segunda-feira, janeiro 29, 2007

a história que te conto (3)

falas-me no tom correcto
quando afirmas que esta
história tem o cheiro das
palavras em despedida.
no fundo é de um adeus
que se trata. não há mais
nada para além de uma mão
que acena (sem lenço branco)
à crença de que um homem
possa ser maior do que a
solidão. e quando te falava
do lugar de onde todos viemos
e ao qual regressamos sempre,
não era vontade minha ser
cruel, nem tão pouco absorver
o mundo com desesperança.
haja ou não fé, carregamos
quotidianamente o estigma
do ilhéu e não há amor que
nos salve… a não ser que o
mesmo amor possa existir
independente e se aproxime
daquilo que o homem provou
quando inventou a liberdade.
não é de ti que me despeço,
nem de mim, nem do meu
amor. despeço-me da ideia
de não existir só. apenas.
a poeta dizia que a ‘arte da
natureza pede o amor em
dois olhares.’ e não poderia
tê-lo dito mais correctamente:
a natureza pede o teu olhar
e pede o meu olhar. o meu
amor por ti exige-me que
eu possa olhar o mar contigo,
ainda que o meu mar seja
verde e o teu mar seja azul.
e verde seja a cor da minha
solidão e azul a cor da tua.

3 comentários:

Unknown disse...

o desapego? resignação? aceitação da fragil condição humana?

Vítor Leal Barros disse...

não sei se lhe chamaria desapego ou resignação... talvez seja uma constatação de que se ama em solidão, de que o amor não deve depender da existência do outro...ele é despertado através do outro, é-lhe entregue, mas o carburante somos nós somente, amando embrulhados na nossa solidão individual (e desculpa-me o pleonasmo, mas talvez existam solidões colectivas...;))

Luciana Melo disse...

Ah, meu Vítor, essa tua série sempre me faz refletir muito... as imagens correm na minha cabeça como um slide. Sim, como o Drummond disse: "eu te amo porque te amo". E pronto. Não existe muitas explicações ou teorias. Barthes fala-nos no seu Fragmento de um discurso amoroso que o amor pode vir por indução e depois de amar o objeto do nosso desejo, tudo está feito. Ele - o objeto - nem precisa esforçar-se tanto para ser amado. Ama-se perfeitamente em solidão e a solidão sem que com isso abracemos a infelicidade... por mais intensa que seja uma relação sempre fica uma lacuna... não é possível para o outro compreender tudo porque o amor, embora par, é uma experiência "solitária", pessoal e intransferível.