De agora em diante, tudo o que é exterior a mim me é estranho. Neste mundo, não tenho mais próximo, nem semelhantes, nem irmãos. Estou na terra como num planeta estranho, onde teria caído daquele em que habitava. Se ao meu redor reconheço alguma coisa, são apenas objetos aflitivos e dilacerantes pra o meu coração e não posso olhar o que me toca e me envolve sem encontrar sempre algum motivo de desdém, que me indigna, ou de dor, que me aflige. Afastemos, portanto, de meu espírito, todos os objetos penosos com os quais me ocuparia tão dolorosa quanto inutilmente. Sozinho pelo resto de minha vida, posto que somente em mim encontro a consolação, a esperança e a paz, não devo nem quero mais ocupar-me senão comigo mesmo. É nesse estado que retomo a continuação do exame severo e sincero que outrora chamei minhas Confissões. Consagro meus últimos dias a estudar-me a mim mesmo e a preparar de antemão as contas que não tardarei a dar de mim mesmo. Entreguemo-nos inteiramente à doçura e conversar com minha alma, já que é a única coisa que os homens não me podem tirar. Se, à força de refletir sobre minhas disposições interiores, consigo pô-las em melhor ordem e corrigir o mal que nelas pode ter ficado, minhas meditações não serão inteiramente inúteis e embora não sirva mais para nada na terra, não terei perdido completamente meus últimos dias. Os lazeres de minhas caminhadas diárias foram freqüentemente preenchidos por contemplações encantadoras das quais tenho o desgosto de ter perdido a lembrança. Fixarei pela escrita as que ainda poderei ter; cada releitura me devolverá sua alegria. Esquecerei minhas infelicidades, meus perseguidores, meus opróbrios, pensando na recompensa que merecera meu coração.
"Primeira Caminhada", in Os devaneios do caminhante solitário.
Jean-Jacques Rousseau.
1 comentário:
tout droit maintenant... il faut savoir entendre
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