quinta-feira, julho 12, 2007

Confessionário (47)

Querido Vítor,

Nem me recordo a última vez que escrevi tranquilamente como agora, sentada diante a mesa com minha caneta e bloco de anotações, completamente consciente e envolvida com o ato de comunicar algo. Ultimamente era ligar o computador e escrever direto na tela, coisa que abomino. Para mim, as palavras só fazem sentido quando as rabisco. I know, I’m oldfashioned.
Além disso, estive adoentada. Estou fazendo uma série de exames, mas acho que até o final de julho termino o tratamento. Sobrei isso depois te escrevo.
Sobre Lavoisier, parece que pelas bandas de cá do Atlântico as coisas transformam-se da pior maneira possível... numa música da Rita Lee (que o meu João adora, por motivos óbvios) , tem um refrãozinho que diz assim: “tudo vira bosta”. No Brasil, os donos do poder, os reis da corrupção têm o dom de Midas às avessas: tudo o que eles tocam, salvo raríssimas exceções, vira merda. Lavoisier aqui mostra seu lado putrefato, os cadáveres, em breve, transformar-se-ão em vermes. Tomara que pelo menos nessa forma, eles tenham alguma utilidade; que sirvam, ao menos, de adubo de boa qualidade.
Tirando o caos político (será que sobra alguma coisa?), minha vida nunca foi tão monotemática. Estudo para concursos, faço uma revisão aqui, outra acolá; presto serviços a uma pequena produtora de vídeo e para um instituto de pesquisa da Universidade de Brasília. Nas horas vagas, quando vagam, aperfeiçôo meus conhecimentos culinários. Quem sabe não abro um bistrô, hã?
Ontem, eu vi Sobre meninos e lobos, do Clint Eastwood. Filme bacana, meu amigo. Existe uma leitura à la Taine de que alguns aspectos de nossas vidas são determinados (e determinantes!) por experiências marcantes. Elas aderem à nossa pele e tornam-se as digitais da nossa alma. Acho que aí está contida a idéia acerca de uma das garrafas que lancei ao mar: não existem mais borboletas a bater asas. Há coisas definitivas, meu Vítor, e esta é uma delas. Terei que aprender esta emoção de outra maneira. Quem sabe não possa ouvir o som das asas de um beija-flor?
Sabe, tenho sentido tanta falta da Clarice Lispector. Sinto que ela me chama em som absolutamente audível. Eu digo que ela me espere, que tenha paciência e uma boa dose de compaixão par com meus neurônios, mas o chamado está cada vez mais freqüente.
Ah, deixa-me dizer-te de novo que estou exultante em vê-lo às voltas com A.G. Reler o De gênese tem sido um exercício gratificante... e no principio era o medo. Ah, Vítor, sempre o mesmo medo.
Tomei uma decisão e pretendo colocá-la em prática até o fim do ano, no mais tardar. Resolvi olhar o medo nos olhos e enfrentá-lo. Acredito que essa seja a única maneira de me libertar de uma vez por todas dos meus fantasmas do passado.
Esqueci de mencionar que no mês passado ganhei o 2° lugar num concurso literário que participei na categoria poesia. Foi uma alegria incrível, uma sensação de ser ouvida e entendida. Sentir que o que escrevo desperta algum interesse é algo reconfortante.
Ando um pouco farta da falta da polifonia, da incomunicabilidade. Não percebo interesse no debate das idéias, na troca de conhecimento. O mundo anda preocupado com outras questões. Não me agrada o fato de produzir vitrines tão somente, mas isso é assunto para outra conversa.
Desculpe se o confessionário de hoje mais parece uma carta, mas ando saudosa de uma boa correspondência, como se diz por aqui, de uma boa prosa.
Desculpe também meus longos intervalos. Sei bem que não me cobrar nada nem me fazes pressão, mas sinto-me em débito.
Querido, a noite já vai alta e preciso dormir.
Beijos,
Tua Lu.

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