Pouso "Sinais de Fogo" após o fim da terceira parte. E vem-me o pressentimento de que na poesia poderia encontrar pistas para entender a confusão que vai na alma de Jorge, o personagem. Aleatoriamente abro a "Antologia Poética" e, com surpresa, vejo legitimado o que tenho escrito em "De preferência sem palavras", um poema que remata e dá por terminada a série:
A Miséria das Palavras
Não: não me falem assim na miséria, nos pobres,
na liberdade.
Se a miséria e a pobreza
fossem o vómito que deviam ser posto em palavras,
a imaginação possuída e vomitada que deviam ser,
viria a liberdade por acréscimo,
sem palavras, sem gestos, sem delíquios.
Assim, apenas se fala do que não se fala,
apenas se vive o que não se vive,
apenas liberdade é uma miséria
sem nome, sem futuro, sem memória.
E a miséria é isso: não imaginar
o nome que nome que transforma a ideia em coisa,
a coisa que transforma o ser em vida,
a vida que transforma a língua em algo mais
que o falar por falar.
Falem. Mas não comigo. E sobretudo
sejam miseráveis, e pobres, sejam escravos,
no silêncio que à linguagem faz
imaginar-se mais que o próprio mundo.
Jorge de Sena
Obras de Jorge de Sena, Antologia Poética (Asa)
Não: não me falem assim na miséria, nos pobres,
na liberdade.
Se a miséria e a pobreza
fossem o vómito que deviam ser posto em palavras,
a imaginação possuída e vomitada que deviam ser,
viria a liberdade por acréscimo,
sem palavras, sem gestos, sem delíquios.
Assim, apenas se fala do que não se fala,
apenas se vive o que não se vive,
apenas liberdade é uma miséria
sem nome, sem futuro, sem memória.
E a miséria é isso: não imaginar
o nome que nome que transforma a ideia em coisa,
a coisa que transforma o ser em vida,
a vida que transforma a língua em algo mais
que o falar por falar.
Falem. Mas não comigo. E sobretudo
sejam miseráveis, e pobres, sejam escravos,
no silêncio que à linguagem faz
imaginar-se mais que o próprio mundo.
Jorge de Sena
Obras de Jorge de Sena, Antologia Poética (Asa)
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