quinta-feira, novembro 23, 2006

Preâmbulo (1)

Antes de responder ao confessionário, vou transcrever aqui fragmentos do Avalovara. Acho que além da riqueza da leitura e da oportunidade de apresentar o escritor pernambucano, ajudará na organização das idéias do que vem a seguir.

S A ESPIRAL E O QUADRADO 3

Desenhai, com o auxílio de um compasso, se é de vossa índole ser cuidadoso, ou à mão livre, se tendeis para as soluções mais fáceis, uma espiral. Atentai, com cuidado, para as extremidades da linha, a anterior e a exterior. Vereis, ao primeiro olhar, que a espiral não nos transmite uma impressão estática: parece-nos, antes, vir de longe, de sempre, tendendo para os centros, seu ponto de chegada, seu agora; ou ampliar-se, desenvolver-se em direção a espaços cada vez mais vastos, até que a nossa mente não mais a alcance. A verdade é que, se a seccionamos nas extremidades, arbitrariamente o fazemos; fazendo-o, guardamo-nos da loucura. Nem a eternidade bastaria para chegarmos ao término da espiral – ou sequer ao seu princípio. A espiral não tem começo nem fim.
A um olhar mais cândido, o que dissemos merece reparos. A espiral seria infinda em seu exterior; interiormente, porém, há os centros onde ela termina – ou se inicia. Tal pensamento demanda retificação. Somos nós que impomos limite, em ambas as extremidades, para a espiral. Idealmente, ela começa no Sempre e o Nunca é o seu termo. Com o que chegamos a uma conclusão ainda menos trivial que as anteriores, a saber: embora a vejamos traçada, no papel, em direções opostas, suas extremidades (se realmente existem) em algum ponto misterioso, inacessível à nossa compreensão empedrada, haverão de encontrar-se, exatamente como o círculo, representação bem menos equívoca e perturbadora. Como, então, fazer repousar a arquitetura de uma narrativa, objeto limitado e propenso ao concreto, sobre uma entidade ilimitada e que nossos sentidos, hostis ao abstrato, repudiam?


S A ESPIRAL E O QUADRADO 4

Sendo a espiral infinita, e limitada as criações humanas, o romance inspirado nessa figura geométrica aberta há que socorrer-se de outra, fechada – e evocadora, se possível, das janelas, das salas e das folhas de papel, espaços com limites preciosos, nos quais transita o mundo exterior ou dos quais o espreitamos. A escolha recai sobre o quadrado: ele será o recinto, o âmbito do romance, de que a espiral é força motriz.
Concebei, pois, uma espiral que vem de distâncias impossíveis, convergindo para um determinado lugar (ou para um momento determinado). Sobre ela, delimitando-a em parte, assentai um quadrado. Sua existência para além dessa área não será tomada em consideração: aí, somente aí, é que regerá com o seu vertiginoso giro a sucessão dos temas constantes do romance. Pois o quadrado, será divido em outros tantos, idealmente iguais entre si. E a passagem da espiral, sucessivamente, sobre cada um, determinará o retorno cíclico dos temas neles esparsos, do mesmo modo que a entrada da Terra nos signos zodiacais pode gerar, segundo alguns, mudanças na influência dos outros sobre as criaturas. Coincidirão, aduzamos, o centro do quadrado e os centros da espiral, ou seja, o ponto imaginário onde – supondo que seja traçada de fora para dentro – arbitrariamente a interrompemos. Tais os fundamentos da presente obra.
Outros pormenores, a seu tempo, serão acrescentados. Por ora, temos de sustar esta exposição, forçado pela rigidez do plano há mais de dois mil anos estabelecido. Vindo a nossa espiral do exterior, são cada vez menores os seus giros. Inversamente, por uma necessidade de simetria e de equilíbrio na concepção, ampliará sempre o construtor da obra, em progressão aritmética, o espaço concedido, cada vez, aos vários temas do livro, controlados no ritmo de seus reaparecimentos e na extensão dos textos a eles referentes. A caprichosa ampliação desses temas constitui uma espécie de réplica, às avessas, daquela espiral que se fecha. Serão eles, a seu modo, espirais que se abrem ou cones que se alargam. Exercerá assim o construtor uma vigilância constante sobre o seu romance, integrando-o num rigor só outorgado, via de regra, a algumas formas poéticas.

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