quinta-feira, setembro 28, 2006

sublinhado (41)

Democratização sem precedentes da palavra: cada um de nós é incitado a telefonar para o emissor, cada um de nós pretende dizer alguma coisa a partir da sua experiência íntima, tornar-se locutor e ser ouvido. Mas passa-se aqui o mesmo que com os graffiti nas paredes da escola ou entre os inúmeros grupos artísticos: quanto mais os indivíduos se exprimem menos há que dizer, quanto mais se solicita a subjectividade, mais anónimo e vazio o efeito se revela. Paradoxo reforçado ainda pelo facto de ninguém se interessar, no fundo, por tal profusão da expressão, é verdade que com uma excepção significativa: a do próprio emissor ou criador. É isso precisamente o narcisismo, a expressão a todo custo, o primado do acto de comunicação sobre a natureza do que é comunicado, a indiferença pelos conteúdos, a reabsorção lúdica do sentido, a comunicação sem finalidade nem público, o destinador tornado o seu principal destinatário. (pág. 16)

A Era do Vazio (Relógio d'Água), Gilles Lipovetsky

A primeira edição deste ensaio de Lipovetsky data de 1983. Na altura ainda não tinham sido inventados os blogues, mas ele já os previra.

2 comentários:

Dinamene disse...

Vítor, é verdade, mas permite-me uma pequena sugestão: lê o Paul Virilio, por exemplo, "La bombe informatique" ou, em inglês, "The Information Bomb"... é muito interessante.

Lu disse...

Querido, acho que a escritora Helene Hanff sem querer previu a existência dos blogues naquele seu romance chamado Nunca te vi, sempre te amei (84 Charing Cross Road). Mais tarde viria o filme, tão lindo quando o livro.
Beijos