Eu sempre acreditei que a Arte abarca toda a dimensão da vida, imprimindo sentidos, signos, interpretações e respondendo a muitas inquietações.
Ao ler o post que o Vítor publicou sobre o suicídio e todas as questões e reflexões que ele evoca a partir de uma fotografia, lembrei-me imediatamente de uma outra imagem: a explosão da Challenger.
Fiquei apavorada com os sentimentos que ecoaram em mim: tristeza, comoção, compaixão, solidariedade e beleza. Como eu achei belo aquela nave virando uma densa nuvem branca, parecia um espetáculo aéreo e, na verdade, aquilo era uma tragédia.
Naquela época, eu concluí (apenas para mim, é claro) que o terror, a morte, a dor possuem uma estética profunda, pungente, tocante.
Tive receio de compartilhar isso com meus pares e ser tomada por louca, sádica ou amoral, mas a História está repleta dessas “belas” tragédias: Pompéia, Atlântida, os carvoeiros da Revolução Industrial, os rebeldes da Revolução Francesa... atualmente tem o WTC, o retrato da fome e da miséria feito por Sebastião Salgado.
Refletindo sobre isso, eu trouxe para mim algum conforto ao diferenciar as coisas. Existe, sim, por mais perverso que seja (e é), uma estética na morte, na dor, ou seja, in loco. Caso contrário, seríamos seres desprovidos de sensibilidade e incapazes de reverter os quadros de dores em esperança; seríamos absorvidos pela dureza.
A estética na é diferente da estética de. Essa alimenta-se das tragédias e as reproduz, perpetuando-se no tempo. Aquela desperta a mente, deixa-nos alertas para que não compactuemos com tudo que é daninho.
Bem, isso foi a primeira coisa que pensei ao ler-te, meu Vítor. A questão da estética e da culpa. A segunda trata-se das escolhas e da liberdade de escolhas.
Concordo contigo em muitos aspectos, mas gostaria de lançar uma sementinha de provocação.
Penso que o suicídio é um ato extremo. Imagino em que mar de desespero está lançada uma alma que decide pela morte. Nesse momento, nada nem ninguém faz diferença, esgotaram-se todas as possibilidades. Nessa situação limítrofe, existe mesmo uma escolha? Acho que não. Se ela pudesse, tivesse forças, acredito que escolheria viver, ser feliz, sorrir.
Quando tudo o que resta é morrer é porque não há escolhas. Não sei se a pessoa, nesse caso, escolhe pela liberdade eterna. Liberdade no sentido amplo e maravilhoso que sei que tu entendes (bem como eu e muitos dos nossos amigos).
Um suicida deve pensar em parar de sentir e a liberdade profunda almeja sentir e desfrutar de tudo. Acho que o dilema de um suicida não é ser ou não livre; ter ou não liberdade, mas, sim, suportar ou não a dor.
Depois que li teu último quote da Simone Weil, isso ficou mais claro para mim em todas as dimensões. A dor é a prova de que estamos vivos, é como ser beliscado para sair do transe e, entenda, não estou fazendo apologia à dor. Eu preferiria mil vezes não passar por tantas dores como as que tenho vivido nos últimos meses e tu sabes de todas elas.
No olho do furacão, eu pensei cá comigo: a morte resolveria todas as minhas dores, mas não resolveria as saudades, o apego aos amigos e família, o amor pelo João, a lacuna deixada pelo abraço irrealizado no verão de 2007.
Nesse ponto, a dor é útil, é a grande virada, o momento catártico, é a hora do basta, it’s enough!
Não há liberdade de escolha, mas um cárcere insuportável. A decisão de pôr fim a tudo não se dá no momento de luminosa liberdade, mas de cárcere sombrio.
Toda vez que penso num suicida, vem à tona a cena de uma pessoa numa ponte estreita. De um lado, encontra-se um leão faminto; do outro, um canibal voraz e abaixo um penhasco imensurável.
Que escolha essa pessoa tem? Qual a saída?
O medo mata a esperança do milagre, da possibilidade... mas isso também já é uma outra conversa.
P.S.: Meu Vítor, estou aqui acreditando no milagre e trabalhando para que ele aconteça. Quero que saibas que já consigo ver um bravo caçador por trás do leão. Na verdade, uma domadora chamada Cecília.
Ao ler o post que o Vítor publicou sobre o suicídio e todas as questões e reflexões que ele evoca a partir de uma fotografia, lembrei-me imediatamente de uma outra imagem: a explosão da Challenger.
Fiquei apavorada com os sentimentos que ecoaram em mim: tristeza, comoção, compaixão, solidariedade e beleza. Como eu achei belo aquela nave virando uma densa nuvem branca, parecia um espetáculo aéreo e, na verdade, aquilo era uma tragédia.
Naquela época, eu concluí (apenas para mim, é claro) que o terror, a morte, a dor possuem uma estética profunda, pungente, tocante.
Tive receio de compartilhar isso com meus pares e ser tomada por louca, sádica ou amoral, mas a História está repleta dessas “belas” tragédias: Pompéia, Atlântida, os carvoeiros da Revolução Industrial, os rebeldes da Revolução Francesa... atualmente tem o WTC, o retrato da fome e da miséria feito por Sebastião Salgado.
Refletindo sobre isso, eu trouxe para mim algum conforto ao diferenciar as coisas. Existe, sim, por mais perverso que seja (e é), uma estética na morte, na dor, ou seja, in loco. Caso contrário, seríamos seres desprovidos de sensibilidade e incapazes de reverter os quadros de dores em esperança; seríamos absorvidos pela dureza.
A estética na é diferente da estética de. Essa alimenta-se das tragédias e as reproduz, perpetuando-se no tempo. Aquela desperta a mente, deixa-nos alertas para que não compactuemos com tudo que é daninho.
Bem, isso foi a primeira coisa que pensei ao ler-te, meu Vítor. A questão da estética e da culpa. A segunda trata-se das escolhas e da liberdade de escolhas.
Concordo contigo em muitos aspectos, mas gostaria de lançar uma sementinha de provocação.
Penso que o suicídio é um ato extremo. Imagino em que mar de desespero está lançada uma alma que decide pela morte. Nesse momento, nada nem ninguém faz diferença, esgotaram-se todas as possibilidades. Nessa situação limítrofe, existe mesmo uma escolha? Acho que não. Se ela pudesse, tivesse forças, acredito que escolheria viver, ser feliz, sorrir.
Quando tudo o que resta é morrer é porque não há escolhas. Não sei se a pessoa, nesse caso, escolhe pela liberdade eterna. Liberdade no sentido amplo e maravilhoso que sei que tu entendes (bem como eu e muitos dos nossos amigos).
Um suicida deve pensar em parar de sentir e a liberdade profunda almeja sentir e desfrutar de tudo. Acho que o dilema de um suicida não é ser ou não livre; ter ou não liberdade, mas, sim, suportar ou não a dor.
Depois que li teu último quote da Simone Weil, isso ficou mais claro para mim em todas as dimensões. A dor é a prova de que estamos vivos, é como ser beliscado para sair do transe e, entenda, não estou fazendo apologia à dor. Eu preferiria mil vezes não passar por tantas dores como as que tenho vivido nos últimos meses e tu sabes de todas elas.
No olho do furacão, eu pensei cá comigo: a morte resolveria todas as minhas dores, mas não resolveria as saudades, o apego aos amigos e família, o amor pelo João, a lacuna deixada pelo abraço irrealizado no verão de 2007.
Nesse ponto, a dor é útil, é a grande virada, o momento catártico, é a hora do basta, it’s enough!
Não há liberdade de escolha, mas um cárcere insuportável. A decisão de pôr fim a tudo não se dá no momento de luminosa liberdade, mas de cárcere sombrio.
Toda vez que penso num suicida, vem à tona a cena de uma pessoa numa ponte estreita. De um lado, encontra-se um leão faminto; do outro, um canibal voraz e abaixo um penhasco imensurável.
Que escolha essa pessoa tem? Qual a saída?
O medo mata a esperança do milagre, da possibilidade... mas isso também já é uma outra conversa.
P.S.: Meu Vítor, estou aqui acreditando no milagre e trabalhando para que ele aconteça. Quero que saibas que já consigo ver um bravo caçador por trás do leão. Na verdade, uma domadora chamada Cecília.
4 comentários:
lu, nem por acaso, fui ao Insónia, um blogue que visito com regularidade, e num texto que Henrique escreveu sobre um filme do Kiarostami olha o que eu encontro: Pensa em Kirilov: «Aqueles que se matam por loucura ou desespero, não pensam no sofrimento. Mas os que se matam por raciocínio, pensam demasiadamente nele.»
Isto faz-me questionar aquilo que tu dizias acerca de existir ou não escolha, ou se há qualquer noção liberdade/libertação para quem opta pelo suicidio. Será que aqueles que se matam por racicínio, ao pensarem demasiadamente no sofrimento, não prevêem uma espécie de libertação... continuo convicto que o homem da foto do Richard Drew sentiu essa possibilidade de liberdade. essa fotografia faz parte de uma série que acompanha todo o voo. parece uma dança, é perversamente bela toda a queda... ninguém me tira que aquilo foi uma libertação...
(a conversa pode coninuar, eu gostava)
um beijo
Ainda falaremos muito sobre isso, querido.
em Janeiro, LU?
Antes, bem antes... vou te escrever.
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