segunda-feira, agosto 25, 2008

Das sincronicidades

Meu Vítor,

Lembro-me que foste tu o culpado. Foram tuas mãos que me levaram aos versos intensos de Fiama Hasse Brandão.
Hoje estava aqui em casa lendo alguns de seus poemas e, por curiosidade, fui ao google procurar outras referências a respeito de sua obra. Ao pesquisar, caiu-me no colo este vídeo lindo da Adriana Calcanhotto que, como tu bem sabes, é minha cantora favorita.
Compartilho contigo os versos e a música para que te enterneças tanto quanto eu.
Beijo saudoso,
Tua Lu

Poética do eremita
(Fiama Hasse)

No deserto estão secas
as pedras que no mar se molhavam
a semelhança confunde o eremita que solitário demais
passou o tempo entregando-se à solitária memória
aqui a pedra seca
para o eremita não perdeu
a qualidade húmida de poder
ter estado ao pé do mar.

segunda-feira, agosto 18, 2008

Homenagem a Dorival Caymmi (1914-2008)

Por não saber o que dizer desse homem que imortalizou o mar em canções belas e preguiçosas, deixo que a música diga por si só.
Despeço-me de Caymmi como quem observa as ondas da arrebentação.
É doce morrer no mar (Dorival Caymmi), com Dori Caymmi.

terça-feira, agosto 12, 2008

no seguimento do post anterior: beatriz (é música e poema)

'Beatriz' de Edu Lobo e Chico Buarque

na versão de Maria João e Mário Laginha

segunda-feira, agosto 11, 2008

Prosa, verso ou música?



Wally Salomão

Fronteira pouco nítida

O que o Chico Buarque diz não importa, ele é poeta sim. Muitas das letras dele têm qualidade superior a grande parte do que se encontra na literatura. Esta semana eu peguei um texto de Chico intitulado "Canção que existe", que me lembrou muito Dante em A Divina Comédia. E se você ler este texto, classifica-o como poesia tranqüilamente.
A Língua Portuguesa tem tradição na fusão entre a poesia e a letra de uma música. Existem sutis diferenças entre as duas, claro, mas elas estão muito próximas. Não há uma regra definida para o que pode ou não ser poesia. Eu não aceito quando alguns professores de Português, estrategicamente, tentam fazer uma separação entre as duas áreas. A única coisa que eles conseguem dizer é que poesia é aquele texto que se sustenta na página. Para mim, este argumento não faz o menor sentido. Lógico que existem pontos característicos de cada um destes mistérios. Um pernambucano, João Cabral de Melo Neto, disse em Duas Águas que existem poesias para serem ditas em voz alta e em voz baixa. Ou seja, há diferenças entre música e poesia, mas a fronteira entre elas não é tão nítida. Quando eu faço um texto sabendo que este vai ser musicado, o processo de criação não é o mesmo. Por exemplo, Maria Betânia me pede uma letra, eu penso já na voz dela. Porém, ao mesmo tempo, eu posso fazer uma letra nem pensando em musicá-la e acaba acontecendo, como Mel, que só depois de pronta, foi trabalhada por Caetano Veloso.
A poesia já tem um ritmo próprio. A história dos poemas prova isto, quando estes eram recitados por menestréis ou em jograis pelos povos mouros. Até hoje, percebendo o texto de Garcia Lorca, esta influência do canto popular está bem clara. Então, como a poesia tem um ritmo próprio, não há rigidez no que pode ou não ser musicado.

Wally Salomão é poeta e letrista


Jacy Bezerra

Canções que resistem

Em alguns casos, eu concordo que uma letra de música pode ser considerada poesia, como no Concretismo, por exemplo. Existem letras que sobrevivem independente de serem enquadradas como música. "Águas de Março" de Tom Jobim é para mim um grande poema. Outros artistas fazem trabalhos além da música também, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque.
Eu já vi algumas entrevistas com Chico na qual ele afirma não ser poeta e acho que em certo ponto tem até razão. Eu acho interessante quando ele diz que faz primeiro a música e depois a letra. Em todo caso, Chico Buarque deve ser considerado principalmente e essencialmente músico, mas algumas de suas letras podem facilmente ser classificadas poesias, como "Carolina" e "A banda". Estas canções resistem no papel independentemente de serem cantadas ou não.

Jacy Bezerra é poeta

Sebastião Vila Nova

Duas coisas diferentes

A letra de uma música é uma coisa bastante diferente de um poema. Em princípio uma letra deve ser submetida à música. Quando uma letra supera uma canção, não há uma boa canção. Quando um ouvinte escuta uma música prestando atenção primeiramente à sua letra, não é um bom ouvinte. Uma canção deve ser lembrada inicialmente por sua melodia. A poesia e a música têm relação por suas origens. Elas nasceram juntas e é por isso que a poesia tem um certo ritmo. É o que Ezra Pound chama de “melopéia do poema”. Porém, depois a música e a poesia se separaram e tomaram rumos diferentes. Eu penso como Thomas Mann escreveu no romance Doutor Fausto: “Um poema não deve ser bom demais para servir de material para uma boa canção. A música se sai muito melhor na tarefa de dourar a mediocridade”. Ou seja, ele diz que uma canção pode ter uma letra pobre e, mesmo assim, ser uma bela canção. Por outro lado, eu admito que excepcionalmente alguns artistas conseguem se superar e fazer letras poéticas independente da música. Chico Buarque, por exemplo, em "Brejo da Cruz". Essa letra pode ser lida no papel como um poema. Caetano Veloso também atinge isso quando faz letras experimentais. E isto é perigoso para o artista. Quando se faz letras como essas, a música não funciona e não pega.

Sebastião Vila Nova é sociólogo e músico

imagens que se colam ao peito (28)




Imprints, Japan 1993-1999, Yuichi Hibi

VI

que segredos esconde
o pássaro da manhã
sobre aquela janela?

poemas (1)

Canção de Embalar

Apoia a tua cabeça adormecida, amor,
Tão humana sobre o meu braço descrente;
O tempo e a febre consomem
A própria beleza das
Pensativas crianças, e o túmulo
Mostra que a criança é efémera:
Mas, nos meus braços, até ao romper do dia
Deixa que a viva criatura jaza
Mortal, culpada, mas que para mim
É toda a beleza.

A alma e o corpo não têm limites:
Para os amantes quando jazem
Sobre o seu permissivo e encantado declive
Num habitual desfalecimento,
Grave é a visão que Vénus envia
De uma sobrenatural compaixão;
Amor universal e esperança;
Entretanto, uma visão abstracta desperta
Entre os glaciares e as rochas
O êxtase carnal do eremita.

A segurança e a fidelidade
Passam ao bater da meia-noite
Como as vibrações de um sino
E aqueles que são elegantes e loucos erguem
O seu pedante e enfadonho apelo:
A mais pequena moeda devida,
Tudo o que as temidas cartas auguram,
Há-de ser pago, mas desta noite
Nem um murmúrio, nem um pensamento,
Nem um beijo nem um olhar se hão-de perder.

A beleza, a meia-noite, a visão que morre;
Que os ventos da madrugada ao soprarem
Suaves em redor da tua cabeça sonhadora
Mostrem um dia de boas-vindas
Que o olhar e o coração palpitante abençoem,
Que achem suficiente o nosso mundo mortal;
Que meios-dias de aridez te encontrem alimentada
Por poderes involuntários,
Que noites de afronta te deixem passar
Vigiada por todos os amores humanos.

Janeiro 1937

W.H. Auden
Diz-me a verdade acerca do amor
Trad. de Maria de Lourdes Guimarães
Relógio d´Água
1994

sábado, agosto 09, 2008

resposta ao comentário anónimo do post de 6 de agosto:

Postcards I may send: wrong person, 2008, Andre Jordan

'even if the door is open, the person you're looking for may not be there'

My Blueberry Nights, 2007, Wong Kar Way

quinta-feira, agosto 07, 2008

traz-me sempre satisfação

quarta-feira, agosto 06, 2008

imagens que se colam ao peito (27)

Postcards I may send: a sign, 2008, Andre Jordan

V

uma vida igual
à mulher da somália

tal como canta a música

um deserto de carne
os pés em ferida

e de novo o viajante

o eterno viajante

que apaga o rasto de sangue
do ventre das dunas
como quem esconde o destino

terça-feira, agosto 05, 2008

sublinhado (71)

O animismo era, para Hudson, o intenso amor pelo mundo visível e a ausência do pensamento. De repente, pareceu-me que, neste aspecto, nunca tinha existido um autor mais próximo de Walser do que Hudson, pois convinha não esquecer que, em Walser, tanto a descrição do seu eufórico amor pelo mundo visível eram primordiais, como - herança dos últimos romances - a sua absoluta certeza acerca da superficialidade da palavra. (pág. 201)

Doutor Pasavento (Teorema), Enrique Vila-Matas

sexta-feira, agosto 01, 2008

IV

o rádio toca

e a estrada em fuga
reflecte o que já sabemos:

no vapor do alcatrão

entre o negro do solo
e o azul do céu

há mortos que vivem
e vivos que se esforçam
por morrer

e nada disso importa

porque a eternidade
nasce no segundo cruel

onde a ínfima partícula da alma
se faz verdade

sublinhado (70)

Passei a recordar aquelas palavras, como se nelas estivesse concentrado aquele espírito de Walser que Musil disse que lhe evocava a riqueza moral de um desses dias preguiçosos e, aparentemente, inúteis, em que as nossas convicções mais rígidas se descontraem e se convertem numa agradável indiferença. (pág. 191)
Doutor Pasavento (Teorema), Enrique Vila-Matas