quarta-feira, setembro 27, 2006

Sebald, o que fica

Sebald é para mim um escritor interessante, mas não é, de todo, um escritor de eleição. ‘Os Emigrantes’ (1993) é o segundo livro que leio do autor alemão, depois de ‘Austerlitz’ (2001), que considero um livro mais encorpado e mais profundo do que o primeiro e que é considerado por muitos a sua obra-prima.
Na minha opinião Sebald é um daqueles escritores que encanta e delicia outros escritores, mais do que o público em geral que constitui a maior fatia do seu universo de leitores. Percebe-se porquê. A sua ficção é extremamente inteligente e original, principalmente no que respeita à estrutura e construção da narrativa. A forma hábil como vai transportando o discurso directo do narrador principal (uma espécie de alter-ego do escritor) para os outros personagens; as descrições minuciosas e o uso da fotografia que criam no leitor a dúvida se está perante uma obra de ficção ou perante um documentário; o apelo à memória e o carácter curioso de uma escrita que atinge contornos de uma investigação rigorosa; o modo oblíquo e transversal como questiona os assuntos mais sensíveis à Alemanha do pós-guerra nomeadamente o Holocausto, fazendo-o sem sensacionalismos e sem a exposição dramática de alguns escritores sobreviventes; são características da sua obra que me aprazem e merecem a minha admiração mas que não me causam espanto, não provocam em mim o mergulho no escuro ou a revolução interior que a leitura de outros autores me proporcionou.
A ficção de Sebald entreteve-me de forma suave e constante. Senti-me sempre como um ouvinte atento cujo relato não incomodou nem despertou emoções fortes. Nunca me foi exigido qualquer tipo de cumplicidade, compaixão, amor, ódio, desprezo, inveja ou esforço para aceitar qualquer um dos seus personagens. Fui sempre um mero espectador. Passivo. Livros assim proporcionam-me prazer no presente mas raramente me vincam a memória…
...contrariando:
The moral backbone of literature is about that whole question of memory. To my mind it seems clear that those who have no memory have the much greater chance to lead happy lives. But it is something you cannot possibly escape: your psychological make-up is such that you are inclined to look back over your shoulder. Memory, even if you repress it, will come back at you and it will shape your life. Without memories there wouldn't be any writing: the specific weight an image or phrase needs to get across to the reader can only come from things remembered - not from yesterday but from a long time ago.
Entrevista ao ‘The Guardian’ conduzida por Maya Jaggi, publicada a 21 de Dezembro de 2001, W.G. Sebald
W.G. Sebald nasceu em Wertach im Algau, na Alemanha, em 1944. Estudou Língua e Literatura Alemãs em Freiburg e em Manchester. A partir de 1970, ensinou na Universidade de East Anglia, em Norwich, tornando-se professor de Literatura Europeia, em 1987. De 1989 a 1994, foi o primeiro director do British Center for Literary Translation. A sua obra foi contemplada com numerosos prémios literários em vários países. Sebald faleceu tragicamente em Dezembro de 2001.
Síntese biográfica publicada na lombada de 'Os Emigrantes', Teorema

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