"Entre todos estes quadros, a Hélène Fourment nua do Museu de Viena nos persegue, por razões mais pictóricas do que eróticas. Muitos pintores haviam mostrado sem véus a sua mulher ou amante, mas os motivos e as decorações mitológicas (como muitas vezes no próprio Rubens) colocavam essas deusas num Olímpo de convenção. Sobretudo, nos mestres do desenho e do contorno, a linha ideal à volta de um corpo nu vestia-o, por assim dizer. Desta vez, trata-se menos de um corpo do que de carne. Esta mulher quente e húmida parece sair de um banho ou de uma alcova. O seu gesto é o de uma pessoa que, ouvindo bater à porta, deita ao acaso a primeira coisa sobre os ombros, mas o grande estilo do pintor evita-lhe qualquer afectação de pudor, provocante ou insípida. É preciso olhá-la vinte vezes e jogar o velho jogo que consiste em reencontrar em toda a obra de arte os motivos eternos para nos apercebermos de que a pose dos braços é, com uma ligeira modificação, a da Vénus de Médicis, mas esta forma abundante não é nem marmórea nem clássica. A pele com que se cobre e de que o seu corpo extravasa por todos os lados dá-lhe antes o ar de uma ursa mitológica. Os seios um pouco moles, como cabaças, as pregas do torso, o ventre talvez arredondado por um começo de gravidez, os joelhos com covas, lembram a turgidez da massa que levanta. Baudelaire pensava sem dúvida nela quando evocava, a propósito das mulheres de Rubens, «o travesseiro de carne fresca», e o tecido feminino «onde a vida aflui»; parece com efeito que bastaria pousar o dedo nesta pele para nela fazer surgir uma mancha cor-de-rosa. Rubens nunca se separou desta tela que só depois da sua morte passou para as colecções dos Habsburgos; talvez experimentasse algum escrúpulo em ter feito de rei Candaules. Este só exibiu a mulher a um amigo íntimo: Hélène em Viena pertence, de ora em diante, ao primeiro turista." (pág. 58)
Arquivos do Norte (Difel), Marguerite Yourcenar
"Hélène Fourment nua", Rubens
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