A tecnologia possibilitou que uma amizade honesta nascesse, crescesse e se materializasse, um ano depois, num abraço apertado, num acariciar de mãos, num olhar atento como um espelho cristalino, onde o amor, o carinho, a consideração se reflectiam sem disfarces, completamente nus perante a alma. Ver a Lu pela primeira vez em carne e osso, ali à minha frente, não me causou estranheza nenhuma… eu já a conhecia, eu sabia bem dentro de mim como era o seu sorriso, o seu olhar, o seu choro… eu já conhecia tudo sem nunca ter visto. Tocar a Lu foi única e exclusivamente uma confirmação de que aquilo que existia nos nossos corações era absolutamente real, mais verdadeiro do que muitos olhares que cruzamos diariamente com amigos, familiares ou colegas de trabalho.
Numa conversa que tivemos em Brasília decidimos que o Sincronicidade continuaria como o nosso ponto de encontro e que tencionávamos mantê-lo até nos ser completamente impossível o contrário. Por isso vão ter de gramar connosco durante muitos, muitos anos. Não seremos atacados por artrites ou artroses tão cedo!
Para celebrar a nossa amizade e este primeiro ano do Sincronicidade prestamos uma homenagem às nossas mãos; elas que imprimem no teclado ou na caneta as notícias de cá e de lá, os desabafos, as alegrias, as angústias, elas que constroem este diálogo assiduamente respondido e compartilhado, elas que se tocaram ainda há poucos dias e registaram na pele a imensa amizade que nos une.
Obrigado Lu por tudo, obrigado mesmo.
"MONÓLOGO DAS MÃOS"
Giuseppe Ghiaroni
Para que servem as mãos?
As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever... As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário; Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena; foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos David agitou a funda que matou Golias; as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte! Foi com as mãos que Judas pos ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram. A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar. Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva. Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros. O autor do «Homo Rebus» lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem. Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas. A mão aberta, acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada mostra a força e o poder; empunha a espada a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes; da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza. Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos. O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade. O noivo para casar-se pede a mão de sua amada; Jesus abençoava com as mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes. Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias. E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem. Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino. E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida. E as mãos dos amigos nos conduzem...
E as mãos dos coveiros nos enterram!
“MÃOS DADAS”
Carlos Drummond de Andrade
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
5 comentários:
Bela declaração, estimado Vítor... Deixaste muitas saudades aqui na Terra Brasillis, mas tenho a mais firme certeza que a beleza, a força e a poesia deste admirável espaço servirá (e serve, já!) de amálgama para ponte da amizade que se estende além-mar, até aí... Um fraternal abraço...
De nada, meu Vítor. De nada.
Nas nossas bodas de ouro quero a foto das nossas mãos sulcadas... elas serão a prova de que o tempo não apenas deteriora, mas constrói afetos verdadeiros.
Parbéns, e fico contente com esse encontro de mãos e almas. Boa continuação.
Obrigada a todos e estou feliz por saber que continuam a querer participar do relato dessa amizade.
Beijo grande.
Mila, minha eloqüente Mila?
Beijo
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