Estar de volta a São Pedro da Missões trazia-me antigas recordações. Não a mim exatamente, mas à Olívia da minha infância, a menina que testemunhou diversas histórias sem entendê-las muito bem.
Havia mais do que as lembranças de vestidos e passeios, das mãos hábeis de vovó Totonha e de sua força. Havia também a “loucura” de tia Margarida, a fragilidade das figuras masculinas – vovô Nico, tio Tatá e o meu próprio pai.
Ah, tinha também D. Lola, minha bisa! O ano que morei em São Pedro foi o primeiro e último do nosso convívio. Eu lembro-me tão bem de seus cabelos de nuvem – branquinhos e longos, muito longos. Eu passava a tarde a penteá-los e depois os trançava. Ela dormia na cadeira de balanço enquanto eu fiava suas madeixas. Bisa Lola estava quase sempre dormindo, rezando ou comendo. Quando morreu, pesava mais de cem quilos e tinha uns noventa anos.
Certo dia, vovó Totonha pediu que eu a acordasse para lanchar. Chamei e ela não respondeu. Brinquei nas suas tranças e ela lá, imóvel. Cutuquei e seu corpo estava gelado. Não demorei a perceber que o sono que dormia não era somente profundo, mas eterno. Foi então que descobri que a morte é fria e silenciosa.
Gritei por mamãe e vovó. Pedi que acudissem. Até tia Margarida veio ver o motivo de tanto barulho. Ao perceber o que acontecia ficou trêmula num cantinho da sala, repetindo sem parar, numa voz débil e baixa: “deixem a mamãe dormir”.
Vovô não estava em casa. Mamãe e vovó carregaram a bisa até o quarto. Foi grande a confusão. Mamãe não sabia o que fazer primeiro e numa rapidez incrível, deu o remédio de tia Margarida e depois fez com que deitasse; puxou minha mão e disse-me para subir na bicicleta e trazer ajuda.
Vovó Totonha não verteu lágrima, ficou firme o tempo todo. Com a ajuda de mamãe deu banho e vestiu a mortalha na bisa, puxou a reza, encabeçou o cortejo até o cemitério. Mais atrás, as mulheres carpideiras seguiam os homens. Foram necessários seis deles para carregar o caixão.
Depois de tudo, três coisas nunca saíram da minha memória: o cheiro de lavanda na casa, Tia Margarida na chuva e claro, a primeira vez que vi Vovó Totonha chorar.
Havia mais do que as lembranças de vestidos e passeios, das mãos hábeis de vovó Totonha e de sua força. Havia também a “loucura” de tia Margarida, a fragilidade das figuras masculinas – vovô Nico, tio Tatá e o meu próprio pai.
Ah, tinha também D. Lola, minha bisa! O ano que morei em São Pedro foi o primeiro e último do nosso convívio. Eu lembro-me tão bem de seus cabelos de nuvem – branquinhos e longos, muito longos. Eu passava a tarde a penteá-los e depois os trançava. Ela dormia na cadeira de balanço enquanto eu fiava suas madeixas. Bisa Lola estava quase sempre dormindo, rezando ou comendo. Quando morreu, pesava mais de cem quilos e tinha uns noventa anos.
Certo dia, vovó Totonha pediu que eu a acordasse para lanchar. Chamei e ela não respondeu. Brinquei nas suas tranças e ela lá, imóvel. Cutuquei e seu corpo estava gelado. Não demorei a perceber que o sono que dormia não era somente profundo, mas eterno. Foi então que descobri que a morte é fria e silenciosa.
Gritei por mamãe e vovó. Pedi que acudissem. Até tia Margarida veio ver o motivo de tanto barulho. Ao perceber o que acontecia ficou trêmula num cantinho da sala, repetindo sem parar, numa voz débil e baixa: “deixem a mamãe dormir”.
Vovô não estava em casa. Mamãe e vovó carregaram a bisa até o quarto. Foi grande a confusão. Mamãe não sabia o que fazer primeiro e numa rapidez incrível, deu o remédio de tia Margarida e depois fez com que deitasse; puxou minha mão e disse-me para subir na bicicleta e trazer ajuda.
Vovó Totonha não verteu lágrima, ficou firme o tempo todo. Com a ajuda de mamãe deu banho e vestiu a mortalha na bisa, puxou a reza, encabeçou o cortejo até o cemitério. Mais atrás, as mulheres carpideiras seguiam os homens. Foram necessários seis deles para carregar o caixão.
Depois de tudo, três coisas nunca saíram da minha memória: o cheiro de lavanda na casa, Tia Margarida na chuva e claro, a primeira vez que vi Vovó Totonha chorar.
1 comentário:
e eu vou construindo na cabeça esse imaginário
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