Wally Salomão
Fronteira pouco nítida
O que o Chico Buarque diz não importa, ele é poeta sim. Muitas das letras dele têm qualidade superior a grande parte do que se encontra na literatura. Esta semana eu peguei um texto de Chico intitulado "Canção que existe", que me lembrou muito Dante em A Divina Comédia. E se você ler este texto, classifica-o como poesia tranqüilamente.
A Língua Portuguesa tem tradição na fusão entre a poesia e a letra de uma música. Existem sutis diferenças entre as duas, claro, mas elas estão muito próximas. Não há uma regra definida para o que pode ou não ser poesia. Eu não aceito quando alguns professores de Português, estrategicamente, tentam fazer uma separação entre as duas áreas. A única coisa que eles conseguem dizer é que poesia é aquele texto que se sustenta na página. Para mim, este argumento não faz o menor sentido. Lógico que existem pontos característicos de cada um destes mistérios. Um pernambucano, João Cabral de Melo Neto, disse em Duas Águas que existem poesias para serem ditas em voz alta e em voz baixa. Ou seja, há diferenças entre música e poesia, mas a fronteira entre elas não é tão nítida. Quando eu faço um texto sabendo que este vai ser musicado, o processo de criação não é o mesmo. Por exemplo, Maria Betânia me pede uma letra, eu penso já na voz dela. Porém, ao mesmo tempo, eu posso fazer uma letra nem pensando em musicá-la e acaba acontecendo, como Mel, que só depois de pronta, foi trabalhada por Caetano Veloso.
A poesia já tem um ritmo próprio. A história dos poemas prova isto, quando estes eram recitados por menestréis ou em jograis pelos povos mouros. Até hoje, percebendo o texto de Garcia Lorca, esta influência do canto popular está bem clara. Então, como a poesia tem um ritmo próprio, não há rigidez no que pode ou não ser musicado.
Wally Salomão é poeta e letrista
Jacy Bezerra
Canções que resistem
Em alguns casos, eu concordo que uma letra de música pode ser considerada poesia, como no Concretismo, por exemplo. Existem letras que sobrevivem independente de serem enquadradas como música. "Águas de Março" de Tom Jobim é para mim um grande poema. Outros artistas fazem trabalhos além da música também, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque.
Eu já vi algumas entrevistas com Chico na qual ele afirma não ser poeta e acho que em certo ponto tem até razão. Eu acho interessante quando ele diz que faz primeiro a música e depois a letra. Em todo caso, Chico Buarque deve ser considerado principalmente e essencialmente músico, mas algumas de suas letras podem facilmente ser classificadas poesias, como "Carolina" e "A banda". Estas canções resistem no papel independentemente de serem cantadas ou não.
Jacy Bezerra é poeta
Sebastião Vila Nova
Duas coisas diferentes
A letra de uma música é uma coisa bastante diferente de um poema. Em princípio uma letra deve ser submetida à música. Quando uma letra supera uma canção, não há uma boa canção. Quando um ouvinte escuta uma música prestando atenção primeiramente à sua letra, não é um bom ouvinte. Uma canção deve ser lembrada inicialmente por sua melodia. A poesia e a música têm relação por suas origens. Elas nasceram juntas e é por isso que a poesia tem um certo ritmo. É o que Ezra Pound chama de “melopéia do poema”. Porém, depois a música e a poesia se separaram e tomaram rumos diferentes. Eu penso como Thomas Mann escreveu no romance Doutor Fausto: “Um poema não deve ser bom demais para servir de material para uma boa canção. A música se sai muito melhor na tarefa de dourar a mediocridade”. Ou seja, ele diz que uma canção pode ter uma letra pobre e, mesmo assim, ser uma bela canção. Por outro lado, eu admito que excepcionalmente alguns artistas conseguem se superar e fazer letras poéticas independente da música. Chico Buarque, por exemplo, em "Brejo da Cruz". Essa letra pode ser lida no papel como um poema. Caetano Veloso também atinge isso quando faz letras experimentais. E isto é perigoso para o artista. Quando se faz letras como essas, a música não funciona e não pega.
Sebastião Vila Nova é sociólogo e músico