As críticas que li sobre o filme ‘Babel’ do mexicano Alejandro González Iñárritu (o mesmo realizador de ’21 gramas’) são, na sua grande maioria, muito más (no sentido de desfavoráveis ao filme) e consensuais entre os críticos da imprensa portuguesa. Transversalmente, os argumentos de uns e outros tocam-se, muito resumidamente: abordagem pouco pertinente relativa aos malefícios da globalização, três histórias paralelas que se entrelaçam muito forçadamente, lugares comuns e estereotipados de cenários e personagens (parafernália asiática, folclore mexicano, exibicionismo barato, os árabes ‘bonzinhos’, a repressão policial ocidental, etc etc), uma série de outros argumentos que não adianta agora estar aqui a enunciar… ainda assim corri o risco de ir ver o filme.
Ao sair do cinema e apesar do aviso dos críticos relativamente à mensagem política sobre os malefícios da globalização, apresentada por eles como uma visão panfletária e pouco imaginativa por parte do realizador, eu não vi mais para além de uma narrativa que questiona sobretudo a problemática da Comunicação ou da falta dela. Mais do que um choque entre sociedades e culturas intrinsecamente diferentes eu deparei-me com personagens bloqueados em si mesmos, sozinhos, e com imensa dificuldade em fazerem-se comunicar àqueles que lhes são mais próximos apesar de partilharem o mesmo código social e cultural: dois irmãos que não comunicam por disputarem liderança no seio da família, um pai que não sabe como chegar ao coração da filha que se afunda em solidão por não conseguir comunicar os seus impulsos e desejos às pessoas da mesma geração, um casal que procura restabelecer contacto numa viagem exótica, um patrão que não aceita o pedido da empregada para assistir ao casamento do filho, um sobrinho que por medo não escuta a tia… É certo que Babel tem como pano de fundo o choque entre culturas distintas acelerado pelos efeitos da tecnologia e da globalização, mas creio que Iñárritu quer sobretudo fazer-nos reflectir sobre a falta de comunicação a uma escala, digamos, mais doméstica: quando não escutamos e não somos escutados pelo nosso interlocutor mais próximo como poderemos nós compreender alguém com origens e valores completamente distintos dos nossos? Se repararmos no acontecimento que desencadeia toda a narrativa, o disparo contra o autocarro, ele nasce exactamente da falta de comunicação entre os dois irmãos marroquinos que lutam entre si por uma espécie de liderança moral da família e não de um simples ‘entretenimento’ de crianças aborrecidas com o trabalho de levar as ovelhas a pastar para a montanha como nos faz crer Mário Jorge Torres no Público. É a partir desse episódio e das sucessivas falhas de comunicação entre personagens que os acontecimentos atingem a proporção desequilibrada que assistimos ao longo da história, ampliada na mesma medida em que a distância cultural se vai impondo e fazendo sentir.
Durante o filme lembrei-me muitas vezes de ‘O Estrangeiro’ de Camus (ainda de leitura fresca), tudo parece apresentar um grau de casualidade absurda: um impulso momentâneo tem força suficiente para condenar uma vida (no caso do filme, muitas vidas).
‘Babel’ não é um filme excelente, mas também não é a narrativa simplista e demagógica que apregoam. É preciso ler nas entrelinhas.
Ao sair do cinema e apesar do aviso dos críticos relativamente à mensagem política sobre os malefícios da globalização, apresentada por eles como uma visão panfletária e pouco imaginativa por parte do realizador, eu não vi mais para além de uma narrativa que questiona sobretudo a problemática da Comunicação ou da falta dela. Mais do que um choque entre sociedades e culturas intrinsecamente diferentes eu deparei-me com personagens bloqueados em si mesmos, sozinhos, e com imensa dificuldade em fazerem-se comunicar àqueles que lhes são mais próximos apesar de partilharem o mesmo código social e cultural: dois irmãos que não comunicam por disputarem liderança no seio da família, um pai que não sabe como chegar ao coração da filha que se afunda em solidão por não conseguir comunicar os seus impulsos e desejos às pessoas da mesma geração, um casal que procura restabelecer contacto numa viagem exótica, um patrão que não aceita o pedido da empregada para assistir ao casamento do filho, um sobrinho que por medo não escuta a tia… É certo que Babel tem como pano de fundo o choque entre culturas distintas acelerado pelos efeitos da tecnologia e da globalização, mas creio que Iñárritu quer sobretudo fazer-nos reflectir sobre a falta de comunicação a uma escala, digamos, mais doméstica: quando não escutamos e não somos escutados pelo nosso interlocutor mais próximo como poderemos nós compreender alguém com origens e valores completamente distintos dos nossos? Se repararmos no acontecimento que desencadeia toda a narrativa, o disparo contra o autocarro, ele nasce exactamente da falta de comunicação entre os dois irmãos marroquinos que lutam entre si por uma espécie de liderança moral da família e não de um simples ‘entretenimento’ de crianças aborrecidas com o trabalho de levar as ovelhas a pastar para a montanha como nos faz crer Mário Jorge Torres no Público. É a partir desse episódio e das sucessivas falhas de comunicação entre personagens que os acontecimentos atingem a proporção desequilibrada que assistimos ao longo da história, ampliada na mesma medida em que a distância cultural se vai impondo e fazendo sentir.
Durante o filme lembrei-me muitas vezes de ‘O Estrangeiro’ de Camus (ainda de leitura fresca), tudo parece apresentar um grau de casualidade absurda: um impulso momentâneo tem força suficiente para condenar uma vida (no caso do filme, muitas vidas).
‘Babel’ não é um filme excelente, mas também não é a narrativa simplista e demagógica que apregoam. É preciso ler nas entrelinhas.
Adriana Barraza, 'Babel' (2006), Alejandro González Iñárritu
2 comentários:
eu adorei o filme, adorei aquela explosão de hormonas saltitantes da adolescente japoneza (na sua imensa solidão) e tb quando a mulher marroquina, com uma cara q parece a morte dá um linitivo à outra mulher! Gostei mesmo!
Caro Vítor:
Ainda não assisti ao filme, o que está nos meus planos para breve. Achei extremamente pertinente o seu ponto do vista com relação a ele, em contraposição ao que a crítica vem apregoando. De fato, muita coisa depende da ótica do observador, e da carga aque ele quer dar à sua pena. Depois lhe digo o que achei, ok?
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