terça-feira, julho 31, 2007

nota do dia (17)

primeiro Bergman, depois Antonioni... (será que por lá eles se chamam uns aos outros?)

Porque os morangos serão sempre silvestres

Singela homenagem a Ingmar Bergman

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domingo, julho 29, 2007

Uma dose de ópio, por favor. On the rocks!

Quatro das cinqüenta e uma medalhas de ouro que conquistamos até agora nos Jogos Panamericanos.
Tiago Pereira, natação.
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Diego Hipólito, ginástica olímpica.
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As meninas da ginática rítmica.
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Os meninos do vôlei.
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terça-feira, julho 24, 2007

nota do dia (16)

obrigado amiga pelo cartão. foi o mais bonito que recebi até hoje. sabes que estou sempre contigo.

quarta-feira, julho 18, 2007

Radiola (9)

Devido aos últimos acontecimentos (escândalos, corrupção, crise ética, desvio de dinheiro, violência, ...) na terrinha, senti vontade de ouvir essa "musiquinha". Quem sabe assim eu me recorde que apesar de tudo ainda é bom ser brasileira.

Hino Nacional do Brasil

(Joaquim Osório Duque Estrada - Francisco Manuel da Silva)

I
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da Pátria nesse instante.

Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó Liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança a terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza

Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Brasil!

II
Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
“Nossos bosques têm mais vida",
“Nossa vida" no teu seio "mais amores".

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro desta flâmula
- Paz no futuro e glória no passado.

Mas, se ergues da justiça à clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Brasil!

nota do dia (15)

não sinto necessidade de outra forma de publicação que não esta.

terça-feira, julho 17, 2007

Um homem que a uma mulher cita palavras de escol com intuito encoberto de a alucinar para de seguida a foder, na realidade não quer foder a mulher, quer foder as letras que citou. E ela sabe, porque é a criadora oculta das letras citadas, o ser grotesco do verbo completo. Não por acaso ela é a mulher; ao cimo das catedrais erectas essa gárgula maldita sempre vigilante.

quinta-feira, julho 12, 2007

Confessionário (47)

Querido Vítor,

Nem me recordo a última vez que escrevi tranquilamente como agora, sentada diante a mesa com minha caneta e bloco de anotações, completamente consciente e envolvida com o ato de comunicar algo. Ultimamente era ligar o computador e escrever direto na tela, coisa que abomino. Para mim, as palavras só fazem sentido quando as rabisco. I know, I’m oldfashioned.
Além disso, estive adoentada. Estou fazendo uma série de exames, mas acho que até o final de julho termino o tratamento. Sobrei isso depois te escrevo.
Sobre Lavoisier, parece que pelas bandas de cá do Atlântico as coisas transformam-se da pior maneira possível... numa música da Rita Lee (que o meu João adora, por motivos óbvios) , tem um refrãozinho que diz assim: “tudo vira bosta”. No Brasil, os donos do poder, os reis da corrupção têm o dom de Midas às avessas: tudo o que eles tocam, salvo raríssimas exceções, vira merda. Lavoisier aqui mostra seu lado putrefato, os cadáveres, em breve, transformar-se-ão em vermes. Tomara que pelo menos nessa forma, eles tenham alguma utilidade; que sirvam, ao menos, de adubo de boa qualidade.
Tirando o caos político (será que sobra alguma coisa?), minha vida nunca foi tão monotemática. Estudo para concursos, faço uma revisão aqui, outra acolá; presto serviços a uma pequena produtora de vídeo e para um instituto de pesquisa da Universidade de Brasília. Nas horas vagas, quando vagam, aperfeiçôo meus conhecimentos culinários. Quem sabe não abro um bistrô, hã?
Ontem, eu vi Sobre meninos e lobos, do Clint Eastwood. Filme bacana, meu amigo. Existe uma leitura à la Taine de que alguns aspectos de nossas vidas são determinados (e determinantes!) por experiências marcantes. Elas aderem à nossa pele e tornam-se as digitais da nossa alma. Acho que aí está contida a idéia acerca de uma das garrafas que lancei ao mar: não existem mais borboletas a bater asas. Há coisas definitivas, meu Vítor, e esta é uma delas. Terei que aprender esta emoção de outra maneira. Quem sabe não possa ouvir o som das asas de um beija-flor?
Sabe, tenho sentido tanta falta da Clarice Lispector. Sinto que ela me chama em som absolutamente audível. Eu digo que ela me espere, que tenha paciência e uma boa dose de compaixão par com meus neurônios, mas o chamado está cada vez mais freqüente.
Ah, deixa-me dizer-te de novo que estou exultante em vê-lo às voltas com A.G. Reler o De gênese tem sido um exercício gratificante... e no principio era o medo. Ah, Vítor, sempre o mesmo medo.
Tomei uma decisão e pretendo colocá-la em prática até o fim do ano, no mais tardar. Resolvi olhar o medo nos olhos e enfrentá-lo. Acredito que essa seja a única maneira de me libertar de uma vez por todas dos meus fantasmas do passado.
Esqueci de mencionar que no mês passado ganhei o 2° lugar num concurso literário que participei na categoria poesia. Foi uma alegria incrível, uma sensação de ser ouvida e entendida. Sentir que o que escrevo desperta algum interesse é algo reconfortante.
Ando um pouco farta da falta da polifonia, da incomunicabilidade. Não percebo interesse no debate das idéias, na troca de conhecimento. O mundo anda preocupado com outras questões. Não me agrada o fato de produzir vitrines tão somente, mas isso é assunto para outra conversa.
Desculpe se o confessionário de hoje mais parece uma carta, mas ando saudosa de uma boa correspondência, como se diz por aqui, de uma boa prosa.
Desculpe também meus longos intervalos. Sei bem que não me cobrar nada nem me fazes pressão, mas sinto-me em débito.
Querido, a noite já vai alta e preciso dormir.
Beijos,
Tua Lu.

imagens que se colam ao peito (23)

Seascapes, 1980/95, Hiroshi Sugimoto

O teatro da repetição opõe-se ao teatro da representação, como o movimento se opõe ao conceito e à representação que o relaciona com o conceito. No teatro da repetição experimentamos forças puras, traçados dinâmicos no espaço que, sem intermediário, agem sobre o espírito, unindo-o directamente à natureza e à história; uma linguagem que fala antes das palavras, gestos que se elaboram antes dos corpos organizados, máscaras antes das faces, espectros e fantasmas antes das personagens - todo o aparelho da repetição como «potência terrível».

Différence et Répétition, Gilles Deleuze


sublinhado (67)

«Os hipócritas desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. [...] Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas de teu pai que está ao corrente do segredo...» (Mt., 6, 16-17).
Não estará talvez aqui o imenso e incessante convite à íntima libertação que é o esquecimento total de si, de um ego magnetizado pelos espelhos invertidos da psicologia e do social, despojamento do que engana e faz tropeçar o espírito para adquirir o pé ligeiro, o ritmo feliz, o dispensador de felicidade dos santos? Fora com as roupas, para o chão, no solo do episcopado, o amor perfeito exige plena soltura dos laços do calculável e do aparente, do passional e do aprovado, e é nem mais nem menos este o último sentido do dar o que se tem aos pobres, renegar-se a si próprio, pegar na cruz e seguir o voo daquele passo, estender a outra face e liquidar as dívidas. A ladainha famosa chamada da humildade, composta há meio século por um altíssimo dignitário da igreja romana («Do desejo de ser estimado... louvado... honrado... consultado... aprovado... do temor de ser desprezado... rejeitado... esquecido... troçado... suspeitado... liberta-me, Jesus»), deveria na realidade chamar-se ladainha da regeneração, da libertação gaudiosa, daquela santa indiferença de que a virtude central da humildade é condição e consequência, semente e fruto completo. Grande e delicada é a sprezzatura de certos mendicantes, em cujos olhos resplandece uma liberdade tão soberana que dar-lhes a oferta mais insignificante é inesperadamente um milagre que se recebe. (págs. 115 e 116)
Os Imperdoáveis (Assírio & Alvim), Cristina Campo

quarta-feira, julho 11, 2007

sublinhado (66)

Hoje a nenhum leitor é permitido ler alguma coisa sem se justificar. Mas convém-lhe, tal como àquele [o chinês da revolta dos Boxers que lia um livro enquanto esperava a guilhotina], ficar calado. Se proferisse uma só palavra sobre as razões da sua leitura, acabaria por ser, para usar um eufemismo, impedido de continuá-la. Porquê? Em primeiro lugar é um puro milagre que lhe tenha chegado às mãos aquele livro. Como diz Marianne Moore de um eminente poeta de hoje: «Ele é repreendido pela sua arte perfeita; o escritor já não pode ser excelente na sua obra sem ser como o cão de Coriolano, a quem se bate tanto por ladrar como para que o faça». (pág. 79)
Os Imperdoáveis (Assírio & Alvim), Cristina Campo

'Anger Management'

'Anger Management'... nada contra, são opiniões e o artigo até me faz algum sentido... mas no post imediatamente a seguir dizer o contrário: Um projecto para a vida que ando a desenvolver com Th.: conhecer os melhores restaurantes do mundo. ; ficamos, leitores, 'sadicamente espicaçados' na nossa 'curiosidade'! O 'cozinheiro sueco' seria uma boa alternativa...

Garrafas ao mar (4)

Engraçado... passamos mais tempo abstraindo, teorizando sobre a vida, a dor, a morte, o amor, enfim, os sentimentos, do que propriamente nos entregando a eles.

terça-feira, julho 10, 2007

um poema para Fiama

A dor é o que há de mais humano
em deus, a luz que o pontifica.
Quando crescemos no interior
de uma ausência permanente,
o sagrado que se oculta
por detrás da nossa pressa
tende a mergulhar num mar
profundo de incógnitas.
Procurar respostas é humano,
inspirar dúvidas é divino.
Mas a dor, a dor é o que há
de mais humano em deus.
Não importa quem começou o quê.
Certo é terem havido homens
mais próximos dessa condição
que dizemos sagrada,
do que todos os deuses do mundo
numa orgia de perfeição.
Sei que na dor nós vencemos
.Sei que pela dor nós crescemos
até ao mais alto dos céus: a obra
que fica na carne da língua.
Não será essa a nossa condição?
Um sacrifício de sangue, uma prisão
de desejos, uma força de criar?
Resta-nos uma vida, um adeus.

Henrique Manuel Bento Fialho,
in Um Poema Para Fiama,
coordenação de Maria Teresa Dias Furtado e de Maria do Sameiro Barroso,
Editora Labirinto,
Amarante, Maio de 2007.

de génese (1.3.)

e no corpo deus viveu dois dias alheio ao destino irrevogável do sangue. nas mãos fechadas segurava o pó com que ia lavando a face e curando a cegueira cada vez mais intensa e escura. por entre o brilho intermitente dos cabelos dourados a vida existia-lhe apenas no ventre, rubra, embalada pela melodia do duplo sexo e a carne entoava labaredas num fogo cada vez mais ardente e visceral. e nesses dias deus existia somente na doce promiscuidade do corpo e não chorava a alma porque o lume era alimento bastante. no canto do universo a alma permanecia quieta e atenta. assistia ao espectáculo orgíaco do deus-corpo em consumo e a cada rasgo de sangue, a cada lago de saliva criado nas membranas do vazio, a alma chorava-lhe a volúpia e a rendição. e eis que ao vigésimo segundo dia o deus-corpo se abafava de prazer e a pele já não respirava e o lume não regenerava e o pó já não curava e a atmosfera existia apenas sob a forma de um manto sujo que tingia de negro os cabelos de deus. deus lutava para manter o corpo vivo. gritava pelo pó e ordenava que o pó o curasse e o pó não obedecia. e foi que deus percebeu que o pó era impuro e inerte e se arrependeu e o amaldiçoou para sempre.

sexta-feira, julho 06, 2007

imagens que se colam ao peito (22)

'Gray Relief on Black', 1959, Latex paint with marble dust on canvas, MoMA, Nova York, Antoni Tàpies

quinta-feira, julho 05, 2007

"o século do medo"

Em resposta ao post de AF:

Fiquei a saber (a acreditar) que o nosso século é o século do medo. O sentimento do absurdo tem sido substituído, ou melhor, tem sido reescrito, mas permanece determinantemente no espírito dos homens. É na verdade impossível esquecê-lo. Talvez por essa razão me lembre de Camus (ou Nietzsche), quando leio Roth, ou recupere os quadros de Rothko quando me encontro com a poesia de Pessoa, ou quando leio, por exemplo, aquele poema de Hesse: «É estranho andar na neblina!/ A vida é solidão./ Nenhum de nós conhece os outros,/ Todos estamos sozinhos.» A questão do sentido é a mesma em vários autores. Não há excesso de expectativas, antes pelo contrário, de certa forma as possibilidades de cada homem diminuem e multiplicam-se as súplicas. É neste sentido que os romances de Roth se aproximam aos ensaios de Camus, (sobretudo um, «O Mito de Sísifo»), onde a vitória do rochedo, é contundente e inevitável, tal como em «Everyman», de Roth, onde o rochedo se ergue da tristeza no coração daquele homem.
O medo, é enorme, do tamanho de um rochedo, ao ponto de ser inútil o dizer, ao ponto de nada poder parar o homem absurdo. Para onde nos conduz o absurdo? Há duas vidas e duas vias que me impressionam particularmente. Duas mortes, a de Camus e a de Sándor Marai. Como se sabe, Camus, em «O Mito de Sísifo», propõe a revolta e não o suicídio, é o desprezo que vence a morte. No capítulo «O Suicídio Filosófico» essa ideia surge-nos de forma clara: «não me interesso pelo suicídio filosófico». Camus morre em 1960, ironicamente, atropelado. Marái, escritor Húngaro, autor de «As velas ardem até ao fim» (titulo também ele espantoso), foi perseguido, esteve exilado, sobreviveu à II Guerra Mundial, assistiu à morte do seu filho de poucas semanas, e da sua mulher Lola, e foi, em vida, completamente esquecido enquanto escritor. Márai suicida-se com um tiro na cabeça a 22 de Fevereiro de 1989. Se Camus estivesse vivo possivelmente diria que Márai não levou o absurdo da sua vida absurda consigo no momento da sua morte. Camus escolhe a revolta, a frustração eterna, ou a eterna vivacidade, mas não leva também o seu caminho sem saída até ao fim. Este é-lhe interrompido. Márai escolhe o suicídio, pondo termo a tudo. Com Camus percebemos essa diferença: «Tiro do absurdo três consequências, que são a minha revolta, a minha liberdade e a minha paixão. Pelo jogo da consciência, transformo em regra o que era convite à morte – e recuso o suicídio.»

Li recentemente "Todo-o-Mundo" de Philip Roth e o livro remeteu-me imediatamente para um outro autor, que também citou neste post, Herman Hesse, especificamente para um livro a que nem sempre se atribui grande importância mas que para mim será uma das suas obras mais interessantes, mais sensatas e lúcidas, refiro-me ao "Elogio da Velhice". Os dois livros falam do mesmo, embora pareçam ser a antítese um do outro. Hesse ensina a fugir da morte, apresenta a velhice como a triagem necessária à evasão do remorso. Aproxima-se de uma ideia também desenvolvida por Cristina Campo de conexão da velhice com a infância, como se nessas fases da vida tivéssemos mais claro o significado da palavra 'essência'. Roth é muito mais duro (talvez pelo olhar atento da contemporaneidade - ser velho nos nossos dias parece-me substancialmente diferente de ser velho meio século atrás) compondo-nos um retrato de medo e solidão. Toca a problemática da opção… se eu tivesse feito assim ou assado será que as coisas teriam sido diferentes?... do remorso e da ausência de paz que ele elimina numa fase da vida em que provavelmente apenas se desejaria uma quieta serenidade.
Estou completamente de acordo consigo, quando o relaciona com a ideia de absurdo das obras de Camus: não há opções certas ou erradas, há exclusivamente opções; e as segundas vias, esses ‘e se eu tivesse feito desta ou daquela maneira’ não passam de pura especulação da imaginação. Tendemos a imaginar as segundas vias, as opções preteridas, como a resolução dos problemas, mas quem nos garante que não seriam um fracasso idêntico àquelas que nos provocam o medo e o remorso? A imaginação, a fantasia é sempre muito mais generosa do que a realidade. O condicional ‘e se’ transporta a esperança que o pretérito perfeito ‘eu fiz’ mata e encerra no passado. Roth tem isso bem presente, caso contrário não nos ofereceria frases como "- Não podemos refazer a realidade - disse ao pai. - Temos de aceitá-la tal como ela vem. Aguentar firme e aceitá-la tal como ela vem." ou aquele maravilhoso último parágrafo.

sublinhado (65)

É preciso ter muita fé para reconhecer símbolos no que acontece na realidade. Sobretudo no que acontecerá mais tarde, porque o hoje é o sempre: dele partem todas as linhas de fuga da exitência, agulhas magnéticas de todos os lados oscilantes e sensíveis a qualquer vento. (pág. 32)
Os Imperdoáveis (Assírio & Alvim), Cristina Campo

quarta-feira, julho 04, 2007

de génese (1.2.)

e deus notou que havia criado o tempo e que as suas mãos e as suas pernas e os seus braços lhe traziam medidas, sinais do corpo em rotação. e estendeu os cabelos no vazio, atirados como fios dourados numa teia contínua de luz espalhada sobre o silêncio divertindo-se com o acaso e com o número de mãos que lhe cabiam nos braços e o número de braços que lhe cabiam nas pernas. e distraído com a estrutura da criação, deus gozou dias a fio com a descoberta. e puxava e devolvia as horas e aumentava e diminuía os dias experimentando o equilíbrio do quadro que se distanciava do medo. ao vigésimo dia da criação deus caiu. e os braços eram exaustos e as pernas eram adormecidas e as mãos eram calejadas pelo contínuo palmilhar da medida. os cabelos estendidos no silêncio como uma toalha sem brilho, eram no sono como uma toalha sem brilho. deus dormiu então profundamente. e foi que a alma, o último alimento da criação, acordou intranquila e inquieta no interior do olho de deus. já não suportava o cansaço pueril do corpo exausto de deus. magoada rompeu-lhe a pálpebra e partiu. em abandono viajou pelo silêncio e rasgou a toalha dourada tecida pelos cabelos de deus. e foi que sem distância o olhou como se olha uma criança deitada no vazio. quando o vento varreu o cansaço, deus despertou e sentiu o peso insuportável de uma vida por existir. ergueu-se tenebrosamente lambendo a água do olho rompido e cego e ordenou que a poeira cicatrizasse a ferida. lá de longe, do fundo da distância, a alma chorava-lhe a solidão. e foi que deus sentiu que o pó era bom e curava as feridas e abençoou-o.

de génese (1.1.)

e no início era o medo e deus criou-se a partir do medo e o medo deu-lhe voz. e tomando a voz, deus ordenou que se fizesse o corpo, primeiro o tronco, depois os membros e a cabeça e por fim a alma. viu deus que a sua obra era boa e abençoou-a.

de génese - I - a metamorfose

sublinhado (64)

Desfaleceu com a sensação de tudo menos de derrotado, de tudo menos de condenado, desejoso de mais uma vez se realizar plenamente, mas não acordou mais. Paragem cardíaca. Deixou de existir, liberto do ser, entrando no nada sem sequer saber. Como desde sempre tinha receado. (pág. 179)
Todo-o-Mundo (Dom Quixote), Philip Roth

sublinhado (63)

Este homem normalmente calmo batia furiosamente no coração como um fanático em oração e, assaltado pelo remorso não só deste erro mas de todos os seus erros, de todos os erros indeléveis, estúpidos, inelutáveis - arrasado pelo desgosto das suas limitações mas agindo como se todas as contingências incompreensíveis da vida fossem obra sua - disse alto: «nem sequer o Howie! Acabar desta maneira e nem sequer com ele ao pé!» (pág. 157)
Todo-o-Mundo (Dom Quixote), Philip Roth

segunda-feira, julho 02, 2007

sublinhado (62)

- Não podemos refazer a realidade - disse ao pai. - Temos de aceitá-la tal como ela vem. Aguentar firme e aceitá-la tal como ela vem. (pág. 14)
Todo-o-Mundo (Dom Quixote), Philip Roth

domingo, julho 01, 2007

Andrew Esiebo