quarta-feira, dezembro 23, 2009

Um Natal de muita paz

Poema de Natal


Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.


Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.


Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.


Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinícius de Moraes

Feliz Natal

Merry Christmas, Shi Jinsong

Se há coisa que me faz feliz no Natal é a capacidade que esta festa tem de agregar as pessoas e torná-las generosas. É com um grande sorriso que vos desejo a todos um Natal muito feliz! Bem hajam!

Um beijo muito querido e especial para a minha Luciana, que amo muito e de quem tenho muitas saudades. Há três anos, faltavam poucos dias para poder dar-te aquele abraço 'in loco', mas escuta, este que envio hoje é ainda mais forte e apertado apesar da distância. Um Natal muito feliz para ti, minha querida, e para toda a tua família, em especial para a tua mãe e para o João que lembro sempre com muito carinho.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Again

Life is a repetition. We just get more tired everytime we live same things over and over. Survivers are those, who even tired, try to see some beauty spot where is no beauty at all. That is only a question of uncondiciotional love for life, not a question of trust and hope.

Archive, Again

domingo, dezembro 20, 2009

Technology

Carl Craig & Les siècles Orchestra, Technology

terça-feira, dezembro 01, 2009

sublinhado (75)

'Não sabemos nada de nós próprios. Falamos sempre sobre os nossos desejos, e tentamos esconder-nos desesperadamente e inconscientemente. A vida torna-se quase interessante, quando já aprendeste as mentiras das pessoas, e começas a desfrutar e a notar que dizem sempre uma coisa diferente daquilo que pensam e querem realmente... Sim, um dia chega o reconhecimento da verdade:e isso significa a velhice e a morte.' (pág. 142)
in As velas ardem até ao fim (Dom Quixote), Sándor Márai


Posso dizer que foi um dos livros mais arrebatadores que li nos últimos anos. Uma completa e emocionante surpresa. Entra para o lote dos livros que falam intimamente como se estivessem a descobrir os nossos próprios segredos.

We can all be free, maybe not with words

Cat Power, Maybe Not

sábado, novembro 28, 2009

sublinhado (74)

'Podes alcançar tudo na vida, podes vencer tudo à tua volta e no mundo, a vida pode oferecer-te tudo e podes tirar tudo da vida: mas nunca podes mudar os gostos, as inclinações, o ritmo de vida de uma pessoa, aquela diferença que caracteriza por completo uma pessoa, a pessoa que é importante para ti, que te interessa.' (pág. 128)
in As velas ardem até ao fim (Dom Quixote), Sándor Márai

sexta-feira, novembro 27, 2009

sublinhado (73)

'E, tal como as pessoas do mesmo grupo sanguíneo podem ajudar-se nos momentos de perigo, ao dar o seu sangue a alguém que pertence ao mesmo grupo, assim a alma humana só pode ajudar outra alma humana, se não for «diferente», se o seu ponto de vista, a sua realidade mais secreta que a sua convicção, forem semelhantes...' (pág. 127)
in As velas ardem até ao fim (Dom Quixote), Sándor Márai

sexta-feira, outubro 23, 2009

Porque não haverá paz para aquele que ama

lugar II

Há sempre uma noite terrível para quem se despede
do esquecimento. Para quem sai,
ainda louco de sono, do meio
do silêncio. Uma noite
ingénua para quem canta.
Deslocada e abandonada noite onde o fogo se instalou
que varre as pedras da cabeça.
Que mexe na língua a cinza desprendida.

E alguém me pede: canta.
Alguém diz, tocando-me com seu livre delírio:
canta até te mudares em cão azul,
ou estrela electrocutada, ou em homem
nocturno. Eu penso
também que cantaria para além das portas até
raízes de chuva onde peixes
cor de vinho se alimentam
de raios, seixos límpidos.
Até à manhã orçando
pedúnculos e gotas ou teias que balançam
contra o hálito.
Até à noite que retumba sobre as pedreiras.
Canta - dizem em mim - até ficares
como um dia órfão contornado
por todos os estremecimentos.
E eu cantarei transformando-me em campo
de cinza transtornada.
Em dedicatória sangrenta.

Há em cada instante uma noite sacrificada
ao pavor e à alegria.
Embatente com suas morosas trevas.
Desde o princípio, uma onde que se abre
no corpo, degraus e degraus de uma onda.
E alaga as mãos que brilham e brilham.
Digo que amaria o interior da minha canção,
seus tubos de som quente e soturno.
Há uma roda de dedos no ar.
A língua flamejante.
Noite, uma inextinguível
inexprimível
noite. Uma noite máxima pelo pensamento.
Pela voz entre as águas tão verdes do sono.
Antiguidade que se transfigura, ladeada
por gestos ocupados no lume.

Pedem tanto a quem ama: pedem
o amor. Ainda pedem
a solidão e a loucura.
Dizem: dá-nos a tua canção que sai da sombra fria.
E eles querem dizer: tu darás a tua existência
ardida, a pura mortalidade.
Às mulheres amadas darei as pedras voantes,
uma a uma, os pára-
-raios abertíssimos da voz.
As raízes afogadas do nascimento. Darei o sono
onde um copo fala
fusiforme
batido pelos dedos. Pedem tudo aquilo em que respiro.
Dá-nos tua ardente e sombria transformação.
E eu darei cada uma das minhas semanas transparentes,
lentamente uma sobre a outra.
Quando se esclarecem as portas que rodam
para o lugar da noite tremendamente
clara. Noite de uma voz
humana. De uma acumulação
atrasada e sufocante.
Há sempre sempre uma ilusão abismada
numa noite, numa vida. Uma ilusão sobre o sono debaixo
do cruzamento do fogo.
Prodígio para as vozes de uma vida repentina.

E se aquele que ama dorme, as mulheres que ele ama
sentam-se e dizem:
ama-nos. E ele ama-as.
Desaperta uma veia, começa a delirar, vê
dentro de água os grandes pássaros e o céu habitado
pela vida quimérica das pedras.
Vê que os jasmins gritam nos galhos das chamas.
Ele arranca os dedos armados pelo fogo
e oferece-os à noite fabulosa.
Ilumina de tantos dedos
a cândida variedade das mulheres amadas.
E se ele acorda, então dizem-lhe
que durma e sonhe.
E ele morre e passa de um dia para outro.
Inspira os dias, leva os dias
para o meio da eternidade, e Deus ajuda
a amarga beleza desses dias.
Até que Deus é destruído pelo extremo exercício
da beleza.

Porque não haverá paz para aquele que ama.
Seu ofício é incendiar povoações, roubar
e matar,
e alegrar o mundo, e aterrorizar,
e queimar os lugares reticentes deste mundo.
Deve apagar todas as luzes da terra e, no meio
da noite aparecente,
votar a vida à interna fonte dos povos.
Deve instaurar o corpo e subi-lo,
lanço a lanço,
cantando leve e profundo.
Com as feridas.
Com todas as flores hipnotizadas.
Deve ser aéreo e implacável.
Sobre o sono envolvida pelas gotas
abaladas, no meio de espinhos, arrastando as primitivas
pedras. Sobre o interior

da respiração com sua massa
de apagadas estrelas. Noite alargada
e terrível terrível noite para uma voz
se libertar. Para uma voz dura,
uma voz somente. Uma vida expansiva e refluída.

Se pedem: canta, ele deve transformar-se no som.
E se as mulheres colocam os dedos sobre
a sua boca e dizem que seja como um violino penetrante,
ele não deve ser como o maior violino.
Ele será o único único violino
Porque nele começará a música dos violinos gerais
e acabará a inovação cantada.
Porque aquele que ama nasce e morre.
Vive nele o fim espalhado da terra.


Herberto Helder
Lugar (poema II)
Poesia Toda
Assírio & Alvim

sábado, outubro 17, 2009

sublinhado (72)

'Sinto que aquilo a que chamam mundo me diz muito pouco, e que aquilo a que eu silenciosamente chamo mundo me surge grande e arrebatador.' (pág. 114)


in Jakob von Gunten, um diário (Relógio d'Água), Robert Walser

quarta-feira, setembro 16, 2009

Confessionário

Meu Vítor,

Tenho hoje a mais lusitana das almas... há em mim aquela saudade tão entranhada e cantada por aqueles que singraram os mares.
Há muito tempo não sento em minha cadeira com o objetivo de escrever.
Nos últimos meses, toda atividade relacionada à escrita está voltada para a produção de relatórios, revisão de textos, estudos, resolução de exercícios, provas, concursos públicos...
Em toda a minha vida, escrever sempre foi um ato prazeroso, até mesmo quando era sofrível traduzir em palavras os sentimentos ou ordenar ideias de forma objetiva a fim de produzir um texto acadêmico.
Como pude me esquecer de manter o equilíbrio? Sim, porque escrever é um exercício de sanidade, querido. Tu bem o sabes.
Hoje, tenho o peito angustiado com os fragmentos da minha vida que voltam à memória sem que eu faça forças ou os tenha provocado. Eles simplesmente jorram, Vítor.
Há um enorme sentimento de morte rondando meus dias... não sei explicar, apenas pressenti e senti de forma muito palpável.
Há uma semana comecei a remexer a mala que guardo sob minha cama. Lá estão meus pequenos tesouros. “São fragmentos de cartas, poemas, retratos, vestígios de estranha civilização”. Não são coisas apenas, Vítor; não são objetos de um “museu pessoal”; são pessoas em toda a sua inteireza, meu amigo.
Reencontrei uma correspondência deliciosa que mantinha com um amigo da Dinamarca. E, de repente, a troca de cartas cessou. Não me lembro o motivo pelo qual uma relação tão incrível se perdeu, deixou de ser alimentada. Eu sinto falta do Rasmus. Gostaria de poder alcançá-lo novamente, mas já se vão anos, muitos anos...
Depois achei uns e-mails que troquei com o Cony, Carlos Heitor Cony, escritor que admiro tanto. Após a leitura do Quase Memória, escrevi um pequeno texto emocionado sobre tudo que o livro provocara em mim e enviei para ele. Não esperava respostas, mas ela veio, gentil e pessoal e, daí em diante, iniciamos um diálogo.
Fui visitá-lo numa das Feiras do Livro, a última realizada em local adequado e voltada para um público amante da Literatura. Peguei todos os títulos que tinha na estante (uns quinze) e levei para ele autografar. Graças a Deus, a razão foi recobrada, deixei os livros no carro e trouxe comigo apenas o Quase Memória.
Por que paramos de nos escrever?
Nesse mesmo baú de lembranças, surgiu o nome de um amigo da família, com quem não falávamos havia tempos. Ligamos. Queria (e quero) tanto resgatar laços, mas obtivemos uma notícia horrível, meu Vítor. Essa pessoa está em fase terminal... ficamos mal.
Por que permitimos que pessoas amadas ocupem apenas os desvãos das lembranças?
Pensei no Pedro e na nossa falta de comunicação e de tanto amor jogado fora.
Vítor, não quero que isso nos aconteça. Prometa que insistiremos, por toda a vida, em cuidarmos um do outro!
Existem a distância, o oceano, a saudade, as urgências da vida, mas há também a verdade do afeto. Não deixemos que todo o resto desbote o nosso melhor.
Amor,
Tua Lu

terça-feira, setembro 08, 2009

Um bocadinho de ufanismo...

Meu Vítor,
Estamos comemorando o Ano da França no Brasil e diversos eventos estão ocorrendo pelas capitais brasileiras.
Colo aqui um artigo publicado no jornal Correio Braziliense... é ufanismo, eu sei, mas deixa, vai!
;-)

Brasília é a cidade da arquitetura mundial, diz ministro francês

Agência Brasil

Publicação: 07/09/2009 18:46


Ao falar nesta segunda-feira (7/9) na abertura do Simpósio Internacional sobre a Cidade Sustentável - A Metrópole do Futuro, o ministro da Cultura e da Comunicação da França, Frédéric Miterrand, afirmou que o acervo do passado mostra que "a arquitetura molda a nossa vida". De acordo com o ministro, retrabalhar as cidades será a partir de agora a temática para homens e mulheres também na França, onde Paris "é um grande canteiro". Ele disse que a arquitetura brasileira tem reflexo muito grande na arquitetura mundial e também em seu país.

O ministro francês afirmou que ao completar em 2010 seus 50 anos de fundação, Brasília é a cidade da arquitetura mundial, que dá a lição de que "o bonito é uma promessa de felicidade".

Miterrand alertou, no entanto, que é preciso pensar no sofrimento dos cidadãos dos grandes centros do mundo, que vivem o stress do trânsito quando se deslocam para o trabalho. Segundo o ministro, é necessário "procurar contornar essa fratura social para que quando a pessoa estiver em casa, descansando com seus filhos, não fique na expectativa de que o dia seguinte será um calvário".

O ministro francês disse que insiste "com obsessão" em seu país pela melhora do sistema de transportes, pois entende que a cidade moderna deve promover a democracia e a felicidade".

A França, de acordo com Frédéric Miterrand, está procurando resgatar a volta das cidades natureza, que além dos parques precisam ter também florestas e agricultura, "um eixo que ainda não tinha sido pensado. Isso é oportuno porque estamos vivendo em economia de escala diferente nos dias de hoje".

O Simpósio Internacional sobre a Cidade Sustentável - A Metrópole do Futuro vai até quarta-feira (9), com a participação de arquitetos, urbanistas, paisagistas, pensadores e observadores da cidade contemporânea do Brasil, da França, da Inglaterra, da Itália e da Alemanha. Eles vão abordar a nova geografia da cidade, a mobilidade contemporânea, como morar mais e melhor e o novo conceito de cidade. O evento foi organizado pelo governo da França como parte do Ano da França no Brasil.

terça-feira, agosto 18, 2009

É bom saber...

The Good, the Bad and the Queen

Ontem fizeram-me ouvir pela primeira vez The Good, the Bad and the Queen. É bom saber que o Damon Albarn continua por aí... e a fazer coisas destas....

uma barragem a 300 km....


Conheço bem o meu país, já o visitei de norte a sul. Quando era criança entediavam-me os programas de férias dos meus pais. Planeavam viagens de carro intermináveis, os dias pareciam aumentar para o dobro de tanto quilómetro por estrada nacional. Para passar o tempo, eu e o meu irmão inventávamos jogos e brincadeiras que acabavam sempre numa espécie de luta livre no banco de trás do carro, até se esgotar a paciência da minha mãe que terminava tudo com dois berros e algumas palmadas. Ao olhar para trás agradeço-lhes cada um desses passeios e o banco de imagens que eles criaram nas nossas memórias. Tenho a certeza que o meu irmão também.

No último fim-de-semana aproveitei um presente de aniversário para descansar uns dias no nordeste transmontano. Não me lembrava de ter ido alguma vez a Miranda, aliás, achava que era uma das poucas regiões do país que eu não conhecia. Pelo caminho nada me fazia pensar o contrário. Tudo era novo (e maravilhoso diga-se). Desconhecia a cidade, a muralha, a ruína do castelo... nada existia na minha cabeça. No domingo de manhã desci até ao Douro para programar o passeio de barco. Muitos turistas espanhóis como era de se prever, mas insuficientes para abalar a minha boa disposição. Parei o carro junto à barragem. De repente, a minha memória fez saltar uma imagem como se fosse um polaroid: eu, o meu irmão e o meu pai a deambular por aquela exacta barragem! Soltaram-se polaroids uns atrás dos outros como quem desenrola um novelo. Eu tinha realmente estado naquele lugar, não sei com que idade, nem quando. O 'novo' era revisitação.

Fico a pensar... se achei o Douro Internacional magnífico, devo tê-lo sentido também em criança. Gozo da sorte de me surpreender com a novidade de um lugar duas vezes.

sexta-feira, julho 31, 2009

foi em 2007

Uma vez escrevi que tinha aberto a porta que iria mudar a minha vida. Foi em Janeiro de 2007, neste mesmo blogue. Passaram mais de dois anos e essa porta, uma porta real (não era de todo uma metáfora), continua aberta a todos os que por ela querem entrar ou que, de algum modo, se sentem convidados a fazê-lo.
Num final de tarde com pouco movimento, quando as tarefas se encontram concluídas e organizadas, abro as janelas do escritório e deixo-me levar pela melodia da cidade. Gosto desta rua, do burburinho das pessoas, dos gritos das gaivotas, dos ensaios da estudante de violino duas casas acima, da kizomba da galeria africana, da happy hour dos estrangeiros no supermercado do senhor do Bangladesh. É bom trabalhar aqui.

terça-feira, junho 30, 2009

Obituário

O fenômeno sensacionalista do momento é a morte de Michael Jackson.
Não dava para ficar calada a respeito do circo midiático criado ao redor do cantor. Bastou morrer para que ele deixasse de ser um pedófilo para ocupar novamente seu papel de gênio, Rei do pop.
Não entendo o motivo de as pessoas se surpreenderem com a morte misteriosa daquele que foi a personificação do mistério no mundo pop. Mais do que surpresas, as pessoas estão chocadas.
Chocadas com o que, me pergunto. O que ainda pode provocar estranheza, estupefação, no que tange à figura de Jackson?
Chocada fiquei quando vi um Michael Jackson se dissolver como ser humano; quando vi sua esquizofrenia e infelicidade ganharem corpo, abrindo mão daquilo que mais nos representa: a identidade.
Michael Jackson não é o primeiro e está longe de ser o último na lista de celebridades que desaparecem de maneira trágica e triste.
A dependência química, a depressão, a falta de limites, aliadas a uma história de vida miserável, já levaram muitas pessoas do cenário musical: Cássia Eller, Renato Russo, Elis Regina, Janis Joplin, Billie Holyday, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Brian Jones, Kurt Cobain, Michael Hutchence, Elvis Presley e por aí vai.
O que diferencia Michael Jackson da pequena lista acima é o fato de ter sido o único (se bem me lembro) que – além de causar mal a si mesmo pelo uso de drogas – mutilou suas feições.
Nem vou me prolongar, neste post, discorrendo sobre o talento inconteste de MJ. Na minha opinião, somente dois nomes citados acima revolucionaram a música dentro de seus estilos.
Elvis Presley e M. Jackson. As alcunhas de Rei do rock e Rei do pop, respectivamente, fazem jus aos artistas. Ambos fizeram mais do que revolucionar o rock e o pop. Eles criaram estilos únicos. Elvis deixou o legado do macacão espalhafatoso e do requebrado hormonal de sua pélvis; Michael abusou de coreografias ousadas e das luvas bordadas com pedras preciosas. Independentemente do gosto do freguês, isso ficará. Essas expressões têm assinatura inconfundível.
O que me deixa cada vez mais desesperançada em relação ao ser humano é, de um lado, a sua fragilidade, a sua debilidade enquanto indivíduo; de outro, sua ferocidade enquanto sociedade. Podemos ser fator de transformação, mas escolhemos ser letais, hobbesianos.
Além da baixíssima autoestima, de uma história pessoal de abusos, Michael Jackson foi vítima de preconceito racial. Ele acreditou, como poucos, numa teoria do branqueamento e não mediu esforços para ser aceito.
Aqui no Brasil, a teoria foi estudada por Sérgio Buarque de Holanda; foi tema de livros, como os de Lima Barreto (O mulato, Clara dos Anjos), e ainda hoje é estudada nos meios acadêmicos.
Skidimore em Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro, afirma que embora o campo intelectual brasileiro, do final do XIX e início do XX, se inspirasse nas teorias racistas européia e norteamericana, não podia negar o alto grau de miscigenação do povo brasileiro e nem pregar uma segregação institucionalizada como fizeram os EUA. “Ao contrário dos EUA, em vez de duas castas (branca e não branca), havia uma terceira casta social bem reconhecida: o mulato. Quanto mais clara a tonalidade da pele, maior sua aceitação na ascensão social.
Daniel Bar-Tal, um dos pioneiros na análise da infra-humanização dos grupos minoritários, afirma:

“Dehumanization involves categorizing a group as inhuman either by using categories of subhuman creatures such as inferior races and animals, or by using categories of negatively valued superhuman creatures such demons, monsters, and satans. Trait characterization is done by using traits that are evaluated as extremely negative and unacceptable to a given society”.

Michael Jackson mais do que um fenômeno de mídia, merece estudo antropológico, sociológico e psicológico. Pode ser um rico objeto de estudo. Mas prefiro pensar que alguém como ele merece também atenção dos nossos olhos humanos, ou do que restou de humanidade em nós, para enxergarmos quão poderosos são nosso julgamento, nossas palavras e a nossa falta de afeto.

Já disse isso uma vez aqui mesmo. Repito: a tolerância não me convém. Não quero tolerar nem ser tolerada. Quero ser digna de respeito.

domingo, junho 14, 2009

ASVS | Arquitectura + Interiores + Galeria












Apresento-vos o Espaço ASVS, Arquitectura, Interiores e Galeria. A ASVS Arquitectos Associados Lda. é uma sociedade fundada em 2009 por Vítor Barros e Ana Matias. Surge como o resultado empresarial do trabalho em co-autoria após a conclusão da licenciatura e da colaboração em vários ateliers.
O projecto empresarial desenvolvido aborda um conceito de atelier cuja actividade se estende para além da oferta de serviços de arquitectura. A ASVS alarga o seu campo de acção ao design e à arte através da implementação de um show-room de interiores e de uma galeria de arte nas suas instalações.
Paralelamente à actividade primordial, a ASVS desenvolve um projecto de dinamização cultural integrado na dinâmica criativa do atelier e da galeria de arte. O projecto surge como resposta à necessidade de estabelecer uma plataforma de debate que incentive a discussão de teorias, conceitos e ideias relativos às questões contemporâneas da arquitectura e urbanismo, do design e das artes plásticas.

ASVS ARQUITECTURA
Prestação de serviços de Arquitectura, Urbanismo e Interiores.

ASVS INTERIORES
Galeria comercial de artigos de mobiliário, decoração, iluminação, têxteis-lar e livros relacionados com a Arquitectura, Arte e Design;

ASVS GALERIA
Galeria de arte e projecto de dinamização cultural no domínio da Arquitectura, Fotografia, Design e Artes Plásticas pela realização de exposições, tertúlias e eventos.

sábado, maio 02, 2009

Confessionário (54)

Meu Vítor,

Esse texto foi publicado há 9 anos atrás na Revista Continente. Hoje eu o reproduzo aqui neste espaço porque tem tudo a ver com o Sincronicidade e com a nossa condição.
Li e sorri comigo mesma, lembrando desse nosso confessionário, desse espaço de intimidade singular que criamos e mantemos apesar do silêncio, da distância e da falta de convivência física... é, há toda sorte dessa coisa chamada casamento.
Saudade tua.
Beijo,
Tua Lu.

Intimidade, uma cilada

Escrito por Altemar Pontes

As pessoas difamam o casamento quase que diariamente. Aliás, este hábito é tão comum aos jovens de um modo geral quanto aos que casaram há cinco anos. Em seu discurso, dizem que o amor mingüa, que o sexo começa a rarear, que a rotina é sufocante, repetem o “onde esteve?”, “que horas são essas?”, e outros comentários acabrunhantes... Dizem, dizem, reclamam, mas seguem casando-se e mantendo-se casadas por anos. Qual é a boa dessa história? Que há de tão interessante para manterem-se casados? Uma jóia chamada intimidade.
Íntimas, muitos acreditam, são duas pessoas que possuem relações físicas e emocionais entre si. Será apenas isso? Bem, acredito eu que seja muito mais que isso. Intimidade é você não precisar verbalizar tudo o que pensa, é aceitar a solidão do outro, é estarem familiarizados com o silêncio de cada um. Intimidade é não precisar estar linda em todos os momentos, não precisar ser coerente em todas as atitudes, é rirem juntos de uma história que só aquele casal conhece o final.
Intimidade é ler os olhos, os lábios e as mãos de quem está com você. Mais do que repartir um endereço, é repartir um projeto de vida. Não basta estar disponível, não basta apoiar decisões, não basta acompanhar no cinema: intimidade é não precisar ser acionado, pois já se está mentalmente a postos. Intimidade é não ter vergonha de ser o que a gente é, não precisar explicar coisa alguma, ser compreendido e brigar sabendo que nada irá se romper. Intimidade é não precisar andar na ponta dos pés pelos corredores de uma vida compartilhada.
De imediato, só me ocorre uma coisa ruim na intimidade: a falta que faz um pouco de cerimônia. Calcinhas penduradas no banheiro, o telefonema sempre na mesma hora da tarde, o arroto que dispensa o pedido de desculpas, o lençol amarfanhado, a TPM todo santo mês, o mesmo perfume, as mesmas reações, o mesmo cardápio. E o pior de tudo: brigar sempre pelas mesmas coisas.
O casamento dá uma intimidade rara, apaziguadora, salutar (não sou casamenteiro, estou apenas tentando vender o peixe ao editor). Não há máscaras nem teatro: é o habitat natural de dois seres, que se querem como são quando tudo está bem, e se querem diferente quando as coisas vão mal. A intimidade salva as relações extensas, a não ser quando as corrói. Contradição maquiavélica. O melhor e o pior dos mundos, nos obrigando a escolher entre o habitual e a novidade, entre a paz e a adrenalina, entre a rede e o salto. Sedução x segurança: que vença a melhor.
Mas intimidade mesmo é quando a gente confia a alguém nossos segredos mais puros e em seguida se sente tão bem, tão confortável que até dá vontade de abraçar e perguntar: Eu já disse o quanto te amo?

quarta-feira, abril 08, 2009

XX ou uma mutação genética?

Li a reportagem deste post no dia 1º de abril. Achei mesmo que era piada, brincadeirinha de dia da mentira. Depois, vi que era real, tão real que duvidei que estava no século XXI! Não era possível uma mulher se submeter a tanta imbecilidade em nome de um concurso de beleza. Parei de refletir e tentar entender. Vai ver a pobre é mesmo limitada. Ponto.
Ai, meu Vítor, a vida é dura! hahaha



MIAMI (Reuters) - Um "lugar relaxante, calmo, lindo" pode não ser a descrição de todos para a Baía de Guantánamo, em Cuba, onde os Estados Unidos mantêm cerca de 240 prisioneiros em um centro de detenção que recebeu críticas do mundo todo.
Mas esta foi a opinião da atual Miss Universo, Dayana Mendoza, da Venezuela, que visitou a base naval norte-americana no leste cubano este mês em uma viagem programada por uma organização que presta auxílio às tropas dos EUA. A base de Guantánamo, cuja existência tem sido contestada pelo governo cubano por anos, é usada por autoridades norte-americana como um campo de prisão para suspeitos de terrorismo estrangeiros. Críticos condenam a base como um símbolo de abuso na guerra contra o terrorismo, lançada por Washington após os ataques de 11 de setembro de 2001. Mendoza, de 22 anos, que esteve na unidade entre os dias 20 e 25 de março, acompanhada pela Miss Estados Unidos, Crystle Stewart, de 27 anos, ficou entusiasmada com sua visita a Guantánamo, classificando-a como uma "experiência incrível" em um texto escrito no blog do site do Miss Universo na Internet, em 27 de março.
"Foi muuuuito divertido!", afirmou Mendoza, descrevendo como ela e Stewart se encontraram com militares norte-americanos e deram voltas pelo campo, protegido com cercas de arame farpado, minas terrestres e torres de observação.
Ela disse ter visitado também um bar na base e uma "inacreditável" praia. "Visitamos os campos de detentos e vimos as celas, onde eles tomam banho, como eles se divertem com filmes, aulas de arte, livros.
Foi bem interessante", escreveu. "Não queria ir embora, era um lugar tão relaxante, tão calmo e lindo", acrescentou. Ex-detentos e grupos de direitos humanos acusam o uso de tortura, incluindo a simulação de afogamento e outros abusos físicos, na prisão de Guantánamo.
(Reportagem de Pascal Fletcher)

terça-feira, março 10, 2009

Os bestializados

O que escrevo nada tem a ver com a o ensaio do historiador José Murilo de Carvalho. Antes fosse. Escrevo porque já não suporto mais guardar tanta dor e o esforço de gritar para dentro. Nestes dias, tudo pra mim lembra a tela de Munch. Aquele ser desfigurado, horrorizado, agonizante que, não podendo mais reter tanta dor em seu ser, grita.
Sempre imaginei quais demônios o atormentavam naquele momento em que os expulsou das entranhas ao soltar a voz. Qual dor ficou tão insustentável a ponto de se transformar em loucura?
A violência é hoje o meu maior demônio. Aquele que quero expelir de forma incisiva, aquele que não aguento mais esconder ou fingir que não existe. A violência extrapola os muros do que é considerado real – os jornais, as revistas, o noticiário de TV – e da própria historiografia. A violência está identificada na música, nas expressões artísticas e naquilo que é considerado fictício: cinema e literatura. Guernica, holocaustos, Meninos não choram, Milk, 174, Proibido Proibir, Cidade de Deus... a lista é extensa.
O que leva um pai, tio, padrasto – pessoas com o dever de proteger e cuidar – cometer tantas atrocidades contra suas crianças?
Já não sei mais diferenciar o que é doença e o que é simplesmente maldade. Porque se supõe que a pedofilia, por ser uma doença, representaria casos isolados que se mantem mais ou menos constantes nas estatísticas. Mas não é o que acontece. Muito pelo contrário, o quadro é desolador. Crescem os casos de abuso e violência. Vivemos uma quimera de que a era digital, tecnológica, o conhecimento ao alcance de mão, para ser mais exato, em um simples clique aprimorasse o intelecto e a consciência. Falácia! Estamos a cada dia mais bestializados.
Uma criança de 9 anos acabou de passar por um duplo trauma. Não bastasse ser violentada desde os 6 anos de idade, essa menina também foi submetida a um aborto. Que tipo de criatura é essa que além de destruir um corpo tão frágil ainda destrói a doçura e o sonho de uma criança? Ainda restou alguma esperança nela? Qual a noção de proteção que ela tem? Que tipo das relações ela construirá? Terá sobrado algum espaço para o afeto e a confiança?
Não bastasse o absurdo de tudo, ainda vem a Igreja com uma conversa sem pé nem cabeça sobre excomunhão!
Sou contra o aborto, mas sou ainda mais contra a estupidez. Que tipo de moral norteia uma conduta em que se excomunga a vítima e o algoz sai ileso?!
Mulheres, mães, acordem, por favor! Pesa sobre nós a responsabilidade de educar os filhos. Que tipo de pessoas estamos formando e lançando no mundo? Sempre me pareceu um disparate, um paradoxo, termos na sociedade contemporânea pensamentos machistas ainda tão profundamente arraigados. Qual é a parcela de contribuição do universo feminino em perpetuar tanta burrice e preconceitos? O que estamos ensinando aos nossos filhos? Ainda dizemos aos meninos que existem dois tipos de mulheres, as que servem para casar e as que não servem? Ainda usamos o velho argumento para as meninas que os irmãos podem fazer isso e aquilo pelo simples fato de serem homens? Que o homem promíscuo é um garanhão e a mulher é puta? Que eles podem dispor do nosso sexo como se fossem deles? No dia 8 de março, as mulheres bradam por liberdade e igualdade nas suas mais diferentes expressões, mas será que em casa ensinamos isso aos seus filhos? Será que ainda estimulam os garotos a iniciarem cedo sua vida sexual enquanto pregam a virgindade das meninas como se sexo não fosse responsabilidade de duas pessoas?
Os homens são educados por mulheres. As mesmas mulheres que sofreram anos por causa da repressão e de tantos espartilhos a lhe comprimirem o corpo e alma. Não seriam por isso mesmo mais sensíveis para perceberem o menor sinal de asfixia? Onde estão essas mães que não enxergam seus filhos, que não percebem o terror nos seus olhos, os hematomas no corpo, a apatia no gesto? Foram três anos de abuso e para onde estavam voltados os olhos dessa mulher?
Não estou aqui indicando culpados. Não faz sentido. Mas faz sentido refletir nossos padrões de comportamento e valores. Estamos deixando um legado de infelicidade e destroços. Estamos criando gerações e gerações de farrapos humanos, de deficientes emocionais.
Já é difícil ter que conviver com a violência institucionalizada, aquela que vem da rua, da miséria, do tráfico, mas ninguém deve ser obrigado a viver a violência da casa, do espaço das relações privadas e dos afetos.
Não tenho muito o que celebrar nesse 8 de março. Pra dizer a verdade, por vezes, tenho vergonha de dizer que sou ser humano. Os irracionais somos nós.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

atirar os dados...

Abro o I-Tunes e decido accionar o 'random play' à espera de ser surpreendido pela escolha do computador. Fecho os olhos e aguardo a resposta. A música começa e como se de um jogo de tarot se tratasse, desenha... melhor... grita a mensagem! Gosto de acreditar no acaso.

Revolution, The Beatles

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

'a eternidade e um dia' (4)

‘A Eternidade e um dia’, um filme de 1998 do realizador grego Theodoros Angelopoulos, conta a história de um escritor com alguma idade, Alexander, que recebe do médico a notícia de que vai morrer no dia seguinte. O guião, escrito em colaboração com Tonino Guerra, relata o último dia do escritor.
Alexander está sentado numa poltrona. É acordado pela empregada, Urania, que lhe diz ‘Hoje é o último dia. Permita-me que o leve ao hospital.’ Alexander recusa e agradece-lhe a dedicação dos últimos três anos. Vai à varanda e observa a envolvente por alguns minutos. Coloca a trela no cão e sai de casa em direcção ao porto de Salónica. Enquanto passeia relembra o passado, o casamento feliz com a Anna já falecida. O dia é cinzento, a atmosfera carregada. Volta a casa, pega no carro e dirige-se ao centro da cidade. Ao parar num semáforo, um rapazinho de blusão amarelo aproxima-se com um limpa pára-brisas na mão à espera de uns trocados. O semáforo abre e de repente uma patrulha policial entra em perseguição do grupo de miúdos, prováveis refugiados Albaneses à procura de pão nas ruas da cidade. Alexander abre a porta do passageiro e grita ao rapazito de amarelo para que entre, livrando-o de ser apanhado pela polícia. Mais à frente, Alexander pára o carro e o rapaz despede-se com um sorriso generoso, grato por tê-lo afastado da confusão.
Dirige-se a casa da filha e pede-lhe que fique com o cão dizendo-lhe que vai de viagem durante algumas semanas. Despede-se levando o cão pela trela sem discutir, após a filha lhe ter negado o pedido e notificado que tinha vendido a casa de férias a uma construtora que iniciaria obras de demolição naquela tarde para a construção de um condomínio. Grande parte das memórias de Alexander, analepses que acontecem periodicamente ao longo do filme, sempre claras e plenas de luz em contraste com a lugubridade do dia da acção, estão intimamente ligadas a essa casa. As recordações de Anna, a infância da filha, a sua mãe, surgem quase sempre no mesmo cenário, como se aquela casa e todos os seus cantos fossem o suporte físico das emoções do escritor.
(continua)

alone in kyoto

Nunca fui a Kyoto, nem imagino se algum dia terei a possibilidade de ir. Pouco importa. Tenho para mim que Kyoto não é uma cidade. É um estado de espírito.

Alone in Kyoto, Air

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

'a eternidade e um dia' (3)

A Eternidade e um dia, Theo Angelopoulos

(continua)

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

'a eternidade e um dia' (2)



Stonehenge, Wiltshire, Inglaterra

Lewis Mumford, em ‘A Cidade na História’, aponta a resposta: ‘o respeito que o Homem cedo sentiu pelos mortos, expressão de fascinação por si mesmo, com as suas poderosas imagens de fantasia diurna e sonho nocturno, talvez tenha sido o que o levou a procurar, no princípio, um lugar de reunião fixo e, no futuro, um assentamento permanente’. A morte, diria antes, a consciência humana da morte, deu origem às primeiras obras arquitectónicas – a organização do espaço com uma intenção específica e premeditada para lá de uma resposta construtiva às necessidades biológicas. Mais do que abrigar-se e proteger-se, o Homem sente necessidade de prolongar a sua existência pela matéria, recusando a sua condição mortal e consequentemente a transitoriedade implícita ao funcionamento lógico do universo. Verificamos que desde Carnac e Stonehenge, até à sumptuosidade da arquitectura funerária egípcia, existe uma intenção forte de apropriação da forma ou da imagem como meio de atingir o belo e o imortal. A busca pela eternização da memória através da arte é muito mais do que a recriação ou o registo da beleza que observa, ela é a constatação da natureza narcísica da condição humana, o tal fascínio por si próprio de que falava Mumford. O homem resiste à fugacidade da vida e necessita intrinsecamente do perpétuo, marcando de forma mais ou menos subtil o rasto do seu percurso. É um fenómeno transversal a toda a humanidade, do ocidente ao oriente – uns fazem-no pela força da pedra, os outros pela força da forma.
Lavoisier viveu entre 1743 e 1794. Escreveu uma das frases mais sábias de que há memória, ‘Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma’. Dois séculos passaram e eu pergunto-me se o peso do tempo foi suficiente para que o homem contemporâneo entendesse e interiorizasse o seu real significado. Estaremos nós mais próximos do sentido da frase do químico francês ou daquilo que levou o homem do paleolítico a construir Stonehenge?

(continua)

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

'a eternidade e um dia' (1)

'mia aioniotita kai mia mera'
*
Talvez a transitoriedade seja uma das coisas mais assustadoras e fascinantes da vida. Entenda-se transitoriedade como qualidade do que é transitório, fugaz, passageiro e não como chavão de qualquer doutrina esotérica ou teoria psicanalítica. Tudo obedece à lei básica da natureza e ao funcionamento lógico do universo. Nada é estático, existe movimento na mais ínfima partícula de matéria.
Remetendo esta catadupa cinética para o nosso quotidiano constata-se exactamente o mesmo. Os acontecimentos, as acções, os diálogos, nascem e morrem ao ritmo dos segundos. No entanto, há um processo humano, e intrinsecamente humano, que parece contrariar todo o sentido natural das coisas – a construção das emoções e a forma como elas se vão sedimentando na memória. Há obrigatoriamente um processo de transitoriedade no construir emocional e na forma como ele é apreendido e recuperado por cada indivíduo. O que se viveu no passado não tem no presente o mesmo significado, nem o mesmo peso emotivo de outrora. A reciclagem acontece, mas parece haver um processo que, em certas alturas, bloqueia a engrenagem da máquina natural.
A história da arquitectura poderá ser um argumento interessante para explicar onde pretendo chegar. Parte-se do princípio que a Arquitectura (do grego arché - αρχή - significando "primeiro" ou "principal" e tékton - τέχνη - significando "construção") é a arte, ou a técnica, da criação do espaço organizado.
Muitas vezes, em conversas com amigos, pergunto se sabem onde nasceu a arquitectura. As respostas são invariavelmente as mesmas – nas grutas ou nas cavernas. Errado. As grutas e as cavernas são abrigos naturais, organizados pela própria Natureza e não pela mão do Homem. Alguns estudos apontam que a Terra Amata, um conjunto de cabanas construídas em troncos de madeira, seja a morada artificial humana mais antiga que se conhece, no paleolítico inferior. Se considerarmos a Terra Amata a primeira obra arquitectónica, pela mesma lógica, seríamos obrigados a dizer que as construções executadas por outros animais, que não o homem, constituem arquitectura também. Por esta ordem de ideias, os sistemas construtivos executados por térmitas, ou as conchas e cascas de grande parte dos moluscos são arquitectura, uma vez que respondem às necessidades biológicas dessas espécies tal como as cabanas da Terra Amata respondem às da espécie humana. Talvez o significado de Arquitectura ultrapasse o conceito de organização do espaço como uma resposta biológica e se aproxime daquilo que Leland Roth defende, ‘a arquitectura é uma representação física do pensamento e da ambição do Homem, uma crónica das crenças e dos valores da cultura que a produz’. Há, portanto, um significado mais amplo naquilo que entendemos como organização do espaço.
Introduzindo o conceito de que arquitectura é a organização do espaço com uma intenção específica para além da de protecção ou abrigo, qual será então a primeira obra arquitectónica?

(continua)

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Pygmalion

Em Outubro de 2006 lembro-me de ter visto um cartaz na rua que anunciava um concerto da Patrícia Barber no Theatro Circo, em Braga. O teatro tinha sido remodelado não havia muito tempo e anunciava já a programação consistente que hoje conhecemos. Não seria de esperar outra coisa, o trabalho do Paulo Brandão já tinha produzido efeito em Famalicão. Mas voltemos à Patrícia Barber… assim que vi o cartaz dirigi-me à Fnac e comprei dois bilhetes. Pedi à pessoa que me atendeu um envelope para oferecer de presente. No mesmo dia, depois do jantar, fui buscar o envelope e resolvi fazer uma surpresa a uma pessoa muito especial. Ainda hoje não consigo expressar o que senti depois da reacção. Talvez a expressão ‘balde de água fria’ não chegue para caracterizar o meu estado de espírito. Apercebi-me que tinha sido inconveniente, despropositado e egoísta. Falou-me da falta de senso em comprar bilhetes para aquele dia, uma vez que no fim-de-semana em questão estaria indisponível com a preparação de um compromisso que teria no inicio da semana e que, todavia, Patrícia Barber não lhe dizia grande coisa. Era um gosto meu, uma vontade minha... e que teria sido conveniente da minha parte uma consulta em relação à proposta de programa. Eu voltei a guardar os bilhetes no envelope. Pensei, do Porto a Braga demoro meia hora, mais hora e meia para o concerto e outra meia hora para o regresso. Roubar-lhe-ia cerca de duas horas e meia, no máximo três horas, durante todo o fim-de-semana! Engoli em seco e no dia previsto fui ver o concerto com um amigo a quem ofereci o outro bilhete. O que me ficou do concerto ficou descrito aqui.
Ultimamente tenho escutado vezes sem conta uma das músicas do álbum Mythologies que a Patricia Barber apresentou nesse concerto. Chama-se Pygmalion. Na altura, juntamente com ‘If I Were Blue’, foi uma das canções que mais me tocou. Entrou-me no ouvido de um modo sensitivo, como qualquer coisa que nos toca a pele muito levemente. A melodia parecia-me tão íntima e limpa que os pormenores da composição e sobretudo o poema passaram completamente despercebidos. Hoje, quando a escuto, sinto no peso de cada palavra e de cada verso a profecia que na altura não soube compreender. O amor cega… no meu caso ensurdece.
unrequited love
is what I know of love
spellbound
I will stay
imagination may be for fools
imagination may be cruel
to be kind
at the end of the day

Pygmalion, Patricia Barber

quarta-feira, janeiro 28, 2009

falar pelo olhar de um cão

'Perro semihundido', 1819-1823, Museu do Prado, Madrid, Francisco Goya



Ninguém escapa às intermitências da vida. De modos mais ou menos hábeis contornamos sempre os acontecimentos por mais profundos e dolorosos que possam parecer.
Há meses que não sinto vontade de escrever. Pior! Há meses que não tenho nada para dizer. Tenho reflectido sobre a minha mudez… que verdade seja dita, não passa apenas pela escrita. É literalmente uma mudez verbal e social. A vida tirou-me o meu pai em Agosto. A minha avó em Janeiro. Silenciou-me. Calou-me. Emudeceu-me. Tudo o que me esforcei por acreditar durante anos ruiu. Deixou de fazer sentido. Não sei nada sobre a existência. Mas eu achava que sabia (!), este blogue é testemunho vivo das minhas presumíveis verdades.
Não é uma queixa ou um lamento que deixo neste texto. Não, não é nada disso! Não tolero os meus lamentos como não tolero os lamentos dos outros. Ganhei aversão a gente queixosa. Sinto pena e remorso de todas as situações em que me vesti de vítima. Chego a ter ódio à forma dramática como vivi alguns episódios da minha vida. Cortei relações com grande parte dos poetas. Acho-os insuportáveis. É ridícula a extravagância das palavras e mais ridícula a forma imponderada da sua utilização. Deviam sentir a dor de um martelo de chumbo a bater-lhes nos dedos antes de escreverem a mais inócua das vogais.
Garanto-vos, este texto não é um lamento. Também não é um grito. É pura e simplesmente um atestado de ignorância. A constatação de que nada sei sobre a condição humana. Nos escombros das minhas certezas existe apenas uma que me esforço por não deixar ruir – a certeza de que acredito no amor. Repito-o diariamente com toda a convicção. Se não o fizer, e usando palavras que não são minhas, ‘incorro no maior dos pecados’. Estaria, por opção, a sobreviver no lugar de viver. Talvez seja por isso que não sinto pecado no cão do Goya. Há uma candura naquele colocar de focinho que determina esperança, como se para lá do fogo e do breu existisse uma luz tão pura e tão verdadeira que proibi-la ou rejeitá-la não seria digno de perdão. O cão do Goya não me parece nada preocupado em perceber o sentido da vida, no entanto, o seu olhar, diz-me que sabe tudo.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Brasil...

Minha Lu, se há coisa que o teu país faz bem é música! Não só faz, como refaz e recicla com esta qualidade... e exporta, exporta muito! (Os tugas deviam aprender algumas coisas convosco nesta matéria.)

Cajuína (Caetano Veloso), Cibelle

domingo, janeiro 11, 2009

ainda bem que nevou...
não me lembrava de sair à rua e ver toda a gente a sorrir

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Cínico Optimista

Passaram dez anos desde que li este texto pela primeira vez. Na altura, não sei se prestei atenção suficiente ao conteúdo, mas a impressão geral que tinha do livro e que permaneceu na minha memória era francamente positiva. É sem dúvida um texto carregado de esperança, bom para qualquer aluno que inicia um percurso académico com paixão. O entusiasmo sai sublinhado depois da leitura.
Hoje, e porque me lembrei que no Távora talvez encontrasse uma referência que necessitava, reli-o. No fim de o ler (para dentro) disse à Ana: ‘deixa lá ler-te isto’. E li-o novamente em voz alta. Após a leitura ficou um silêncio um pouco constrangedor no escritório. Perguntei-lhe…’que dizes disto?’. Ela respondeu… ‘é bíblico’… silêncio no escritório novamente. ‘Lê outra vez este parágrafo’ disse-me apontando-o no livro.
Para além da sua preparação especializada - e porque ele é homem antes de arquitecto - que ele procure conhecer não apenas os problemas dos seus mais directos colaboradores, mas os do homem em geral. Que a par de um intenso e necessário especialismo ele coloque um profundo e indispensável humanismo. Que seja assim o arquitecto - homem entre os homens - organizador do espaço - criador de felicidade.
Houve silêncio novamente. Pensei para comigo, e muito de lá de dentro, 'que raio de filha putice nos fez a vida que nos transformou nesta estirpe de cínicos optimistas? Foda-se! Eu queria acreditar nesta merda com o mesmo entusiasmo, a mesma naturalidade, a mesma identificação que senti quando o li há 10 anos atrás e não consigo!'

Sobre a posição do arquitecto
Quereríamos agora, e como epílogo, escrever algumas curtas palavras sobre a posição do arquitecto. Evidentemente que não é ele o único responsável pelo que acontece no espaço organizado, mas atendendo à importância de que a sua posição se reveste nesta matéria não nos parece que estas palavras últimas possam ser despropositadas.
Tal como é, tal o homem organiza o seu espaço; a um indivíduo e a uma sociedade em equilíbrio correspondem um espaço harmónico; a um indivíduo e a uma sociedade em desequilíbrio corresponde a desarmonia do espaço organizado. A forma criada pelo homem é prolongamento dele - com as suas qualidades e com os seus defeitos.
Todo o homem cria formas, todo o homem organiza o espaço e se as formas são condicionadas pela circunstância, elas criam igualmente circunstância, ou ainda, a organização do espaço sendo condicionada é também condicionante.
O arquitecto, pela sua profissão, é por excelência um criador de formas, um organizador do espaço; mas as formas que cria, os espaços que organiza, mantendo relações com a circunstância, criam circunstância e havendo na acção do arquitecto possibilidade de escolher, possibilidade de selecção, há fatalmente drama.
Porque cria circunstância - positiva ou negativa - a sua acção pode ser benéfica ou maléfica e daí que as suas decisões não possam ser tomadas com leviandade ou em face de uma visão parcial dos problemas ou por atitude egoísta de pura e simples satisfação pessoal. Antes de arquitecto, o arquitecto é homem, e homem que utiliza a sua profissão como um instrumento em benefício dos outros homens, da sociedade a que pertence.
Porque é homem e porque a sua acção não é fatalmente determinada, ele deve procurar criar aquelas formas que melhor serviço possam prestar quer à sociedade quer ao seu semelhante, e para tal a sua acção implicará, para além do drama da escolha, um sentido, um alvo, um desejo permanente de servir.
Os seus campos de actividade são múltiplos - porque múltiplas são as facetas do espaço organizado. Projecta e realiza edifícios, dedica-se ao planeamento do território a escalas várias, desenha mobiliário.
Para ele, porém, projectar, planear, desenhar, devem significar apenas encontrar a forma justa, a forma correcta, a forma que realiza com eficiência e beleza a síntese entre o necessário e o possível, tendo em atenção que essa forma vai ter uma vida, vai constituir circunstância.
Sendo assim, projectar, planear, desenhar, não deverão traduzir-se para o arquitecto na criação de formas vazias de sentido, impostas por capricho da moda ou por capricho de qualquer outra natureza. As formas que ele criará deverão resultar, antes, de um equilíbrio sábio entre a sua visão pessoal e a circunstância que o envolve e para tanto deverá ele conhecê-la intensamente, tão intensamente que conhecer e ser se confundem.
E da circunstância deverá ele contrariar os aspectos negativos e valorizar os aspectos positivos, o que significa, afinal, educar e colaborar. E colaborará e educará também com a sua obra realizada.
A sua posição será, portanto, de permanente aluno e de permanente educador; como tal saberá ouvir, considerar, escolher - e também castigar.
Não se suponha ele o demiurgo, o único, o génio do espaço organizado - outros participam também na organização do espaço. Há que atendê-los e colaborar com eles na obra comum.
Para além da sua preparação especializada - e porque ele é homem antes de arquitecto - que ele procure conhecer não apenas os problemas dos seus mais directos colaboradores, mas os do homem em geral. Que a par de um intenso e necessário especialismo ele coloque um profundo e indispensável humanismo.
Que seja assim o arquitecto - homem entre os homens - organizador do espaço - criador de felicidade.

Da Organização do Espaço (FAUP Publicações), Fernando Távora

é o que é

Hoje li um texto de um amigo no qual ele se perguntava sobre a volatilidade das relações humanas. Notei-lhe uma nostalgia no discurso, como se por períodos de tempo tivesse criado um laço extremamente forte com alguém e hoje, apesar do carinho e da memória (daí a nostalgia), essa mesma pessoa pura e simplesmente não existisse na sua vida.
A única coisa que me ocorreu dizer-lhe foi que a vida é tal e qual uma peça de teatro. Existe o palco e existem os actores. Existe cena e cenário que se sucedem repetidamente. Existem todos os tipos de registo, do cómico ao trágico, do sádico ao hedonista. Os actores vão entrando e saindo de cena. Alguns deles persistem dumas para outras, avançam acto após acto, outros entram por segundos e saem imediatamente do quadro, mas só um permanece naquela peça em específico. Esse um sou eu, é ele, é cada um de nós na sua respectiva peça… até ao dia em que o electricista resolva apagar as luzes do palco e a acção passe a ser outra coisa qualquer que não cabe nesta metáfora.
Não há nostalgia, é pura e simplesmente a mecânica da vida.

life doesn't rime...

Dive, Andrea Gibson

quarta-feira, janeiro 07, 2009

este blogue faz hoje 3 anos
*
apesar de pouco activo continua a ser aquilo a que se propôs:
o diário partilhado de duas pessoas que se gostam muito.
*
não há posts ao ritmo do primeiro ano,
mas a amizade, o amor e o carinho entre nós continuam intactos.
*
portanto,
há mais que razões para festejar!
*
bom 2009

segunda-feira, janeiro 05, 2009

rirmo-nos uns dos outros

A comunicação ou a falta dela parece-me o paradigma desta exposição. Circula-se em torno destas figurinhas simpáticas e apercebemo-nos imediatamente que fazemos parte de um grande absurdo. Algo bem real e presente de forma vincada no quotidiano. No fundo a instalação nada ironiza, bem pelo contrário. O ponto de reflexão que ela coloca ultrapassa o grau de ironia pura e simplista e talvez seja a tirada cínica mais interessante que me deparei nos últimos tempos: não há 'blá-blá' que resulte, não há palavra que permaneça, tudo é tão gritado e inaudível, que não nos resta outra opção se não o riso, a boa gargalhada universal. A capacidade de percebermos que o desperdício energético dispensado nas nossas pequenas assembleias (em tudo idênticas às dos chinesinhos de Muñoz) se remata com o riso. O mesmo riso que se está nas tintas para a discussão do sexo dos anjos ou para a relatividade das opiniões e das verdades. É quase certo o não acaso do diálogo entre duas das figuras numa das salas do museu (onde se diz coisa nenhuma) ou o facto de no átrio outras duas estarem suspensas pela língua. Há um bom e velho ditado que diz que pela boca morre o peixe!
Já agora, alguém reparou nos punhais colocados atrás dos corrimões?