Decidi anotar o que me vai contando. Esta voz murmura-me há mais de quatro ou cinco anos. Não sei bem explicar como tudo aconteceu, sei que foi depois de um filme. Foi numa daquelas noites de ócio em que vamos deixando absorver-nos pela televisão. O filme era alemão e eu não sei o nome. Não sei quem realizou. Não sei quem eram os actores. Não sei nada sobre o filme. Sei somente que aquela mulher é esta voz, e sei que é essa voz que conta toda a história.
No filme ela era apaixonada por um poeta, e o poeta continua na história que me conta. Aparece um rapaz do local onde me fala, alguém com quem ela simpatiza, alguém com quem ela se identifica, um ser que atenua a sua solidão. Do local onde me fala só vem o rapaz, o resto está vazio. É como se existisse no vazio vestida de seda vermelha, sentada num banco tosco, um banco e não uma cadeira, um banco sem costas e tosco, daqueles como já não há nas aldeias e que costumavam colocar-se em redor do borralho. Ela está tranquila, fala sem raiva, não há ódio nas suas palavras. Fala sempre pausadamente, tranquilamente. Apesar da serenidade, nem tudo o que diz é tranquilo. Há episódios que lembrados criam frio na barriga de tão cruéis que são. Há no seu discurso uma espécie de justiça implacável, como se fizesse da língua uma balança. Se fosse necessário colocar a morte num dos pratos, ela não hesitaria… ela faz-se respeitar dessa maneira. Ela diz-me que pagar ou cobrar o que se deve, é o único ensinamento válido das vidas que teve. Eu não sei se é assim, mas admiro a sua coragem. Continua lá, serena, sentada no banco de madeira tosco, vestida de seda vermelha, imperturbável a contar-me a sua história.
Foi depois do filme, que nem sei o nome, quando ela me falou pela primeira vez. Sem tirar qualquer nota da ficha técnica (ainda hoje não sei porque deixei escapar essa informação, eu costumo anotar nos cadernos as coisas que me marcam), eu escrevi apenas:
conheço-te as sedas, prevejo nelas a tua morte. escuto o teu impulso descontrolado e talvez porque entre em ti percebo a ausência do poema. olho-te naquele rio, fria, tremendo por compaixão, iluminando sem forças a luta que te fez resistir nas décadas do nada. morreste feliz, tal como eu morrerei, porque acreditaste em tudo – no branco, no liso, na água e no vento. ele sofreu no dia em que caíste. lembrou-se do casaco enrugado. não. da mortalha enrugada.
Talvez a ficha técnica do filme não sirva para nada. Talvez a informação necessária tenha sido esse texto que escrevi na altura. Tudo o resto parece acessório e dispensável ao decorrer da história. Esforcei-me durante algum tempo na pesquisa desses elementos, em vão… nem um registo nas grelhas televisivas. Nada, absolutamente nada. Não vou, nem devo procurar mais. Ela disse-me que tudo deveria ser assim.
No filme ela era apaixonada por um poeta, e o poeta continua na história que me conta. Aparece um rapaz do local onde me fala, alguém com quem ela simpatiza, alguém com quem ela se identifica, um ser que atenua a sua solidão. Do local onde me fala só vem o rapaz, o resto está vazio. É como se existisse no vazio vestida de seda vermelha, sentada num banco tosco, um banco e não uma cadeira, um banco sem costas e tosco, daqueles como já não há nas aldeias e que costumavam colocar-se em redor do borralho. Ela está tranquila, fala sem raiva, não há ódio nas suas palavras. Fala sempre pausadamente, tranquilamente. Apesar da serenidade, nem tudo o que diz é tranquilo. Há episódios que lembrados criam frio na barriga de tão cruéis que são. Há no seu discurso uma espécie de justiça implacável, como se fizesse da língua uma balança. Se fosse necessário colocar a morte num dos pratos, ela não hesitaria… ela faz-se respeitar dessa maneira. Ela diz-me que pagar ou cobrar o que se deve, é o único ensinamento válido das vidas que teve. Eu não sei se é assim, mas admiro a sua coragem. Continua lá, serena, sentada no banco de madeira tosco, vestida de seda vermelha, imperturbável a contar-me a sua história.
Foi depois do filme, que nem sei o nome, quando ela me falou pela primeira vez. Sem tirar qualquer nota da ficha técnica (ainda hoje não sei porque deixei escapar essa informação, eu costumo anotar nos cadernos as coisas que me marcam), eu escrevi apenas:
conheço-te as sedas, prevejo nelas a tua morte. escuto o teu impulso descontrolado e talvez porque entre em ti percebo a ausência do poema. olho-te naquele rio, fria, tremendo por compaixão, iluminando sem forças a luta que te fez resistir nas décadas do nada. morreste feliz, tal como eu morrerei, porque acreditaste em tudo – no branco, no liso, na água e no vento. ele sofreu no dia em que caíste. lembrou-se do casaco enrugado. não. da mortalha enrugada.
Talvez a ficha técnica do filme não sirva para nada. Talvez a informação necessária tenha sido esse texto que escrevi na altura. Tudo o resto parece acessório e dispensável ao decorrer da história. Esforcei-me durante algum tempo na pesquisa desses elementos, em vão… nem um registo nas grelhas televisivas. Nada, absolutamente nada. Não vou, nem devo procurar mais. Ela disse-me que tudo deveria ser assim.
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