Budapeste não é nunca uma cidade estranha. Apesar da incompreensibilidade das palavras, da estranheza dos cabelos cor de trigo, da independência dos olhares, a cidade estabelece uma espécie de pacto com quem a visita: ela vai-nos contando histórias na medida em que lhe oferecemos histórias para contar. Acabo por concordar com o personagem do livro do Chico Buarque, quando dá razão ao ditado húngaro que diz que fora da Hungria não há vida. Para os húngaros não interessa de onde vimos, o que fazemos, como são as nossas cidades, que ingredientes colocamos na sopa. Não há qualquer interesse da parte deles em saber como fomos… interessa-lhes a realidade, o agora. É no presente do indicativo que se constroem as histórias de Budapeste e é no mesmo tempo que histórias antigas nos são contadas. Talvez por isso eu tenha afirmado que Budapeste não é uma cidade estranha. Talvez por isso eu considere errado utilizar a palavra “húngaros” referindo-me à gente de Budapeste… o mais correcto seria: a rapariga do café Montmartre, o polícia da Raday Utca, o rapaz loiro no Rudas, a mulher no eléctrico que sopra um köszy! ao ceder-lhe o lugar… nunca em nenhuma outra cidade eu senti tão presente essa noção de individualidade, como se não houvesse um grupo ou grupos de pessoas e onde cada um encerra em si próprio qualquer sentido de colectividade. Se me pedissem para descrever cada uma das pessoas que cruzei não sentiria qualquer tipo de dificuldade, de tal forma os rostos ficaram marcados na minha memória… como se fossem conhecidos cuja cara não me é estranha mas que não me lembro, de todo, do nome. Em Budapeste somos mais um, mas nunca, nunca, um estrangeiro. Somos o que transportamos nos olhos no momento em que percorremos as suas ruas. Somos apenas isso (e 'apenas' torna-se uma palavra complexa).
Budapeste, 12 de Julho de 2006
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