quarta-feira, fevereiro 04, 2009

'a eternidade e um dia' (1)

'mia aioniotita kai mia mera'
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Talvez a transitoriedade seja uma das coisas mais assustadoras e fascinantes da vida. Entenda-se transitoriedade como qualidade do que é transitório, fugaz, passageiro e não como chavão de qualquer doutrina esotérica ou teoria psicanalítica. Tudo obedece à lei básica da natureza e ao funcionamento lógico do universo. Nada é estático, existe movimento na mais ínfima partícula de matéria.
Remetendo esta catadupa cinética para o nosso quotidiano constata-se exactamente o mesmo. Os acontecimentos, as acções, os diálogos, nascem e morrem ao ritmo dos segundos. No entanto, há um processo humano, e intrinsecamente humano, que parece contrariar todo o sentido natural das coisas – a construção das emoções e a forma como elas se vão sedimentando na memória. Há obrigatoriamente um processo de transitoriedade no construir emocional e na forma como ele é apreendido e recuperado por cada indivíduo. O que se viveu no passado não tem no presente o mesmo significado, nem o mesmo peso emotivo de outrora. A reciclagem acontece, mas parece haver um processo que, em certas alturas, bloqueia a engrenagem da máquina natural.
A história da arquitectura poderá ser um argumento interessante para explicar onde pretendo chegar. Parte-se do princípio que a Arquitectura (do grego arché - αρχή - significando "primeiro" ou "principal" e tékton - τέχνη - significando "construção") é a arte, ou a técnica, da criação do espaço organizado.
Muitas vezes, em conversas com amigos, pergunto se sabem onde nasceu a arquitectura. As respostas são invariavelmente as mesmas – nas grutas ou nas cavernas. Errado. As grutas e as cavernas são abrigos naturais, organizados pela própria Natureza e não pela mão do Homem. Alguns estudos apontam que a Terra Amata, um conjunto de cabanas construídas em troncos de madeira, seja a morada artificial humana mais antiga que se conhece, no paleolítico inferior. Se considerarmos a Terra Amata a primeira obra arquitectónica, pela mesma lógica, seríamos obrigados a dizer que as construções executadas por outros animais, que não o homem, constituem arquitectura também. Por esta ordem de ideias, os sistemas construtivos executados por térmitas, ou as conchas e cascas de grande parte dos moluscos são arquitectura, uma vez que respondem às necessidades biológicas dessas espécies tal como as cabanas da Terra Amata respondem às da espécie humana. Talvez o significado de Arquitectura ultrapasse o conceito de organização do espaço como uma resposta biológica e se aproxime daquilo que Leland Roth defende, ‘a arquitectura é uma representação física do pensamento e da ambição do Homem, uma crónica das crenças e dos valores da cultura que a produz’. Há, portanto, um significado mais amplo naquilo que entendemos como organização do espaço.
Introduzindo o conceito de que arquitectura é a organização do espaço com uma intenção específica para além da de protecção ou abrigo, qual será então a primeira obra arquitectónica?

(continua)

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