quarta-feira, setembro 16, 2009

Confessionário

Meu Vítor,

Tenho hoje a mais lusitana das almas... há em mim aquela saudade tão entranhada e cantada por aqueles que singraram os mares.
Há muito tempo não sento em minha cadeira com o objetivo de escrever.
Nos últimos meses, toda atividade relacionada à escrita está voltada para a produção de relatórios, revisão de textos, estudos, resolução de exercícios, provas, concursos públicos...
Em toda a minha vida, escrever sempre foi um ato prazeroso, até mesmo quando era sofrível traduzir em palavras os sentimentos ou ordenar ideias de forma objetiva a fim de produzir um texto acadêmico.
Como pude me esquecer de manter o equilíbrio? Sim, porque escrever é um exercício de sanidade, querido. Tu bem o sabes.
Hoje, tenho o peito angustiado com os fragmentos da minha vida que voltam à memória sem que eu faça forças ou os tenha provocado. Eles simplesmente jorram, Vítor.
Há um enorme sentimento de morte rondando meus dias... não sei explicar, apenas pressenti e senti de forma muito palpável.
Há uma semana comecei a remexer a mala que guardo sob minha cama. Lá estão meus pequenos tesouros. “São fragmentos de cartas, poemas, retratos, vestígios de estranha civilização”. Não são coisas apenas, Vítor; não são objetos de um “museu pessoal”; são pessoas em toda a sua inteireza, meu amigo.
Reencontrei uma correspondência deliciosa que mantinha com um amigo da Dinamarca. E, de repente, a troca de cartas cessou. Não me lembro o motivo pelo qual uma relação tão incrível se perdeu, deixou de ser alimentada. Eu sinto falta do Rasmus. Gostaria de poder alcançá-lo novamente, mas já se vão anos, muitos anos...
Depois achei uns e-mails que troquei com o Cony, Carlos Heitor Cony, escritor que admiro tanto. Após a leitura do Quase Memória, escrevi um pequeno texto emocionado sobre tudo que o livro provocara em mim e enviei para ele. Não esperava respostas, mas ela veio, gentil e pessoal e, daí em diante, iniciamos um diálogo.
Fui visitá-lo numa das Feiras do Livro, a última realizada em local adequado e voltada para um público amante da Literatura. Peguei todos os títulos que tinha na estante (uns quinze) e levei para ele autografar. Graças a Deus, a razão foi recobrada, deixei os livros no carro e trouxe comigo apenas o Quase Memória.
Por que paramos de nos escrever?
Nesse mesmo baú de lembranças, surgiu o nome de um amigo da família, com quem não falávamos havia tempos. Ligamos. Queria (e quero) tanto resgatar laços, mas obtivemos uma notícia horrível, meu Vítor. Essa pessoa está em fase terminal... ficamos mal.
Por que permitimos que pessoas amadas ocupem apenas os desvãos das lembranças?
Pensei no Pedro e na nossa falta de comunicação e de tanto amor jogado fora.
Vítor, não quero que isso nos aconteça. Prometa que insistiremos, por toda a vida, em cuidarmos um do outro!
Existem a distância, o oceano, a saudade, as urgências da vida, mas há também a verdade do afeto. Não deixemos que todo o resto desbote o nosso melhor.
Amor,
Tua Lu

3 comentários:

Vítor Leal Barros disse...

Minha Lu, aquilo que me une a ti é indestrutível e a nossa comunicação não acabará nunca, a não ser por razões que nos ultrapassem.
Sei que ultimamente não escrevo, nem te escrevo com a frequência de outros tempos, mas acredita que não é por mal. Se cada vez que penso em ti esse pensamento se transformasse numa frase que chegasse a ti acredita que não sentirias essa distância.
Hoje enviei-te um e-mail e prometo escrever em breve com mais calma. Um beijo do tamanho do mundo

Lua em Libra disse...

De dentro do meu baú cheio de bons significados, me aparecem vocês.

Um beijo na alma

Lia

Luciana Melo disse...

MC, nem sei dizer o que é pior... só sei que é como você disse: um vazio.
Abraços.

Queridos, compartilho para que saibam: reatei um dos laços que mencionei nesse post.
Tão acolhedora e quente foi essa retomada. Torço para que consigamos permanecer assim por longo tempo.
Beijos