sexta-feira, junho 29, 2007

Na estante (10)

Meu Vítor,

Trouxe um pouco de Lady Lazarus para dialogar com Woolf. Eram, certamente, almas afins.

Achava que não podia ser magoada
(Sylvia Plath)

Achava que não podia ser magoada;
achava que com certeza era
imune ao sofrimento —
imune às dores do espírito
ou à agonia.

Meu mundo tinha o calor do sol de abril
Meus pensamentos, salpicados de verde e ouro.
Minha alma em êxtase, ainda assim
conheceu a dor suave e aguda que só o prazer
pode conter.

Minha alma planava sobre as gaivotas
que, ofegantes, tão alto se lançando,
lá no topo pareciam roçar suas asas
farfalhantes no teto azul
do céu.

(Como é frágil o coração humano —
um latejar, um frêmito —
um frágil, luzente instrumento
de cristal que chora
ou canta.)

Então de súbito meu mundo escureceu
E as trevas encobriram minha alegria.
Restou uma ausência triste e doída
Onde mãos sem cuidado tocaram
e destruíram

minha teia prateada de felicidade.
As mãos estacaram, atônitas.
Mãos que me amavam, choraram ao ver
os destroços do meu firmamento.

(Como é frágil o coração humano —
espelhado poço de pensamentos.
Tão profundo e trêmulo instrumento
de vidro, que canta
ou chora.)

quarta-feira, junho 27, 2007

sublinhado (61)

Os ponteiros do relógio tinham parado no momento presente. Era agora. Nós mesmos.
Afinal era esse o jogo dela! Desmascarar-nos, como somos, aqui e agora. Todos se agitaram, se compuseram, se adoçaram; as mãos erguiam-se, pernas mudavam de posição. Mesmo Bart, mesmo Lucy, desviavam o olhar. Todos se evitavam ou se abrigavam - excepto a Sra. Manresa que, confrontando-se no cristal, o usou como espelho; tirou o seu espelhinho; empoou o nariz; moveu um caracol, perturbado pela brisa, para o seu lugar.
«Magnífico!» exclamou o velho Bartholomew. Só ela conservava sem vergonha a sua identidade, e enfrentara-a sem um piscar de olhos. Calmamente ela avermelhou os lábios. (pág. 131)
Entre os actos (Cotovia), Virginia Woolf

nota do dia (14)

porquê? ora... porque sim.

domingo, junho 24, 2007

imagens que se colam ao peito (21)

"Anunciação", 1437-1446, Florença, Itália, Fra Angelico

terça-feira, junho 19, 2007

que é o medo?

"Qualquer coisa como o colesterol do intelecto. Excesso de actividade pensante. Um inconsciente, mais que não pensar, não teme. No caso do consciente, a pergunta que se deve pôr é: será que a coisa vai lá com uma lipo?"

segunda-feira, junho 18, 2007

nota do dia (13)

há muitas coisas sobre as quais eu adoraria escrever. mas hoje não posso.

domingo, junho 17, 2007

Onde falta memória, sobra imaginação.

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Fonte: Revista Caros Amigos
Estou feliz de poder testemunhar o aniversário de 80 anos de Ariano Suassuna. Não é sempre que podemos celebrar uma referência que admiramos ainda em vida.
Sim, ele vive "lúcido" e "louco" no Recife. Ele inscreve na história da nossa literatura sua assinatura peculiar e poderosa. É, sem dúvida nenhuma, nosso cancioneiro popular. Obteve êxito na sua busca por uma estética genuinamente nacional com a brasilidade de nossa diversidade.
Ariano trabalha há mais de meio século por uma linguagem de unidade profunda, com raízes míticas, diria mesmo demiúrgicas. Sua obra caminha para uma cosmogonia, unindo teatro, poesia e romance. Soube como pouco pincelar sua ficção com notas biográficas que lhe marcaram a história pessoal e transformou-o em quem ele é.
Lembro, há alguns anos atrás, com muito entusiasmo e emoção de quando falou sobre O Romance da Pedra do Reino, esse que segundo o próprio Suassuna, é o grande romance representativo de sua literatura. Lembro de sua voz trêmula dizendo do medo que sentia de morrer, porque ele achava que não poderia terminar sua jornada antes de concluir a Pedra do Reino e agora que percebia que ela estava definitivamente escrita, talvez o sentido de sua vida tivesse chegado ao fim.
Para nossa felicidade - a minha em particular - sua vida está longe de perder o sentido. Ariano é ainda um jovem, tem grande fome de escrever e prazer em ministrar suas aulas, mesmo que este não seja mais o seu ofício... se é que quem tem compromisso com a cultura algum dia deixe de ter o ensino como ofício.
Ariano inspirou, na década de 70, o Movimento Armorial que tinha por objetivo valorizar a cultura popular do nordeste brasileiro e estava interessado na pintura, música, literatura, cerâmica, dança, escultura, tapeçaria, arquitetura, teatro, gravura e cinema. São também importantes para o Movimento Armorial, os espetáculos populares do Nordeste, encenados ao ar livre, com personagens míticas, cantos, roupagens principescas feitas a partir de farrapos, músicas, animais misteriosos como o boi e o cavalo-marinho do bumba-meu-boi.
O mamulengo ou teatro de bonecos nordestino também é uma fonte de inspiração para o Movimento, que procura além da dramaturgia, um modo brasileiro de encenação e representação.
A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos "folhetos" do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus "cantares", e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados".
Ariano Suassuna, Jornal da Semana, Recife, 20 maio 1975.
Acho que não é muito devaneio de minha parte dizer que a Pedra do Reino está para Ariano assim como D. Quixote está para Cervantes. A Pedra do Reino é a epopéia brasileira, o romance de cavalaria nordestino e Pedro Quaderna nosso mito Sebastianístico:
Aqui morava um rei
Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.

sábado, junho 16, 2007

Confessionário (46)

Minha amiga, desculpa-me a ausência mas tem-me faltado tempo e energia para a escrita ultimamente. Talvez estes últimos meses tenham sido agitados demais, talvez a velocidade dos acontecimentos me roube toda a atenção e concentração para que num futuro próximo possa ter a liberdade de emitir novamente.
Tenho reparado que há ciclos bem delineados na minha vida e muito semelhantes entre si. Há períodos em que me sinto todo emissor, a vontade de comunicar excede-me sem que possua algum controlo sobre ela. Outros há em que quase não consigo abrir a boca ou escrever uma palavra. São períodos esponja, em que absorvo tudo à minha volta, umas vezes de um modo suave e contemplativo, outras de forma violenta e inesperada. Nestas fases a vontade de comunicar reduz-se, quase que se anula; é como se a minha meteorologia interior anunciasse um longo período de chuvas e aguaceiros, obrigando-me a ficar em casa escutando as paredes e os mais insignificantes ruídos dos objectos. Toda a informação, mesmo a desnecessária, vai entrando e procurando o seu lugar na minha cabeça e enquanto a poeira não assenta não vale a pena comunicar porque na certa a mensagem passará um código viciado.
Os períodos esponja não me fazem mal, são-me até absolutamente necessários. Constituem uma espécie de ecoponto onde estabeleço uma primeira triagem antes de cada material seguir o seu caminho específico de reciclagem. Na adolescência detestava estes períodos. Normalmente surgiam acompanhados de uma melancolia e inércia que me matavam. Hoje em dia não me causam pânico algum, até me dão prazer. Devo ter perdido o medo da reflexão e com ele uma catrefada de angústias adjacentes. Tranquilo…
Tudo isto, minha amiga, para te dizer que o Lavoisier não era parvo de todo e que aquela história de que tudo se transforma não é nenhuma lenga-lenga sem sentido. Ao ler afirmações como esta “Perdi a capacidade de me espantar e por conseqüência não sinto mais as pernas bambas, o coração acelerado, a respiração ofegante... não acredito mais em borboletas batendo asas dentro da minha barriga.” sinto-me na obrigação de te dizer, como bom amigo que sabes que sou, que também tu me pareces estar a atravessar a mesma fase do ecoponto, ainda que a violência dos factos gere uma desilusão tal capaz de te fazer perder a fé por momentos. Há uma Luciana amplamente propulsora e sonhadora aí por Brasília… eu li-a em muitas cartas e vi-a nitidamente à minha frente nas longas conversas que tivemos. As borboletas vão bater asas dentro da barriga não tarda nada… e eu serei uma das primeiras pessoas a testemunhar esse grande acontecimento. (e não te peço desculpa pela minha presunção, porque a nossa amizade dá-me esse direito)
Como a nossa Lia diria, um beijo na alma cheio de saudades.
O teu Vítor.

sexta-feira, junho 15, 2007

Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão.
(Choro Bandido, Chico Buarque e Edu Lobo)

Há tempos não me encanto tanto com um filme... tenho visto muito cinema, alguns bons filmes, outros nem tanto, outros ainda absolutamente desnecessários, uma total perda de tempo e desperdício de talento.
Mas Guillermo Del Toro em seu O Labirinto do Fauno conseguiu unir cinema com um belíssimo roteiro, imagem e palavra num casamento harmonioso e brutalmente delicado.
Na minha leitura leiga, pude identificar um pouco de Proust em sua busca do tempo perdido, outro tanto do poder encantatório de Sherazade e um bocado da historiografia dos regimes ditatoriais.
A dor e o sofrimento estão para a "realidade" assim como o mágico está para a ficção. E a vida oscila entre o sonho e a opressão; o real e o mágico; a morte e a redenção, ou seja, um jogo de constante catarse.
A ficção representada no realismo fantástico não simboliza em momento algum um fuga ou escapismo da realidade, mas sim uma forma de suportar as misérias humanas.
O conto de fadas que conduz a narrativa representa um mundo (dentre muitos) de possibilidades de se acreditar no cotidiano pétreo; é um caminho possível de manter a fé na transformação da vida.

sábado, junho 09, 2007

Garrafas ao mar (3)

Perdi a capacidade de me espantar e por conseqüência não sinto mais as pernas bambas, o coração acelerado, a respiração ofegante... não acredito mais em borboletas batendo asas dentro da minha barriga.

As matriarcas (9)

Semana Santa na cidade do interior é um acontecimento. Tudo se volta para o evento, todos se agitam para que não haja falhas.
A fé se evidencia, as pessoas tornam-se mais solidárias, a cidade ferve. Todos colaboram de alguma forma.
As crianças enfeitam as ruas com bandeirolas coloridas. Ficamos dias recortando papéis e enfileirando-os em barbantes muito compridos, depois cruzamos as ruas desenhando os caminhos da procissão do Senhor Morto.
Antes da grande festa, acontecem novenas e via-sacra. As pessoas reúnem-se nas casas com muita reza e cantoria. As salas ficam lotadas, com gente sentada até no chão. No começo, a concentração é grande, mas passada a primeira meia hora, as crianças tornam-se inquietas como se estivessem sentadas sobre formigueiros, os mais velhos adormecem e a cada instante são acordados aos cutucões.
Lá em casa é sempre uma comédia. Vovó Totonha puxa a reza. Vovô, nas poucas ocasiões em que me recordo de sua presença, dorme e quando começa a roncar, vovó belisca seu braço, o que faz com que desperte assustado. Tia Margarida, mamãe e eu não agüentamos a cena e damos muita risada. Os olhos de vovó e da bisa faíscam e rapidamente fazemos cara de sérias.
O que compensa os mais de sessenta minutos de castigo é certamente o lanche. Sempre tem comidas deliciosas ao término das novenas. Que Deus me perdoe, mas acho – com raras exceções – que aquele povaréu só aparece para comer.
Estava tudo pronto para a procissão da quarta-feira de cinzas. Eu jamais me esquecerei desse dia enquanto eu viver.
Tia Margarida caiu doente com uma gripe forte e por isso não poderia participar. Ela estava visivelmente chateada porque não poderia fazer o papel de Verônica. Foi preciso que vovó lhe desse um calmante. Somente depois que ela adormeceu é que saímos para a rua.
Tudo ia bem, mas de repente o céu ficou fechado, muito cinza e uma chuva torrencial começou a cair. Foi bem na hora em que Verônica enxugaria a face de Jesus.
Lá no fim da rua, um vulto todo vestido de branco vinha gritando: era Tia Margarida. Ela vestia sua camisola de linho e trazia um lençol nas mãos. Aproximou-se de “Jesus” e começou a enxugar-lhe rosto.
Vovó Totonha ficou paralisada.
A chuva molhou a camisola de tia Margarida e todos podiam ver seus seios.
Do mesmo jeito que chegou, ela foi embora: correndo e gritando.
Saímos atrás dela e quando chegamos à casa, ela estava no quintal, dançando e cantando em êxtase, num transe total.
Olhei para vovó Totonha e foi a primeira vez que a vi chorar. Suas lágrimas confundiam-se com as gotas da chuva.

sexta-feira, junho 08, 2007

nota do dia (12)

quase novo.

quarta-feira, junho 06, 2007

nota do dia (11)

estou farto desta maldita amigdalite que me obriga a hibernar cheio de frio quando me dizem que está um calor de verão lá fora.

sexta-feira, junho 01, 2007

nota do dia (10)

hoje nem as nuvens conseguem apagar a força da lua.