quinta-feira, agosto 24, 2006

Confessionário (28)

Minha amiga, como me fez bem ler a tua última carta e saber que o teu coração começa a procurar de novo a luz. Há uma palavra francesa, um verbo, que eu adoro e que não encontro no português tradução com valor semântico idêntico ou com a mesma carga energética: ‘réussir’. É uma palavra propulsora, activa, é uma palavra de sucesso, de vontade. É a palavra dos sobreviventes, dos que escolhem, dos que amam incondicionalmente a vida. Quando terminei de ler a tua última frase, ‘a despeito de tudo, estou viva’, saiu-me da boca para fora e sem qualquer espécie de raciocínio de permeio: ‘elle va réussir’… (que não tem o mesmo valor, nem a mesma força do ‘ela vai conseguir’ ou ‘ela vai ter sucesso’).
Ainda bem que te apaixonaste por ‘aquele abraço’ da Nan Goldin. Essa fotografia é especial, aliás, muitas fotografias da Nan Goldin são especiais. Não encontro muitos artistas que cartografem tão bem a contemporaneidade como ela o faz. A Nan Goldin ficará nos cadernos da História da Arte como a artista que fotografou a vida.
Mudando um pouco de assunto, tenho a sensação que ando a ler um livro para ti. Estranho?! Falo-te de ‘Espera de Deus’ da Simone Weil. A cada sublinhado, a cada paragem para mastigar melhor o raciocínio da filósofa francesa, penso 'tenho que enviar isto à Lu'. Acho que a minha observação não é tão descabida quanto isso, a ver pelos comentários que tens feito às transcrições que tenho publicado no blogue. Ás vezes tenho a sensação, e cada vez mais a certeza, de que este mundo, apesar da turbulência, é uma sinfonia completa, uma obra perfeita e acabada, onde não há instrumentos dispensáveis, onde a pauta dos violinos existe para dar vida aos fagotes. O desafino que por vezes ouvimos não é mais do que uma fuga à partitura… há excesso de solistas neste planeta, há virtuosos a mais sem a atenção necessária para perceberem que desafinam a melodia. Eu próprio me distraio e solto umas notas fora do lugar. Tudo isto para te dizer que neste momento não leio o livro de Weil por acaso, um livro que me foi oferecido e que, tão pouco fazia parte dos livros em espera para serem lidos. Uma vez escrevi um texto onde me debruçava sobre a ideia de serem os livros a escolherem-nos como leitores e não o contrário… penso que o leste… cada vez confirmo mais essa minha teoria.
Despeço-me com mais uma transcrição de Weil, sabendo desde já que te vai falar ao coração. Um beijo.

Os bens mais preciosos não devem ser procurados, mas esperados. Porque o homem não pode encontrá-los por intermédio das suas próprias forças, e se se põe à sua procura encontrará, em seu lugar, falsos bens nos quais não saberá distinguir a falsidade. (pág. 103)
Espera de Deus (Assírio & Alvim), Simone Weil

1 comentário:

Lu disse...

Tenha a certeza de que falou profundamente ao meu coração. Beijo.