terça-feira, janeiro 29, 2008

Confessionário (50)

Meu querido amigo,

Voltei! E estar de volta, no meu caso, comporta muitos significados.
Aos poucos retomo leituras esquecidas ou simplesmente empoeiradas pelas cinzas das horas. Já sinto vontade de brincar com o papel e a caneta; permito-me à contemplação silente das idéias que vêm e vão sem qualquer avidez ou aflição, elas já possuem novamente total liberdade para adentrar meus espaços e se ficam ou partem, o fazem sem cerimônias.
Guarda este dia, meu Vítor. Hoje voltei a mim; hoje, me reconheço novamente pessoa. Sei que houve um grande intervalo, um lapso pesado no qual toda e qualquer comunicação foi rompida, mas foi o tempo necessário. Sou uma criatura de longos invernos porque devoro a vida até me fartar, absorvo toneladas de sentimentos de tal forma que a obesidade é inevitável. E não é fácil perder peso, esvaziar-se das experiências vividas.
Digo-te com imensa serenidade: estou livre! Ao escrever-te isso, sinto os olhos turvos, meu amigo, mas são lágrimas repletas de paz, livre de todo peso e dor que carreguei nos (quase) dois últimos anos.
Eu hoje celebro a vida, meu Vítor! E este renascimento é quase místico. Sinto-me como o herói que cumpriu sua tarefa ou ainda como uma carpideira que, após cumprir seu ritual de luto, acorda purificada pelas águas que verteu.
Há tanto o que dizer, Vítor. Ao mesmo tempo, não sinto nenhuma necessidade de explicação. Eu sei que tu me entendes e isso é um delicioso alento.
Estive viajando nas duas últimas semanas. Fui a Florianópolis, local que tenho forte relação afetiva e onde se deu a grande ruptura do processo que vivo. Foi lá o começo da minha fragmentação.
Tinha uma pessoa a quem amava muito e que era um grande companheiro intelectual. Compartilhávamos mútua admiração pelo exercício poético e pela crítica. Lembro que foi o período em que mais produzi poemas, trabalhei com imagens e cores, sentia-me respaldada no amor pelas palavras e vivi, no tempo da madureza, uma relação platônica no seu sentido mais amplo.
Meu querido, entendi que um ciclo se fechou. Compreendi que preciso ser estimulada constantemente por pessoas que comunguem da grande orgia palavrosa que é a vida. Sem isso, não há graça, não há renovação e continuidade.
Meu Vítor, um novo ciclo começou quando entraste na minha vida. Contigo não me sinto só.
Lembras que uma vez disseste-me que a nossa alma gêmea não precisa ser necessariamente a pessoa com quem nos relacionamos amorosamente? Isso faz todo o sentido para mim, agora. Para que eu seja inteira, não basta somente o amor. A completude da minha alma passa pela troca dialógica, pelo exercício da oratória, pela cosmovisão e nessa perspectiva, nunca estive tão bem acompanhada. Tu és minha alma gêmea sem qualquer sombra de dúvida. Eu celebro esse encontro raro e feliz.
Tintim!

Sem comentários: