terça-feira, outubro 17, 2006

Confessionário (31)

Meu Vítor,

Antes de mais nada, é preciso que te diga: compreendo claramente o teu cansaço.
Eu poderia finalizar esta confissão aqui porque isto é tudo de concreto que posso oferecer-te, meu amigo. Todo o resto que se segue é discurso, enxurrada palavrosa, non sense.
Teu último confessionário deslocou minhas entranhas, senti-me pequena, egoísta, dramática e monotemática. Apesar de também sentir uma necessidade brutal de responder-te, de confirmar-te meu amor e amizade, não conseguia produzir um único pensamento sensato, racional, dialógico.
Vítor, já te disse, alguma vez, que essa nossa sincronicidade assusta-me? Não? Pois te digo agora: assusta-me muitíssimo porque é algo grande demais, de proporções imensuráveis. Muitas vezes torna-se maior do que eu e, eu não sei explicar. Antes mesmo que me digas qualquer coisa, eu já o sei.
Existem algumas poucas pessoas com as quais “desenvolvi essa relação”. Elas entram simplesmente na minha vida e conquistam fatias consideráveis do meu afeto. E isso se dá de tal forma que a comunicação é estabelecida sem que nem mesmo haja contato verbal, visual ou presencial. Tu és uma dessas pessoas, querido. Então, no dia em que este teu cansaço passar (e ele passa. Meu Deus, tem que passar!), eu adorarei ouvir tudo o que tens para me dizer, o que está do lado de dentro, revolvendo e causando-te incômodo. E se não quiseres falar nada, serei cúmplice do teu silêncio.
Há quem não entenda as razões do silêncio, Vítor. Eu o considero uma forma potente de comunicação, mas a compreensão do silêncio – para que ele não se torne um instrumento de tortura corrosivo - passa necessariamente pela via do amor, porque silenciar significa um diálogo profundo quando as palavras faltam ou tornam-se insuficientes. No entanto, há pessoas que o entendem como um suplício, uma forma de martírio. Nos últimos meses, alguém me deu outra definição para o silêncio e eu espero em Deus que ela morra em mim e comigo. Não é o tipo de aprendizagem que desejo repassar aos que me são caros, porque me é intolerável a idéia da avareza. Posso calar por outras tantas razões, mas nunca porque calar signifique negar ao outro o calor do diálogo. Há pessoas que são avaras inclusive nos afetos e isso, para mim, deveria constar no código penal como crime hediondo.
Se demorei a dizer-te que entendo o teu cansaço não foi por avareza, mas por não encontrar, no nosso extenso vocabulário, palavras acolhedoras.
Eu não acho que a vida seja simples, Vítor, embora acredite que são as coisas simples da vida que nos acalentam, que dão sentido, que nos revigoram. É pelo simples que vale a pena viver e morrer.
Eu também estou cansada, querido e tenho aprendido – não sem uma boa dose de culpa – que é lícito estar cansada. Permita-se o cansaço, a tristeza, a solidão! Isso é humano!
Entramos numa piração de sermos feliz a qualquer custo, como se a felicidade fosse apenas o mundo cor-de-rosa dos comerciais: um vestido bonito, um corpo exuberante, uma companhia estonteante, o carro do ano, filhos ‘perfeitos’, uma casa enorme, sexo glamuroso e cinematográfico... a impressão que eu tenho é que tudo isso pode ser comprado num shopping. A felicidade está ao alcance do cartão de crédito. Virou sonho de consumo. É a nova grande sacada do mundo capitalista.
SER feliz ou ESTAR feliz não é mais um estado de espírito, uma graça, uma conquista, ou sei lá que nome tenha. A felicidade, Vítor, se compra e muitas vezes tem um preço alto demais. Ela vem sempre associada ao verbo TER e acompanha, de brinde, uma embalagem dourada.
Eu estou de saco cheio, ou como diria o Renato Russo, “ando cheio de me sentir vazio”. Eu não quero ter que nada! Quero ser livre para ser quem eu sou. Hoje sinto-me péssima, quero chorar até desidratar e chorar me faz bem. Tudo o que não consigo gritar explode em lágrimas e sou feliz por poder explodir, caso contrário, morreria envenenada com todas as palavras sujas e sentimentos vis que estão na minha corrente sangüínea... eu tenho tido ganas de ferir, mas no fundo eu não quero machucar ninguém e isso inclui a mim.
Eu não vou chorar para sempre, mas reivindico meu direito ao choro. Reivindique o seu direito ao cansaço, querido.
A Mila disse-me algo assim: “quando a dor passar, que o seu riso seja farto”.
Amanhã, querido, eu voltarei a sorrir farto e isso será uma verdade e também um direito.
Sinta-se abraçado, Vítor. Sinta meus braços em volta de ti formando o laço primordial que nos liga e nos reconhece como seres humanos.

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