terça-feira, outubro 31, 2006

Lipovetsky

Ao ler ‘A Era do Vazio’ de Gilles Lipovetsky, senti um misto de atracção e repulsa pelo seu raciocínio. Concordo analiticamente com ele, especialmente nos capítulos dedicados à dissecação do Modernismo e do Pós-Modernismo, mas discordo quase sempre dos juízos que imprime às análises, quase catastróficos. Fica-me a sensação que se déssemos o livro a ler a um extra-terrestre ele virava costas na hora e iria tentar fazer amigos para outro planeta. Há no discurso de Lipovetsky um quê de saudade de uma sociedade ‘holista’, como lhe chama, assente em valores palpáveis, concretos, concentrada num todo social e um descrédito completo no modo de viver contemporâneo, que considera extremamente ‘cool’, narcísico e hedonista, onde o indivíduo passa a ser o centro das atenções.
Há um pessimismo latente no texto de Lipovetsky que me chateia. Aponta-se o dedo constantemente, mas raramente se vislumbra alguma solução. Acho que o panorama não é tão dramático, todas as sociedades possuíram e possuem os seus calcanhares de Aquiles e, apesar da miséria que assistimos diariamente, creio que nunca houve uma percentagem tão elevada da população com a qualidade de vida que este mundo narcísico e hedonista nos oferece... para provar o que estou a dizer basta recuarmos apenas 60 ou 70 anos, muito provavelmente estaríamos todos a plantar as batatas que não teríamos na sopa... não sei se seríamos mais ou menos felizes, sem dúvidas que seríamos diferentes, não sei se para melhor ou pior. E definitivamente, não teríamos a oportunidade de ler o Lipovetsky (a não ser que fôssemos filhos aristocratas, ou burgueses, da dita sociedade 'holista').
imagem de Olivier Roller

1 comentário:

Lu disse...

Vítor, compreendo completamente tua análise sobre o referido autor... essa coisa blasé e decadente que já foi até uma estética bastante cultuada. Isso é mesmo chato, mas acredito que uma figura como Lipovetsky seja primordial para fazer o contraponto. Do mesmo jeito que não dá pra termos uma atitude meramente saudosista do passado, como se tudo antes fosse melhor, como se o tão aclamado progresso não houvesse trazido melhorias. Trouxe e isto é fato. Outrossim, não dá também para fecharmos os olhos para os efeitos perversos que a contemporaneidade apresenta: um individualismo selvagem beirando o egoísmo ou como dizem aqui no Brasil: "se a farinha é pouca, meu pirão primeiro."
O mundo anda mais insensível para certos aspectos, provado, penso eu, pela frieza dessa técnica apurada.
A saída? O tal caminho do meio, mas como é difícil, não é querido?