortos dos sábios acadêmicos.
Queridão, isso podia virar uma série chamada "Veneninho literário". Hahaha!

And the Oscar goes to:

1. O chatíssimo Ulisses, James Joyce;
2. Dona Flor e seus dois maridos, Jorge Amado*;
3. A dama do lotação, Nelson Rodrigues;
4. Macunaíma, Mário de Andrade;
5. As geórgicas, Claude Simon;
6. Um céu de estrelas, Fernando Bonassi;
7. Eurico, o presbítero, Alexandre Herculano;
8. A casa dos budas ditosos, João Ubaldo Ribeiro;
9. O apanhador no campo de centeio, J.D. Salinger.

* - Para mim, só se salvam do Jorge Amado, Capitães de Areia e A morte e a morte de Quincas Berro D’água.

segunda-feira, setembro 03, 2007

10 Livros que Não Mudaram a Minha Vida

O Manuel A. Domingos iniciou uma corrente intitulada 'os 10 livros que não mudaram a minha vida'. O desafio ainda cá não chegou, mas achei o exercício tão interessante e tenho tanta curiosidade em saber qual será a lista da Lu que resolvi antecipar-me. Falamos sempre dos livros que nos marcaram, que mudaram as nossas vidas, mas, talvez por pudor, nunca referimos os livros que nos aborreceram de morte... o meu barómetro para classificar um livro como 'bom' ou 'mau' é a memória, os 'bons' moram nela para sempre, ressurgindo passagens ou detalhes a todo o momento, os 'maus' caem completamente no esquecimento e só a estante me diz que um dia estiveram nas minhas mãos. Alguns poderão achar um crime, mas cá vai então a lista dos 10 livros que não mudaram a minha vida:

(nesta lista incluo apenas ficção)

1. 'A Sibila', Agustina Bessa-Luís
2. 'O Inominável', Samuel Beckett
3. 'Nenhum Olhar', José Luís Peixoto
4. 'O Vermelho e o Negro' (2 vols.), Stendhal
5. 'A Jangada de Pedra', José Saramago
6. 'Quartéis de Inverno', Osvaldo Soriano
7. 'Austerlitz', W.G. Sebald
8. 'A Princesa', D.H. Lawrence
9. 'Olhos Azuis, Cabelo Preto', Marguerite Duras
10. 'Paris é uma Festa', Ernest Hemingway

Lu, fico à espera da tua lista... estou curioso em relação às escolhas do Carlos, do António Ferro, da Fátima e da Sandra Costa.

quinta-feira, julho 05, 2007

"o século do medo"

Em resposta ao post de AF:

Fiquei a saber (a acreditar) que o nosso século é o século do medo. O sentimento do absurdo tem sido substituído, ou melhor, tem sido reescrito, mas permanece determinantemente no espírito dos homens. É na verdade impossível esquecê-lo. Talvez por essa razão me lembre de Camus (ou Nietzsche), quando leio Roth, ou recupere os quadros de Rothko quando me encontro com a poesia de Pessoa, ou quando leio, por exemplo, aquele poema de Hesse: «É estranho andar na neblina!/ A vida é solidão./ Nenhum de nós conhece os outros,/ Todos estamos sozinhos.» A questão do sentido é a mesma em vários autores. Não há excesso de expectativas, antes pelo contrário, de certa forma as possibilidades de cada homem diminuem e multiplicam-se as súplicas. É neste sentido que os romances de Roth se aproximam aos ensaios de Camus, (sobretudo um, «O Mito de Sísifo»), onde a vitória do rochedo, é contundente e inevitável, tal como em «Everyman», de Roth, onde o rochedo se ergue da tristeza no coração daquele homem.
O medo, é enorme, do tamanho de um rochedo, ao ponto de ser inútil o dizer, ao ponto de nada poder parar o homem absurdo. Para onde nos conduz o absurdo? Há duas vidas e duas vias que me impressionam particularmente. Duas mortes, a de Camus e a de Sándor Marai. Como se sabe, Camus, em «O Mito de Sísifo», propõe a revolta e não o suicídio, é o desprezo que vence a morte. No capítulo «O Suicídio Filosófico» essa ideia surge-nos de forma clara: «não me interesso pelo suicídio filosófico». Camus morre em 1960, ironicamente, atropelado. Marái, escritor Húngaro, autor de «As velas ardem até ao fim» (titulo também ele espantoso), foi perseguido, esteve exilado, sobreviveu à II Guerra Mundial, assistiu à morte do seu filho de poucas semanas, e da sua mulher Lola, e foi, em vida, completamente esquecido enquanto escritor. Márai suicida-se com um tiro na cabeça a 22 de Fevereiro de 1989. Se Camus estivesse vivo possivelmente diria que Márai não levou o absurdo da sua vida absurda consigo no momento da sua morte. Camus escolhe a revolta, a frustração eterna, ou a eterna vivacidade, mas não leva também o seu caminho sem saída até ao fim. Este é-lhe interrompido. Márai escolhe o suicídio, pondo termo a tudo. Com Camus percebemos essa diferença: «Tiro do absurdo três consequências, que são a minha revolta, a minha liberdade e a minha paixão. Pelo jogo da consciência, transformo em regra o que era convite à morte – e recuso o suicídio.»

Li recentemente "Todo-o-Mundo" de Philip Roth e o livro remeteu-me imediatamente para um outro autor, que também citou neste post, Herman Hesse, especificamente para um livro a que nem sempre se atribui grande importância mas que para mim será uma das suas obras mais interessantes, mais sensatas e lúcidas, refiro-me ao "Elogio da Velhice". Os dois livros falam do mesmo, embora pareçam ser a antítese um do outro. Hesse ensina a fugir da morte, apresenta a velhice como a triagem necessária à evasão do remorso. Aproxima-se de uma ideia também desenvolvida por Cristina Campo de conexão da velhice com a infância, como se nessas fases da vida tivéssemos mais claro o significado da palavra 'essência'. Roth é muito mais duro (talvez pelo olhar atento da contemporaneidade - ser velho nos nossos dias parece-me substancialmente diferente de ser velho meio século atrás) compondo-nos um retrato de medo e solidão. Toca a problemática da opção… se eu tivesse feito assim ou assado será que as coisas teriam sido diferentes?... do remorso e da ausência de paz que ele elimina numa fase da vida em que provavelmente apenas se desejaria uma quieta serenidade.
Estou completamente de acordo consigo, quando o relaciona com a ideia de absurdo das obras de Camus: não há opções certas ou erradas, há exclusivamente opções; e as segundas vias, esses ‘e se eu tivesse feito desta ou daquela maneira’ não passam de pura especulação da imaginação. Tendemos a imaginar as segundas vias, as opções preteridas, como a resolução dos problemas, mas quem nos garante que não seriam um fracasso idêntico àquelas que nos provocam o medo e o remorso? A imaginação, a fantasia é sempre muito mais generosa do que a realidade. O condicional ‘e se’ transporta a esperança que o pretérito perfeito ‘eu fiz’ mata e encerra no passado. Roth tem isso bem presente, caso contrário não nos ofereceria frases como "- Não podemos refazer a realidade - disse ao pai. - Temos de aceitá-la tal como ela vem. Aguentar firme e aceitá-la tal como ela vem." ou aquele maravilhoso último parágrafo.

domingo, junho 17, 2007

Onde falta memória, sobra imaginação.

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Fonte: Revista Caros Amigos
Estou feliz de poder testemunhar o aniversário de 80 anos de Ariano Suassuna. Não é sempre que podemos celebrar uma referência que admiramos ainda em vida.
Sim, ele vive "lúcido" e "louco" no Recife. Ele inscreve na história da nossa literatura sua assinatura peculiar e poderosa. É, sem dúvida nenhuma, nosso cancioneiro popular. Obteve êxito na sua busca por uma estética genuinamente nacional com a brasilidade de nossa diversidade.
Ariano trabalha há mais de meio século por uma linguagem de unidade profunda, com raízes míticas, diria mesmo demiúrgicas. Sua obra caminha para uma cosmogonia, unindo teatro, poesia e romance. Soube como pouco pincelar sua ficção com notas biográficas que lhe marcaram a história pessoal e transformou-o em quem ele é.
Lembro, há alguns anos atrás, com muito entusiasmo e emoção de quando falou sobre O Romance da Pedra do Reino, esse que segundo o próprio Suassuna, é o grande romance representativo de sua literatura. Lembro de sua voz trêmula dizendo do medo que sentia de morrer, porque ele achava que não poderia terminar sua jornada antes de concluir a Pedra do Reino e agora que percebia que ela estava definitivamente escrita, talvez o sentido de sua vida tivesse chegado ao fim.
Para nossa felicidade - a minha em particular - sua vida está longe de perder o sentido. Ariano é ainda um jovem, tem grande fome de escrever e prazer em ministrar suas aulas, mesmo que este não seja mais o seu ofício... se é que quem tem compromisso com a cultura algum dia deixe de ter o ensino como ofício.
Ariano inspirou, na década de 70, o Movimento Armorial que tinha por objetivo valorizar a cultura popular do nordeste brasileiro e estava interessado na pintura, música, literatura, cerâmica, dança, escultura, tapeçaria, arquitetura, teatro, gravura e cinema. São também importantes para o Movimento Armorial, os espetáculos populares do Nordeste, encenados ao ar livre, com personagens míticas, cantos, roupagens principescas feitas a partir de farrapos, músicas, animais misteriosos como o boi e o cavalo-marinho do bumba-meu-boi.
O mamulengo ou teatro de bonecos nordestino também é uma fonte de inspiração para o Movimento, que procura além da dramaturgia, um modo brasileiro de encenação e representação.
A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos "folhetos" do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus "cantares", e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados".
Ariano Suassuna, Jornal da Semana, Recife, 20 maio 1975.
Acho que não é muito devaneio de minha parte dizer que a Pedra do Reino está para Ariano assim como D. Quixote está para Cervantes. A Pedra do Reino é a epopéia brasileira, o romance de cavalaria nordestino e Pedro Quaderna nosso mito Sebastianístico:
Aqui morava um rei
Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.

sexta-feira, abril 20, 2007

Literatura


Por Rodrigo Petronio*

Pode parecer estranho, mas há um desconhecimento mútuo entre Portugal e Brasil no que diz respeito à literatura, sobretudo à poesia. Excetuando-se alguns casos extremos, é quase inexplicável que ocorra isso com dois países que têm laços históricos seculares e para os quais não há obstáculo lingüístico. A Editora Escrituras criou um projeto que pretende atenuar essa distância. Trata-se da Coleção Ponte Velha.
Já com vários títulos publicados na área de poesia, praticamente todos de autores até então inéditos em livro no Brasil, a Ponte Velha vem demonstrar a possibilidade desse diálogo. Coordenada pelos poetas Carlos Nejar e António Osório, o diálogo com Portugal começou com as antologias deste último e da poeta, difusora de literatura e também diretora do suplemento cultural do jornal A Notícia, de Lisboa, Ana Marques Gastão, chamada A Definição da Noite. Em seguida vieram os livros de Rosa Alice Branco, Nuno Júdice e Pedro Tamen, respectivamente, Soletrar o Dia, Por Dentro do Fruto a Chuva e Caronte e Memória.
Seguiram-se os livros de Ana Hatherly, A Idade da Escrita, e de Cruzeiro Seixas, Homenagem à Realidade. São dois destaques interessantes da Ponte Velha, posto que trazem também um belo conteúdo gráfico. O primeiro, com os poemas visuais e as caligrafias de Hatherly, e o segundo com mostras da obra plástica de Seixas, que é um dos principais nomes do surrealismo português, ao lado Mário Cesariny e Antonio Maria Lisboa.
Um dos destaques também é o livro Animal Olhar, antologia poética de António Ramos Rosa. Um dos mais importantes nomes da poesia de língua portuguesa, Ramos Rosa é autor de uma obra tão vasta quanto complexa. A antologia tenta dar conta dessa grande dimensão, selecionando poemas de seus livros mais representativos. Também traz desenhos feitos pelo próprio Ramos Rosa e alguns poemas inéditos. Trata-se de um poeta de amplos vôos imaginativos e de fortes implicações filosóficas.
Recentemente, a Ponte Velha apresentou diversos títulos e algumas novidades. Dentre eles se encontram Olhares Perdidos de Nicolau Saião, Armas Brancas e Outros Poemas de Armando Silva Carvalho, Palavras Noturnas e Outros Poemas de Isabel Meyrelles e O Arco da Palavra de João Barrento, todos estes organizados por Floriano Martins. A novidade é a entrada do gênero ensaio na coleção, representada pela coletânea de ensaios de Barrento, estudioso de literatura alemã e grande tradutor de autores como Goethe, Trakl e Walter Benjamin. O livro de Meyrelles deve ser ilustrado com obras da própria autora, que é artista plástica.
Paralelamente à Ponte Velha, valem ser ressaltadas iniciativas individuais de algumas editoras de difundir essa poesia de tão boa qualidade. Além da conhecida publicação de boa parte da obra de Fernando Pessoa levada a cabo pela Companhia das Letras, recentemente a editora A Girafa publicou, do Fernando Pessoa ortônimo, Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, uma reunião de fragmentos sobre ele mesmo, vida e arte, e A Educação do Estóico, que escreveu sob o heterônimo de Barão de Teive. Também de Herberto Helder há a ótima antologia da editora Iluminuras chamada O Corpo O Luxo A Obra, com seleção e apresentação de Jorge Henrique Bastos e posfácio de Maria Lúcia Dal Farra. E, recentemente, a Azougue Editorial lançou uma belíssima edição do exuberante Os Passos em Volta, livro de contos do mesmo autor. É ler para crer.
* Rodrigo Petronio é escritor e autor de História Natural, Transversal do Tempo e Pedra de Luz, entre outros.

sexta-feira, abril 13, 2007

Ainda sobre o narrador...

Após reler o "Narrador" de Walter Benjamin, fui escolhida por um vídeo lindo, singelo, de uma delicadeza real. Trata-se de um filme grego chamado O tempero da vida (Politiki Kouzina/ A touch of spice). Há tempos não via um filme tão exuberante (como a vida é). Muitas vidas, odores, paladares se cruzam e enriquecem a experiência humana.
O avô do filme é o típico narrador proposto por Benjamin, ele tem muitas histórias a contar e as conta de um modo absolutamente poético e prático. Ele vende especiarias numa pequena loja em Istambul e sabiamente ensina ao seu neto as lições do colégio a partir do sabor dos temperos e torna-se uma referência ímpar para ele.
A culinária serve de pretexto para que questões mais profundas sejam discutidas: a identidade cultural, filosofia, política e o amor.
Mais tarde, avô e neto separam-se devido aos conflitos entre a Grécia e o Chipre. É aí então que esse menino transforma-se num homem e aprende que não é só a comida que precisa de tempero.

segunda-feira, abril 02, 2007

Pasolini

Comecei a ler ‘Uma vida violenta’ de Pier Paolo Pasolini. Não há uma pausa, uma analepse, uma reflexão… nada que eu possa ‘sublinhar’ e partilhar. Por outro lado, a acção corre a um ritmo veloz, imagens e sons sucedem-se de forma estonteante como se fosse um filme, ou não escrevesse ele com mão de cineasta. As mesmas imagens são tão poderosas e estimulam de tal forma a imaginação do leitor que por vezes esquecemo-nos de que não somos habitantes dos subúrbios de Roma… Se eu pudesse partilhar as sensações que Pasolini desperta na minha imaginação este blogue, enquanto durasse a leitura, seria uma coisa muito diferente.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Memória

'My Memory no. 1' & 'My Memory no. 2', Zhang Xiaogang
Tinha lido os três primeiros volumes do Quarteto de Alexandria do Durrell. Há mais de quatro anos que não regressava àquela história. Na semana passada decidi completar o Quarteto. Abri ‘Clea’ o último livro da série. Nos dois primeiros capítulos todos os personagens ressurgiram como se o peso dos anos não os tivesse danificado. O enredo intacto, até o cheiro de Alexandria parecia estar vivo dentro de mim. Quando as emoções por algum motivo ficam vincadas na nossa cabeça, tudo se assemelha a uma litografia de Xiaogang: basta esgueirar a pupila ao canto do olho e a Memória encarrega-se de remontar o filme.

sábado, janeiro 07, 2006

Cecília entre os Leões

Tudo percebo _ a encomendação do corpo, o trabalho dos coveiros, o pó nas lápides, as lamúrias discretas das mulheres _ e alheio a tudo, dentro de uma claridade que me ilumina por dentro e assemelha-se a um globo de espelhos em pedaços, com milhares de réstias que se cruzam, contemplo Cecília ao sol do meio-dia. Com os olhos (neles zumbem negros e rápidos leões), parece dizer-me: “Tenho a minha vida nas mãos, Abel. Recebe-a. Mas ouve: o amor, artefato de difícil manejo, é cheio de botões secretos e de facas que à mínima imperícia ou distração saltam voando e lanham a carne”. Engano-me, eu, se nessa companheira reconheço a minha substância? Ela emerge de mim e da minha vigília tão semelhante a um sono prolongado _ ela e os seus entes, uns nus, outros vestidos, uns sem armas, outros armados. Contemplo no seu corpo, assim parece-me agora, a minha e a sua memória, simultaneamente. As presenças humanas nessas memórias. Como se eu pudesse ver, ouvir, tocar as visões nem sempre nítidas, mas cheias de verdade e nunca fixadas em uma única idade de suas vidas, as visões ou espectros que habitam a memória e têm, junto com os brinquedos outrora possuídos e os lugares onde se viveu, o duvidoso nome de recordações. “Cecília, o equilíbrio é pouco seguro e ilusório, bem sei, quando o homem está nele incluído. Mesmo no Éden, esse estado perdura muito menos do que se pode esperar. Quantos passos daremos juntos?” Este minuto: espinhal desmesurado, esférico, a arder em torno de mim, como num fogo de diamantes."
Avalovara, Osman Lins