quinta-feira, fevereiro 02, 2006

O Diário de G.H.

Aos parcos leitores

Este diário não é um estudo, não é uma erudição, sua única pretensão é confrontar impressões, estabelecer um diálogo íntimo de alma para alma; ele é apenas a descoberta fulgurante das minhas entranhas, proporcionada pelas repetidas leituras d’A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector.

V.


Numa madrugada qualquer de agosto

Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares?
Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto.
O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomariam-me por uma aberração?
Elas não podem me achar, então eu vivo a árdua tarefa de perder-me diuturnamente como no jogo de esconde-esconde. Qualquer hora dessas vou perder-me de tal modo que não mais serei capaz de fazer minha montagem humana. Tropeçarei nas pernas, trocarei os pares de braços e não saberei a quem pertenço. Fecharei meus muitos olhos porque a sobreposição de imagens fatigam minha visão e eu tenho medo das inúmeras verdades que testemunho. Selarei meus lábios para que as vozes não se confundam. É preciso esperar que todas elas adormeçam para que eu possa viver uma vida de cada vez, caso contrário, os anos pesarão sobre meus ombros e antes de envelhecer eu preciso me saber, preciso ordenar os ciclos individuais até tornar-me pessoa.


4 comentários:

Vítor Leal Barros disse...

tive sempre a sensação, depois de missivas, que V. sobreviveria... (LM é sangue V. destino)

Lu disse...

Por certo que V. cruzou o meu destino e bombeou sangue nas minhas veias... tomou-me de assalto.

Vítor Leal Barros disse...

a nossa menina querida, a nossa claudinha veio visitar-nos... um beijo enorme e adorei o teu comentário

Lu disse...

Claudia, sinto-me bem assim como disseste... há dias em que quero rasgar a pele para ver se reconheço as outras por baixo de mim.
Beijos, querida.