Não se pode concordar com tudo o que Simone Weil escreve em “Espera de Deus”, seria como entrar por um caminho tortuoso e agreste, possivelmente inundado de luz como única contrapartida se possuíssemos uma robustez de espírito digna de a apreciar. A recusa de Weil de entrar na Igreja Católica, a sua ‘espera’ do lado de fora, observando, compreendendo, pesquisando, pode muito bem ser a metáfora do nosso comportamento enquanto leitores e testemunhas do seu raciocínio. Ao ler Weil, fico como ela, quase sempre à porta, fascinado pela mente, pelas ideias, até pelos radicalismos e pontos de não retorno, mas não arrisco entrar no seu pensamento. Seria demasiado perigoso.
A imagem do Cristo crucificado sempre foi algo que me causou muita impressão desde novo. Nunca tinha pensado na Cruz de Cristo como ‘a própria necessidade posta em contacto com o mais baixo e o mais alto de nós mesmos, com a sensibilidade carnal pela evocação do sofrimento físico, com o amor sobrenatural pela presença de Deus.’ Para Weil, o encontro com Deus só poderá acontecer através do Amor, e aquele que ama debaixo de uma dor física intensa e prolongada (para ela a única dor que a nossa sensibilidade não tolera, a única que a nossa natureza não aceita), aquele que é capaz de amar quando se vê transformado numa espécie de animal ‘paralisado e completamente repugnante’, é o mais digno representante de Deus, ele é a própria encarnação do Amor. Segundo a lógica de Weil, a Cruz de Cristo encerra em si própria todos esses significados, ela representa o sofrimento físico duro e prolongado e a capacidade de amar infinitamente nas condições mais insuportáveis e intoleráveis. ‘A infelicidade numa só coisa permite consentir, na contemplação da Cruz de Cristo’ como o exemplo de amor supremo e universal – amar quando não se é nada, quando o sofrimento apagou em nós qualquer vestígio da personalidade. É insuportável o raciocínio de Weil, remete-nos para aquela ideia muito cristã de que só se chega ao verdadeiro Amor (e para ela Amor é Deus) através do sofrimento, seguindo o exemplo do Cristo na Cruz. Mas uma coisa não deixa de fazer sentido, se formos capazes de amar na completa adversidade, se formos capazes de reconhecer a beleza do mundo quando o sofrimento nos fez esquecer de nós próprios e da nossa personalidade, então é porque atingimos um estado mais elevado de existência, então é porque percebemos o sentido e o significado do ‘amor universal’; o amor que Weil chama de Deus e Verdade. O que me assusta em todo este raciocínio é a necessidade de extremar as possibilidades, a vontade de as levar ao cúmulo, a ideia platónica de um virtuosismo ascético, confirmado ao longo de todo o livro pela a admiração dos exemplos de S. Francisco de Assis e S. João da Cruz. Tenho dúvidas quanto à necessidade de um processo tão radical. É por isto que ler Weil se torna perigoso, apesar do fascínio e da identificação com muitas das suas ideias (acho que nunca transcrevi para o blogue tantos parágrafos como durante a leitura deste livro). Como Roberto Calasso diz na contracapa do livro, 'estamos perante algo de que muitos poderiam mesmo ter perdido a memória: um pensamento ao mesmo tempo transparente e duro como um diamante, um pensamento concentrado num débil feixe de palavras.'
A imagem do Cristo crucificado sempre foi algo que me causou muita impressão desde novo. Nunca tinha pensado na Cruz de Cristo como ‘a própria necessidade posta em contacto com o mais baixo e o mais alto de nós mesmos, com a sensibilidade carnal pela evocação do sofrimento físico, com o amor sobrenatural pela presença de Deus.’ Para Weil, o encontro com Deus só poderá acontecer através do Amor, e aquele que ama debaixo de uma dor física intensa e prolongada (para ela a única dor que a nossa sensibilidade não tolera, a única que a nossa natureza não aceita), aquele que é capaz de amar quando se vê transformado numa espécie de animal ‘paralisado e completamente repugnante’, é o mais digno representante de Deus, ele é a própria encarnação do Amor. Segundo a lógica de Weil, a Cruz de Cristo encerra em si própria todos esses significados, ela representa o sofrimento físico duro e prolongado e a capacidade de amar infinitamente nas condições mais insuportáveis e intoleráveis. ‘A infelicidade numa só coisa permite consentir, na contemplação da Cruz de Cristo’ como o exemplo de amor supremo e universal – amar quando não se é nada, quando o sofrimento apagou em nós qualquer vestígio da personalidade. É insuportável o raciocínio de Weil, remete-nos para aquela ideia muito cristã de que só se chega ao verdadeiro Amor (e para ela Amor é Deus) através do sofrimento, seguindo o exemplo do Cristo na Cruz. Mas uma coisa não deixa de fazer sentido, se formos capazes de amar na completa adversidade, se formos capazes de reconhecer a beleza do mundo quando o sofrimento nos fez esquecer de nós próprios e da nossa personalidade, então é porque atingimos um estado mais elevado de existência, então é porque percebemos o sentido e o significado do ‘amor universal’; o amor que Weil chama de Deus e Verdade. O que me assusta em todo este raciocínio é a necessidade de extremar as possibilidades, a vontade de as levar ao cúmulo, a ideia platónica de um virtuosismo ascético, confirmado ao longo de todo o livro pela a admiração dos exemplos de S. Francisco de Assis e S. João da Cruz. Tenho dúvidas quanto à necessidade de um processo tão radical. É por isto que ler Weil se torna perigoso, apesar do fascínio e da identificação com muitas das suas ideias (acho que nunca transcrevi para o blogue tantos parágrafos como durante a leitura deste livro). Como Roberto Calasso diz na contracapa do livro, 'estamos perante algo de que muitos poderiam mesmo ter perdido a memória: um pensamento ao mesmo tempo transparente e duro como um diamante, um pensamento concentrado num débil feixe de palavras.'
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