Ontem, depois de publicar 'a história que te conto', vinham-me sucessivamente à cabeça os personagens das narrativas de Bill Henson. Quando olhamos os rostos pálidos iluminados ao jeito de Caravaggio e perdidos no meio da escuridão, cresce-nos uma sensação de alienação, de deriva, de seres errando absolutamente sós. Na primeira vez que me deparei com as imagens do artista australiano foi esse cenário cinematográfico que me ficou na memória: rapariguinhas frágeis e desprotegidas, alienadas, entregues à sorte que a noite na sua perversidade fosse capaz de lhes oferecer. Olhava-as como se a sua solidão tivesse sido obra do destino, casual, como se ao final da tarde errassem o caminho de regresso a casa e a noite as engolisse e as levasse para a escuridão do bosque. Via-as perdidas, desprotegidas, expostas a penas e perigos que rapariguinhas daquela idade não podem suportar. Depois de escrever o último texto lancei-me ao site para rever as imagens e apercebi-me de que a minha primeira análise estava completamente errada. A solidão daquelas rapariguinhas assemelha-se muito à ideia de solidão que eu queria fazer transparecer naquele texto. Não é uma solidão alienada, aterrorizada, que transforma em vítima quem, ou o que se perdeu. É antes uma solidão activa, assumida, de alguém que entra na noite à procura de se redescobrir, de testar em si a amplitude dos seus próprios limites. Não é uma mulher abusada entregue ao desespero e à solidão que vejo na imagem em baixo, mas antes uma outra, que na sua solidão deseja o abuso e o desespero. O desenho dos seus lábios parece dizer-me que se trata de uma escolha tranquila.
Untitled #7, 2005/06, Bill Henson
1 comentário:
Solidão realmente é algo que conheço bem e posso afirmar que isso não queria nem mesmo ter concimento. Mas porém, não me restaram opções, então agora é apenas deixar acontecer e não sei se espero por dias melhores, não mais... :(
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