sem título, serigrafia, Noronha da Costa
Nunca percebi muito bem a minha relação com a pintura de Noronha da Costa, é como se ela existisse em mim antes mesmo dos meus olhos terem entrado em contacto com ela. Teria eu quinze ou dezasseis anos quando vi um quadro seu pela primeira vez, numa galeria em frente ao Itaipu na Rua da Galeria de Paris. Foi um encontro estranho e que me provocou medo... lembro-me de ter sentido um nervosismo idêntico ao que sentimos quando um amigo numa conversa informal descobre algo da nossa intimidade que queríamos muito esconder; o mesmo tipo de desconforto que se manifesta quando tentamos a todo custo esconder a nossa ansiedade e a primeira pessoa que encontramos pela frente nos diz 'que se passa contigo? pareces tenso...'. O que senti nesse dia e se repete sempre que olho um trabalho de Noronha da Costa é uma espécie de invasão da minha intimidade, como se o pintor adivinhasse o meu modo de olhar o mundo, como se ele soubesse que eu tendo a colocar entre os meus olhos e o que vejo o mesmo véu enevoado, desfocado, a mesma atmosfera densa e lúgubre que esconde e despersonaliza os sujeitos retratados nas pinturas. Ou então o processo contrário, que para mim ainda é mais assustador, ser do conhecimento dele que esse sujeito sou eu e então mostrar-me, pintar-me tal como eu me mostro e me pinto perante os outros, como um vulto, uma sombra, uma forma por detrás de uma camada de vapor espessa que me despersonaliza e desmaterializa na atmosfera e que transforma a minha identidade concreta, o meu 'eu' em apenas 'alguém'.
1 comentário:
Meu Vítor, eu sempre me surpreendo com essa capacidade que as obras de arte têm de nos capturar nna hora do pulo, entende? É um sentimento de estranheza e ao mesmo tempo de tanta intimidade que nos sentimos psicografados em vida.
Saudade de ti. Muitas.
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