Embrenhado numa atmosfera kitsch, “Breakfast on Pluto”, último filme do realizador irlandês Neil Jordan, serve-se da ligeireza das imagens, do pitoresco dos seventies e do tom anedótico dos personagens para abordar temas bem mais sérios. É um filme carregado de metáforas, no qual o personagem principal Patrick "Kitten" Braden (Cillian Murphy) parece querer simbolizar uma Irlanda ambígua, confusa na sua identidade, indecisa entre os preconceitos da sua raiz católica e a autoridade arrogante de uma Inglaterra imperialista. Penso não ser por acaso, a imagem do órfão ambíguo, que obstinadamente procura uma mãe refugiada em Londres ou um pai membro legítimo da família católica irlandesa. Bem, mas, metáforas e kitsch à parte, e fazendo o favor de nos concentrarmos única e exclusivamente na figura de “Kitten” (personagem principal), o filme está carregado de um optimismo e de uma positividade que me apaixonaram completamente. “Kitten” possui todos os ingredientes para se tornar num mártir ou numa vítima perfeita das vicissitudes da sociedade, ora veja-se: é órfão, fruto da união ilícita entre um padre católico e uma rapariguinha solteira, desorientado entre o modelo masculino que lhe é imposto pela sociedade e pelo corpo e o padrão feminino com que se identifica em espírito, cresce numa Irlanda extremamente conservadora e preconceituosa, à qual tenta escapar logo que pode. A independência ganha com a fuga é imediatamente quebrada, mal se vê confrontado com as leis duras de sobrevivência numa grande cidade sem o apoio de quem quer que seja. “Kitten” reúne o cardápio completo de males que previsivelmente lhe anunciariam um fim trágico, o que não acontece. Este personagem, uma espécie de palhaço de “O sorriso aos pés da escada” de Henry Miller, é uma daquelas pessoas que transformam em amor tudo ou todos aqueles que tocam. A sua bondade intrínseca, aliada à forma descomprometida como olha o mundo, são os materiais necessários à transformação do chumbo em ouro. Talvez porque estes verdadeiros alquimistas existem (e eu afortunadamente conheço alguns), “Breakfast on Pluto” se guarde na minha memória como mais uma prova de que a ternura e o perdão são, definitivamente, chaves para um caminho de sucesso. “Kitten” recebeu da vida o que sempre semeou – amor - e parece, com isso, ter dado resposta a uma das perguntas do realizador: “How does somebody survive a deeply aggressive world just by being himself?”
Um filme que vale muito a pena.
Um filme que vale muito a pena.
1 comentário:
também já vi e gostei muito. Já tinha gostado do "O jogo das lágrimas", do mesmo realizador, no fundo saõ temátias afins.
Ainda bem que regressaste! Já estava a ficar preocupada:)
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