quinta-feira, abril 13, 2006

este infelizmente não está no CCB


"As Duas Fridas", 1939, Frida Kahlo
Confesso que fiquei um pouco desapontado com a exposição da Frida Kahlo do CCB, primeiro pela quantidade mínima de obras expostas, colmatada por uma série de fotografias mais ou menos interessantes do quotidiano da pintora. Esperava encontrar no CCB uma verdadeira retrospectiva, o que não aconteceu, apesar da produção artística pouco numerosa da artista e, provavelmente, não tão complicada de reunir.
Talvez o aspecto mais singular na obra de Frida, e que me estimula a curiosidade, tenha relação com a componente narcísica da sua arte. Frida é a pintora dos auto-retratos. Nenhum outro artista (à excepção de Warhol e de alguns artistas contemporâneos dos quais saliento a Nan Goldin) se usou continuamente como o objecto central da sua obra. Frida fá-lo constantemente ao longo da vida e desde muito cedo. Os auto-retratos sucedem-se desde a adolescência até ao período de doença que antecedeu a sua morte prematura.
Talvez o ponto fulcral da obra de Frida se situe no fazer da sua existência uma obra de arte, e menos na expressividade da sua pintura, na inserção ou não da sua obra no contexto surrealista ou mesmo na dureza, força e agressividade dos seus trabalhos. O que Frida acrescenta à arte universal é exactamente a transformação do artista no seu próprio produto artístico. Se ampliarmos o sentido desta interpretação, o conceito parece querer dizer-nos que, a vida, enquanto experiência individual de cada um, pode, por si só, ser considerada uma obra de arte. A Nan Goldin será na contemporaneidade o exemplo por excelência do que acabo de dizer. O seu trabalho não é mais do que a sua vida, ele resume-se (e este resume-se é complexo, extenso e ambíguo) a comunicar com o espectador um testemunho da sua experiência individual. Frida, terá sido, nesse sentido, uma artista pioneira.
Lamento não ter tido oportunidade de fazer na exposição um exercício que já me obriguei com reproduções dos quadros de Frida Kahlo, e que, consistiu em colocar todos os seus auto-retratos (e são bastantes) por ordem cronológica analisando detalhadamente cada um deles, tentando perceber a narrativa que eles criam entre si. Dessa análise fica a certeza de que a densidade e complexidade dos trabalhos aumenta à medida que nos aproximamos do fim da vida da autora, o que me leva a concluir que qualquer vida transformada em arte é tão ou mais interessante e valiosa quanto mais experiências se encontram a ela associadas. A idade sem dúvida que desempenha um papel fundamental quando analisadas as coisas por este prisma.
Não sei se me fiz entender? Se fiz, então é tudo.

1 comentário:

Dinamene disse...

Excelente, Vítor.