sexta-feira, abril 20, 2007

Literatura


Por Rodrigo Petronio*

Pode parecer estranho, mas há um desconhecimento mútuo entre Portugal e Brasil no que diz respeito à literatura, sobretudo à poesia. Excetuando-se alguns casos extremos, é quase inexplicável que ocorra isso com dois países que têm laços históricos seculares e para os quais não há obstáculo lingüístico. A Editora Escrituras criou um projeto que pretende atenuar essa distância. Trata-se da Coleção Ponte Velha.
Já com vários títulos publicados na área de poesia, praticamente todos de autores até então inéditos em livro no Brasil, a Ponte Velha vem demonstrar a possibilidade desse diálogo. Coordenada pelos poetas Carlos Nejar e António Osório, o diálogo com Portugal começou com as antologias deste último e da poeta, difusora de literatura e também diretora do suplemento cultural do jornal A Notícia, de Lisboa, Ana Marques Gastão, chamada A Definição da Noite. Em seguida vieram os livros de Rosa Alice Branco, Nuno Júdice e Pedro Tamen, respectivamente, Soletrar o Dia, Por Dentro do Fruto a Chuva e Caronte e Memória.
Seguiram-se os livros de Ana Hatherly, A Idade da Escrita, e de Cruzeiro Seixas, Homenagem à Realidade. São dois destaques interessantes da Ponte Velha, posto que trazem também um belo conteúdo gráfico. O primeiro, com os poemas visuais e as caligrafias de Hatherly, e o segundo com mostras da obra plástica de Seixas, que é um dos principais nomes do surrealismo português, ao lado Mário Cesariny e Antonio Maria Lisboa.
Um dos destaques também é o livro Animal Olhar, antologia poética de António Ramos Rosa. Um dos mais importantes nomes da poesia de língua portuguesa, Ramos Rosa é autor de uma obra tão vasta quanto complexa. A antologia tenta dar conta dessa grande dimensão, selecionando poemas de seus livros mais representativos. Também traz desenhos feitos pelo próprio Ramos Rosa e alguns poemas inéditos. Trata-se de um poeta de amplos vôos imaginativos e de fortes implicações filosóficas.
Recentemente, a Ponte Velha apresentou diversos títulos e algumas novidades. Dentre eles se encontram Olhares Perdidos de Nicolau Saião, Armas Brancas e Outros Poemas de Armando Silva Carvalho, Palavras Noturnas e Outros Poemas de Isabel Meyrelles e O Arco da Palavra de João Barrento, todos estes organizados por Floriano Martins. A novidade é a entrada do gênero ensaio na coleção, representada pela coletânea de ensaios de Barrento, estudioso de literatura alemã e grande tradutor de autores como Goethe, Trakl e Walter Benjamin. O livro de Meyrelles deve ser ilustrado com obras da própria autora, que é artista plástica.
Paralelamente à Ponte Velha, valem ser ressaltadas iniciativas individuais de algumas editoras de difundir essa poesia de tão boa qualidade. Além da conhecida publicação de boa parte da obra de Fernando Pessoa levada a cabo pela Companhia das Letras, recentemente a editora A Girafa publicou, do Fernando Pessoa ortônimo, Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, uma reunião de fragmentos sobre ele mesmo, vida e arte, e A Educação do Estóico, que escreveu sob o heterônimo de Barão de Teive. Também de Herberto Helder há a ótima antologia da editora Iluminuras chamada O Corpo O Luxo A Obra, com seleção e apresentação de Jorge Henrique Bastos e posfácio de Maria Lúcia Dal Farra. E, recentemente, a Azougue Editorial lançou uma belíssima edição do exuberante Os Passos em Volta, livro de contos do mesmo autor. É ler para crer.
* Rodrigo Petronio é escritor e autor de História Natural, Transversal do Tempo e Pedra de Luz, entre outros.

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