Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.
Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora «pássaro» seja uma das minhas palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não me interessa. Alguém que me procure tem de começar - e de ficar - pelas palavras.
Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não sei.
Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora «pássaro» seja uma das minhas palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não me interessa. Alguém que me procure tem de começar - e de ficar - pelas palavras.
Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não sei.
"Não sei nada" in Homem de Palavra[s]. Ruy Belo.
Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor que se despeja no copo da vida, até meio, como se o pudéssemos beber de um trago. No fundo,como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na boca. Pergunto onde está a transparência do vidro, a pureza do líquido inicial, a energia de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa da alma suja de restos, palavras espalhadas num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez, esperando que o tempo encha o copo até cima, para que o possa erguer à luz do teu corpo e veja, através dele, o teu rosto inteiro.
"Plano". Nuno Júdice.
1 comentário:
muito bonitas estas citações...dois poetas cuja obra gosto bastante... o texto do ruy belo fala de uma coisa que me agrada bastante...uma espécie de condenação da palavra
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