O trem finalmente pára na estação.
A velha maria-fumaça gemeu sobre os trilhos por todo o percurso. Trezentos quilômetros de ranger de ossos.
Desço e o chefe da estação grita as boas-vindas. Ele ainda se veste como os antigos chef de gare do final do século XIX. Sua roupa não tem um único vinco, o quepe está impecável em sua cabeça, mas a estação está abandonada, tudo é só pó, paredes rachadas precisando de tinta. São Pedro das Missões parou no tempo. Todas as coisas têm cheiro de passado.
- Por favor, como faço para chegar até a cidade? Poderia me conseguir um táxi?
O chefe sorriu:
- Em São Pedro não temos táxi ou ônibus. Mas posso conseguir uma charrete.
Uma charrete!! Meu Deus, o povoado ainda usa charretes. Depois de trezentos quilômetros trepidando num trem ainda terei de agüentar uma boa meia hora numa carroça.
- Pois que seja.
- A dona não é daqui, vê-se logo. O que a traz a esse fim de mundo?
- Meu ofício.
Saquei da bolsa minha cadernetinha de anotações. Chico do táxi. Chico, segundo relatos da vovó, era o único do povoado que tinha carro. Um velho Ford amarelo que ele usava para prestar socorro aos moradores. Nunca cobrava pelos serviços.
- o que aconteceu com o Chico do táxi?
O homem arregalou os olhos como se tivesse visto uma assombração. Será que disse algo errado?
- O Chico morreu, dona. Faz três anos.
- Lamento muito. Deixe que eu me apresente. Sou Olívia, neta de Totonha, bisneta de D. Guidinha.
Pensei que o homem fosse morrer na minha frente. Ficou paralisado com uma estátua de sal.
- Minha avó contou-me muitas histórias daqui.
- Prazer, D. Olívia. Desculpe o espanto, mas tem tanto tempo.
- Eu sei. Estive aqui uma única vez. Eu tinha sete anos na época. Retive algumas coisas na memória e pelo que vejo, não mudou muito. Achei que fosse ter um impacto, mas sinto-me como a menina de sete anos.
- É, as coisas não mudaram muito mesmo. Vou chamar um moleque para levá-la até a cidade. A senhora deve está cansada.
- Estou mesmo. Diga-me, a pensão do Agenor ainda existe?
- Existe, sim.
- Tiziu, ó Tiziu vem cá, menino.
Tiziu era um garoto negrinho como a noite, mas tinha olhos enormes e um sorriso tão branco e largo que espantava qualquer medo ou receio. Porque devo confessar, estava receosa com os fantasmas que encontraria.
- Olá Tiziu. Eu sou Olívia. Poderia me deixar na pensão do Agenor?
- Posso, sim, dona. Tenho o cavalo mais rápido e valente daqui.
- Então, vamos.
- Tiziu, não vá em disparada. Não apronte nenhuma com a moça.
Ele amuou e murmurou um “tá bem” a contragosto. Agradeci ao chefe da estação. Quando a charrete ia adiantada, ele gritou:
- Esqueci de dizer, sou mestre Antônio.
Acenei com a mão e respondi.
- Eu sei.
Desço e o chefe da estação grita as boas-vindas. Ele ainda se veste como os antigos chef de gare do final do século XIX. Sua roupa não tem um único vinco, o quepe está impecável em sua cabeça, mas a estação está abandonada, tudo é só pó, paredes rachadas precisando de tinta. São Pedro das Missões parou no tempo. Todas as coisas têm cheiro de passado.
- Por favor, como faço para chegar até a cidade? Poderia me conseguir um táxi?
O chefe sorriu:
- Em São Pedro não temos táxi ou ônibus. Mas posso conseguir uma charrete.
Uma charrete!! Meu Deus, o povoado ainda usa charretes. Depois de trezentos quilômetros trepidando num trem ainda terei de agüentar uma boa meia hora numa carroça.
- Pois que seja.
- A dona não é daqui, vê-se logo. O que a traz a esse fim de mundo?
- Meu ofício.
Saquei da bolsa minha cadernetinha de anotações. Chico do táxi. Chico, segundo relatos da vovó, era o único do povoado que tinha carro. Um velho Ford amarelo que ele usava para prestar socorro aos moradores. Nunca cobrava pelos serviços.
- o que aconteceu com o Chico do táxi?
O homem arregalou os olhos como se tivesse visto uma assombração. Será que disse algo errado?
- O Chico morreu, dona. Faz três anos.
- Lamento muito. Deixe que eu me apresente. Sou Olívia, neta de Totonha, bisneta de D. Guidinha.
Pensei que o homem fosse morrer na minha frente. Ficou paralisado com uma estátua de sal.
- Minha avó contou-me muitas histórias daqui.
- Prazer, D. Olívia. Desculpe o espanto, mas tem tanto tempo.
- Eu sei. Estive aqui uma única vez. Eu tinha sete anos na época. Retive algumas coisas na memória e pelo que vejo, não mudou muito. Achei que fosse ter um impacto, mas sinto-me como a menina de sete anos.
- É, as coisas não mudaram muito mesmo. Vou chamar um moleque para levá-la até a cidade. A senhora deve está cansada.
- Estou mesmo. Diga-me, a pensão do Agenor ainda existe?
- Existe, sim.
- Tiziu, ó Tiziu vem cá, menino.
Tiziu era um garoto negrinho como a noite, mas tinha olhos enormes e um sorriso tão branco e largo que espantava qualquer medo ou receio. Porque devo confessar, estava receosa com os fantasmas que encontraria.
- Olá Tiziu. Eu sou Olívia. Poderia me deixar na pensão do Agenor?
- Posso, sim, dona. Tenho o cavalo mais rápido e valente daqui.
- Então, vamos.
- Tiziu, não vá em disparada. Não apronte nenhuma com a moça.
Ele amuou e murmurou um “tá bem” a contragosto. Agradeci ao chefe da estação. Quando a charrete ia adiantada, ele gritou:
- Esqueci de dizer, sou mestre Antônio.
Acenei com a mão e respondi.
- Eu sei.
2 comentários:
adorei o tom desta história e estou curioso com o que há-de vir... a atmosfera fez-me lembrar tanto o mia couto
Mia Couto?? Puxa, isso é que é elogio, meu Vítor!
Estou transformando em série este texto que tento tecer há muitos anos... são memórias ancestrais. Estou animada em voltar a dar vida a alguns personagens. Vejamos, vejamos.
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