terça-feira, setembro 26, 2006

Confessionário (29)

Meu Vítor,

Já leste O Aleph do Jorge Luis Borges? Se não, coloque-o na sua lista das coisas imprescindíveis.
Com o tempo, passei a perceber que todo grande tema gera um aleph, o princípio totalizante onde todas as abordagens e leituras são possíveis. Quanto maior, mais enriquecedor torna-se o processo de percepção e apreensão da realidade mágica.
O sofrimento imita o movimento da espiral – numa ponta está a loucura; na outra, a esperança. Para qual lado penderá o círculo interminável?
Racionalizamos a morte, o amor, a vida, o medo e tantas outras abstrações quando não estamos imersos nelas. Penso que esta é uma forte razão para desejarmos o olhar do outro sobre nossos problemas: não há perigo de nosso sangue quente derreter outras veias. O outro não queima na mesma fornalha.
O suicídio, por exemplo, pode ser pensado emocional ou racionalmente, tudo dependerá de qual lado da espiral estamos.
Ausentar-se da vida pode ser uma escolha, um ato de covardia ou de egoísmo. Quando o sofrimento pende para o lado da esperança, meu Vítor, a relação com o Divino tende a estreitar-se e quando isto acontece é impossível somente observar do lado de fora da porta. Como toda relação, esta também exige envolvimento e doação. É preciso fazer parte de para que a experiência torne-se enriquecedora.
Quem não mergulha de cabeça nos mistérios da vida nunca saberá o que acontece no seu interior. Muitas vezes manter-se a salvo significa perder-se.
Sabe, acho que isto foi o que aconteceu comigo, querido.
E. foi convidado a entrar, mas preferiu assistir a tudo do umbral. De onde estava podia ver tudo, mas ausentou-se de viver a experiência; nunca sentiu o que a vida ofertava-lhe. E isto também foi uma escolha, uma covardia e um ato egoísta.
Deus mostrou-me sua face inúmeras vezes. O João é a experiência palpável, uma realidade. Um soco no estômago da ciência e de suas irrefutáveis certezas.
Como Clarice Lispector, eu sempre acreditei no inesperado bom. Mesmo que eu esteja tão profundamente atingida pela loucura, a esperança continua a seduzir-me com sua dança hipnótica.
Eu? Eu não vou declinar do convite.

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