"O que eu estava descobrindo era terrível, muito mais terrível do que a descoberta que o Rodrigues fizera, diante de mim, da natureza do mal, que era não existir. Os acontecimentos não tinham 'causa', as pessoas não tinham 'motivações'. Aqueles e estas recebiam uma causalidade 'à posteriori'. E, quando provocávamos, voluntária ou involuntariamente, acontecimentos, não o fazíamos por vontade própria, nem levados por uma fatalidade qualquer. Só a ideia de causalidade é que criava o dilema da autonomia ou da fatalidade. Onde não há causas, nem motivações, não há relação necessária entre o gesto que desencadeia e o processo desencadeado. Se o passado de uma pessoa a condiciona para proceder desta ou daquela maneira, nestas ou naquelas circunstâncias, condiciona-a igualmente para proceder de maneira exactamente contrária. E os acontecimentos, no seu encadearem-se, tanto podiam ser entendidos na ordem por que aconteciam, como de trás para diante. (...) Não havendo causas nem motivações de nada, tudo se passava como se cada qual fosse o responsável exclusivo de coisas que não tinha a mínima responsabilidade. E este estava sendo o sentido da vida. Daí que eu, mesmo à custa de outros, pudesse fazer dela o que me apetecesse, desde que aceitasse como parte do meu apetite as consequências dele que, imprevisivelmente, desabassem sobre mim." (pág. 236)
Sinais de Fogo (Público), Jorge de Sena
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