"Que tinha eu com aquilo tudo? Nada. Mas este nada é que era o tudo, como compreendi. O não ter-se nada em comum, senão as circunstâncias que nos juntam, é que é a verdadeira sujeição mútua. Muito maior e mais profunda que a que me ligava à família, aos companheiros de sempre, a tudo o que sempre tivera um lugar marcado e habitual na minha vida. Tudo isto não é a nossa vida, mas o pretexto em que nos refugiamos, para não sermos atacados por ela. A nossa vida é esse ataque vindo de fora, por mãos ocasionais, e que, descobrindo-nos que não somos 'nós próprios' (com tudo o que, à nossa volta, nos dá essa segurança unitária), nos obriga a reconhecermo-nos 'nós outros', 'nós multiplos', conforme as ocasiões e conforme as circunstâncias. Eu não era eu, mas o eu-Mercedes, eu-Rodrigues, eu-Macedos, eu e toda a gente que não fosse um passado sem tempo nem acontecimentos." (pág. 312)
Sinais de Fogo (Público), Jorge de Sena
1 comentário:
Ah, meu Vitor
Nem eu sou eu. Somos tantos, múltiplos, sujeitos compostos de orações (para sempre) inacabadas.
Beijo, vou te lendo devagar.
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