quarta-feira, janeiro 28, 2009

falar pelo olhar de um cão

'Perro semihundido', 1819-1823, Museu do Prado, Madrid, Francisco Goya



Ninguém escapa às intermitências da vida. De modos mais ou menos hábeis contornamos sempre os acontecimentos por mais profundos e dolorosos que possam parecer.
Há meses que não sinto vontade de escrever. Pior! Há meses que não tenho nada para dizer. Tenho reflectido sobre a minha mudez… que verdade seja dita, não passa apenas pela escrita. É literalmente uma mudez verbal e social. A vida tirou-me o meu pai em Agosto. A minha avó em Janeiro. Silenciou-me. Calou-me. Emudeceu-me. Tudo o que me esforcei por acreditar durante anos ruiu. Deixou de fazer sentido. Não sei nada sobre a existência. Mas eu achava que sabia (!), este blogue é testemunho vivo das minhas presumíveis verdades.
Não é uma queixa ou um lamento que deixo neste texto. Não, não é nada disso! Não tolero os meus lamentos como não tolero os lamentos dos outros. Ganhei aversão a gente queixosa. Sinto pena e remorso de todas as situações em que me vesti de vítima. Chego a ter ódio à forma dramática como vivi alguns episódios da minha vida. Cortei relações com grande parte dos poetas. Acho-os insuportáveis. É ridícula a extravagância das palavras e mais ridícula a forma imponderada da sua utilização. Deviam sentir a dor de um martelo de chumbo a bater-lhes nos dedos antes de escreverem a mais inócua das vogais.
Garanto-vos, este texto não é um lamento. Também não é um grito. É pura e simplesmente um atestado de ignorância. A constatação de que nada sei sobre a condição humana. Nos escombros das minhas certezas existe apenas uma que me esforço por não deixar ruir – a certeza de que acredito no amor. Repito-o diariamente com toda a convicção. Se não o fizer, e usando palavras que não são minhas, ‘incorro no maior dos pecados’. Estaria, por opção, a sobreviver no lugar de viver. Talvez seja por isso que não sinto pecado no cão do Goya. Há uma candura naquele colocar de focinho que determina esperança, como se para lá do fogo e do breu existisse uma luz tão pura e tão verdadeira que proibi-la ou rejeitá-la não seria digno de perdão. O cão do Goya não me parece nada preocupado em perceber o sentido da vida, no entanto, o seu olhar, diz-me que sabe tudo.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Brasil...

Minha Lu, se há coisa que o teu país faz bem é música! Não só faz, como refaz e recicla com esta qualidade... e exporta, exporta muito! (Os tugas deviam aprender algumas coisas convosco nesta matéria.)

Cajuína (Caetano Veloso), Cibelle

domingo, janeiro 11, 2009

ainda bem que nevou...
não me lembrava de sair à rua e ver toda a gente a sorrir

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Cínico Optimista

Passaram dez anos desde que li este texto pela primeira vez. Na altura, não sei se prestei atenção suficiente ao conteúdo, mas a impressão geral que tinha do livro e que permaneceu na minha memória era francamente positiva. É sem dúvida um texto carregado de esperança, bom para qualquer aluno que inicia um percurso académico com paixão. O entusiasmo sai sublinhado depois da leitura.
Hoje, e porque me lembrei que no Távora talvez encontrasse uma referência que necessitava, reli-o. No fim de o ler (para dentro) disse à Ana: ‘deixa lá ler-te isto’. E li-o novamente em voz alta. Após a leitura ficou um silêncio um pouco constrangedor no escritório. Perguntei-lhe…’que dizes disto?’. Ela respondeu… ‘é bíblico’… silêncio no escritório novamente. ‘Lê outra vez este parágrafo’ disse-me apontando-o no livro.
Para além da sua preparação especializada - e porque ele é homem antes de arquitecto - que ele procure conhecer não apenas os problemas dos seus mais directos colaboradores, mas os do homem em geral. Que a par de um intenso e necessário especialismo ele coloque um profundo e indispensável humanismo. Que seja assim o arquitecto - homem entre os homens - organizador do espaço - criador de felicidade.
Houve silêncio novamente. Pensei para comigo, e muito de lá de dentro, 'que raio de filha putice nos fez a vida que nos transformou nesta estirpe de cínicos optimistas? Foda-se! Eu queria acreditar nesta merda com o mesmo entusiasmo, a mesma naturalidade, a mesma identificação que senti quando o li há 10 anos atrás e não consigo!'

Sobre a posição do arquitecto
Quereríamos agora, e como epílogo, escrever algumas curtas palavras sobre a posição do arquitecto. Evidentemente que não é ele o único responsável pelo que acontece no espaço organizado, mas atendendo à importância de que a sua posição se reveste nesta matéria não nos parece que estas palavras últimas possam ser despropositadas.
Tal como é, tal o homem organiza o seu espaço; a um indivíduo e a uma sociedade em equilíbrio correspondem um espaço harmónico; a um indivíduo e a uma sociedade em desequilíbrio corresponde a desarmonia do espaço organizado. A forma criada pelo homem é prolongamento dele - com as suas qualidades e com os seus defeitos.
Todo o homem cria formas, todo o homem organiza o espaço e se as formas são condicionadas pela circunstância, elas criam igualmente circunstância, ou ainda, a organização do espaço sendo condicionada é também condicionante.
O arquitecto, pela sua profissão, é por excelência um criador de formas, um organizador do espaço; mas as formas que cria, os espaços que organiza, mantendo relações com a circunstância, criam circunstância e havendo na acção do arquitecto possibilidade de escolher, possibilidade de selecção, há fatalmente drama.
Porque cria circunstância - positiva ou negativa - a sua acção pode ser benéfica ou maléfica e daí que as suas decisões não possam ser tomadas com leviandade ou em face de uma visão parcial dos problemas ou por atitude egoísta de pura e simples satisfação pessoal. Antes de arquitecto, o arquitecto é homem, e homem que utiliza a sua profissão como um instrumento em benefício dos outros homens, da sociedade a que pertence.
Porque é homem e porque a sua acção não é fatalmente determinada, ele deve procurar criar aquelas formas que melhor serviço possam prestar quer à sociedade quer ao seu semelhante, e para tal a sua acção implicará, para além do drama da escolha, um sentido, um alvo, um desejo permanente de servir.
Os seus campos de actividade são múltiplos - porque múltiplas são as facetas do espaço organizado. Projecta e realiza edifícios, dedica-se ao planeamento do território a escalas várias, desenha mobiliário.
Para ele, porém, projectar, planear, desenhar, devem significar apenas encontrar a forma justa, a forma correcta, a forma que realiza com eficiência e beleza a síntese entre o necessário e o possível, tendo em atenção que essa forma vai ter uma vida, vai constituir circunstância.
Sendo assim, projectar, planear, desenhar, não deverão traduzir-se para o arquitecto na criação de formas vazias de sentido, impostas por capricho da moda ou por capricho de qualquer outra natureza. As formas que ele criará deverão resultar, antes, de um equilíbrio sábio entre a sua visão pessoal e a circunstância que o envolve e para tanto deverá ele conhecê-la intensamente, tão intensamente que conhecer e ser se confundem.
E da circunstância deverá ele contrariar os aspectos negativos e valorizar os aspectos positivos, o que significa, afinal, educar e colaborar. E colaborará e educará também com a sua obra realizada.
A sua posição será, portanto, de permanente aluno e de permanente educador; como tal saberá ouvir, considerar, escolher - e também castigar.
Não se suponha ele o demiurgo, o único, o génio do espaço organizado - outros participam também na organização do espaço. Há que atendê-los e colaborar com eles na obra comum.
Para além da sua preparação especializada - e porque ele é homem antes de arquitecto - que ele procure conhecer não apenas os problemas dos seus mais directos colaboradores, mas os do homem em geral. Que a par de um intenso e necessário especialismo ele coloque um profundo e indispensável humanismo.
Que seja assim o arquitecto - homem entre os homens - organizador do espaço - criador de felicidade.

Da Organização do Espaço (FAUP Publicações), Fernando Távora

é o que é

Hoje li um texto de um amigo no qual ele se perguntava sobre a volatilidade das relações humanas. Notei-lhe uma nostalgia no discurso, como se por períodos de tempo tivesse criado um laço extremamente forte com alguém e hoje, apesar do carinho e da memória (daí a nostalgia), essa mesma pessoa pura e simplesmente não existisse na sua vida.
A única coisa que me ocorreu dizer-lhe foi que a vida é tal e qual uma peça de teatro. Existe o palco e existem os actores. Existe cena e cenário que se sucedem repetidamente. Existem todos os tipos de registo, do cómico ao trágico, do sádico ao hedonista. Os actores vão entrando e saindo de cena. Alguns deles persistem dumas para outras, avançam acto após acto, outros entram por segundos e saem imediatamente do quadro, mas só um permanece naquela peça em específico. Esse um sou eu, é ele, é cada um de nós na sua respectiva peça… até ao dia em que o electricista resolva apagar as luzes do palco e a acção passe a ser outra coisa qualquer que não cabe nesta metáfora.
Não há nostalgia, é pura e simplesmente a mecânica da vida.

life doesn't rime...

Dive, Andrea Gibson

quarta-feira, janeiro 07, 2009

este blogue faz hoje 3 anos
*
apesar de pouco activo continua a ser aquilo a que se propôs:
o diário partilhado de duas pessoas que se gostam muito.
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não há posts ao ritmo do primeiro ano,
mas a amizade, o amor e o carinho entre nós continuam intactos.
*
portanto,
há mais que razões para festejar!
*
bom 2009

segunda-feira, janeiro 05, 2009

rirmo-nos uns dos outros

A comunicação ou a falta dela parece-me o paradigma desta exposição. Circula-se em torno destas figurinhas simpáticas e apercebemo-nos imediatamente que fazemos parte de um grande absurdo. Algo bem real e presente de forma vincada no quotidiano. No fundo a instalação nada ironiza, bem pelo contrário. O ponto de reflexão que ela coloca ultrapassa o grau de ironia pura e simplista e talvez seja a tirada cínica mais interessante que me deparei nos últimos tempos: não há 'blá-blá' que resulte, não há palavra que permaneça, tudo é tão gritado e inaudível, que não nos resta outra opção se não o riso, a boa gargalhada universal. A capacidade de percebermos que o desperdício energético dispensado nas nossas pequenas assembleias (em tudo idênticas às dos chinesinhos de Muñoz) se remata com o riso. O mesmo riso que se está nas tintas para a discussão do sexo dos anjos ou para a relatividade das opiniões e das verdades. É quase certo o não acaso do diálogo entre duas das figuras numa das salas do museu (onde se diz coisa nenhuma) ou o facto de no átrio outras duas estarem suspensas pela língua. Há um bom e velho ditado que diz que pela boca morre o peixe!
Já agora, alguém reparou nos punhais colocados atrás dos corrimões?