Semana Santa na cidade do interior é um acontecimento. Tudo se volta para o evento, todos se agitam para que não haja falhas.
A fé se evidencia, as pessoas tornam-se mais solidárias, a cidade ferve. Todos colaboram de alguma forma.
As crianças enfeitam as ruas com bandeirolas coloridas. Ficamos dias recortando papéis e enfileirando-os em barbantes muito compridos, depois cruzamos as ruas desenhando os caminhos da procissão do Senhor Morto.
Antes da grande festa, acontecem novenas e via-sacra. As pessoas reúnem-se nas casas com muita reza e cantoria. As salas ficam lotadas, com gente sentada até no chão. No começo, a concentração é grande, mas passada a primeira meia hora, as crianças tornam-se inquietas como se estivessem sentadas sobre formigueiros, os mais velhos adormecem e a cada instante são acordados aos cutucões.
Lá em casa é sempre uma comédia. Vovó Totonha puxa a reza. Vovô, nas poucas ocasiões em que me recordo de sua presença, dorme e quando começa a roncar, vovó belisca seu braço, o que faz com que desperte assustado. Tia Margarida, mamãe e eu não agüentamos a cena e damos muita risada. Os olhos de vovó e da bisa faíscam e rapidamente fazemos cara de sérias.
O que compensa os mais de sessenta minutos de castigo é certamente o lanche. Sempre tem comidas deliciosas ao término das novenas. Que Deus me perdoe, mas acho – com raras exceções – que aquele povaréu só aparece para comer.
Estava tudo pronto para a procissão da quarta-feira de cinzas. Eu jamais me esquecerei desse dia enquanto eu viver.
Tia Margarida caiu doente com uma gripe forte e por isso não poderia participar. Ela estava visivelmente chateada porque não poderia fazer o papel de Verônica. Foi preciso que vovó lhe desse um calmante. Somente depois que ela adormeceu é que saímos para a rua.
Tudo ia bem, mas de repente o céu ficou fechado, muito cinza e uma chuva torrencial começou a cair. Foi bem na hora em que Verônica enxugaria a face de Jesus.
Lá no fim da rua, um vulto todo vestido de branco vinha gritando: era Tia Margarida. Ela vestia sua camisola de linho e trazia um lençol nas mãos. Aproximou-se de “Jesus” e começou a enxugar-lhe rosto.
Vovó Totonha ficou paralisada.
A chuva molhou a camisola de tia Margarida e todos podiam ver seus seios.
Do mesmo jeito que chegou, ela foi embora: correndo e gritando.
Saímos atrás dela e quando chegamos à casa, ela estava no quintal, dançando e cantando em êxtase, num transe total.
Olhei para vovó Totonha e foi a primeira vez que a vi chorar. Suas lágrimas confundiam-se com as gotas da chuva.
A fé se evidencia, as pessoas tornam-se mais solidárias, a cidade ferve. Todos colaboram de alguma forma.
As crianças enfeitam as ruas com bandeirolas coloridas. Ficamos dias recortando papéis e enfileirando-os em barbantes muito compridos, depois cruzamos as ruas desenhando os caminhos da procissão do Senhor Morto.
Antes da grande festa, acontecem novenas e via-sacra. As pessoas reúnem-se nas casas com muita reza e cantoria. As salas ficam lotadas, com gente sentada até no chão. No começo, a concentração é grande, mas passada a primeira meia hora, as crianças tornam-se inquietas como se estivessem sentadas sobre formigueiros, os mais velhos adormecem e a cada instante são acordados aos cutucões.
Lá em casa é sempre uma comédia. Vovó Totonha puxa a reza. Vovô, nas poucas ocasiões em que me recordo de sua presença, dorme e quando começa a roncar, vovó belisca seu braço, o que faz com que desperte assustado. Tia Margarida, mamãe e eu não agüentamos a cena e damos muita risada. Os olhos de vovó e da bisa faíscam e rapidamente fazemos cara de sérias.
O que compensa os mais de sessenta minutos de castigo é certamente o lanche. Sempre tem comidas deliciosas ao término das novenas. Que Deus me perdoe, mas acho – com raras exceções – que aquele povaréu só aparece para comer.
Estava tudo pronto para a procissão da quarta-feira de cinzas. Eu jamais me esquecerei desse dia enquanto eu viver.
Tia Margarida caiu doente com uma gripe forte e por isso não poderia participar. Ela estava visivelmente chateada porque não poderia fazer o papel de Verônica. Foi preciso que vovó lhe desse um calmante. Somente depois que ela adormeceu é que saímos para a rua.
Tudo ia bem, mas de repente o céu ficou fechado, muito cinza e uma chuva torrencial começou a cair. Foi bem na hora em que Verônica enxugaria a face de Jesus.
Lá no fim da rua, um vulto todo vestido de branco vinha gritando: era Tia Margarida. Ela vestia sua camisola de linho e trazia um lençol nas mãos. Aproximou-se de “Jesus” e começou a enxugar-lhe rosto.
Vovó Totonha ficou paralisada.
A chuva molhou a camisola de tia Margarida e todos podiam ver seus seios.
Do mesmo jeito que chegou, ela foi embora: correndo e gritando.
Saímos atrás dela e quando chegamos à casa, ela estava no quintal, dançando e cantando em êxtase, num transe total.
Olhei para vovó Totonha e foi a primeira vez que a vi chorar. Suas lágrimas confundiam-se com as gotas da chuva.
1 comentário:
há um lado muito sensual que me agrada neste capítulo
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