domingo, abril 30, 2006

Tom Hunter & Vermeer

Em Fevereiro, meia hora antes de nos expulsarem da National Gallery em Londres (sim, porque a delicadeza dos vigilantes acaba quando se trata de fechar o museu) tive oportunidade de ver muito rapidamente uma exposição de fotografia fantástica de um autor contemporâneo que eu não conhecia. Lembro-me que as suas imagens eram reinterpretações actuais de alguns quadros de Vermeer. Os personagens mantinham o mesmo anonimato e os rostos respiravam a mesma melancolia.
A preocupação e o interesse por cenas “simples” do quotidiano, tão acentuadamente estudadas e exploradas na arte contemporânea (especialmente na Fotografia), parecem ter nascido em Vermeer, onde, em vez de Madalenas, Cristos, navegadores ou políticos, desfilam mulheres e raparigas, por vezes alguns senhores, tudo gente anónima, em cenas aparentemente corriqueiras da vida quotidiana como verter água dum jarro ou ler uma carta em frente à janela. O modelo de Vermeer é sempre colectivo, é ele próprio e todos aqueles que se vêem representados na mesma cena. Em Vermeer a pintura só termina a partir do momento em que há um par de olhos a observá-la.
Tom Hunter, assim se chamava o artista exposto na National Gallery, parece ter encarnado o espírito de Vermeer, criando composições formais idênticas às do pintor holandês, transpondo-as para o nosso tempo. As suas imagens adquirem o mesmo grau de representatividade e os seus modelos são, eles próprios, um colectivo também.
Tudo isto porque na altura tive muita vontade de partilhar estas fotografias aqui no blogue, o problema foi que perdi o papel onde tinha apontado o nome do autor e a coisa acabou por cair no esquecimento. Ontem, porém, enquanto procurava na net alguns quadros de pintores flamengos, acabei por dar de caras com o dito senhor. Achei que ainda vinha a tempo de referenciá-lo aqui… a sua obra é digna de ser vista. Tom Hunter é representado pela galeria White Cube, a mesma que representa Nan Goldin e Gilbert & George. Se por acaso derem um saltinho a Londres, vale a pena a visita.



à esquerda: Tom Hunter, Woman reading a Possession Order, 1997.
à direita: Johannes Vermeer, A Girl Reading a Letter by an Open Window, 1647-9.

Sem comentários: