quarta-feira, outubro 04, 2006

Vítor, como prometi, eis aí o poema que fiz há anos atrás. Acho que ele dialoga com uma das tuas personagens da série Janelas Abertas.

PARTO

Que vulto é aquele
chorando no escuro?

É uma mãe
que nunca teve filhos.

Não teve filhos?
Então, de quem ela é mãe?

Quieta, boca presa!
Ela bem pode ouvir o segredo.

Por favor, falai sem medo
Que tipo de mãe é essa?

É aquela em que o corpo fez-se grávido
Sem jamais um filho gerar

Como pode um ventre crescer
Sem ter nele um filho a guardar?

O ventre não cresce,
Barriga não se vê
Mas existe um coração atento
E olhos ternos, de descoberta.

Uma mão sempre presente
acariciando suave, a testa.
Velando o sono da criança
Ela atravessa a noite deserta.

Se na madrugada ouve resmungos
Está pronta para ofertar seus braços
Enrosca-o sobre o peito despojado,
Oferece-lhe o colo como se fosse seu útero.

Sendo assim tão amorosa
Por que essa mãe chora?

Chora porque não tendo-o, de fato, gerado
Um dia, levaram-no embora.

Durante algum tempo
A distância aplacou-lhe o ânimo
A dor represou-lhe o pranto
E a memória era seu único ungüento.

Mas nas noites de chuva
Suas águas se agitam e transbordam.
As lembranças que eram grãos,
Avultam-se e afloram.
E cada lágrima que verte
É um filho que aborta.

Por favor, dizei depressa,
A criança, quando volta?

Volta, um dia volta...
Enquanto isso, façamos silêncio.
Não perturbemos!
Esperemos o dia de acendermos as luzes
E novamente abrirmos as portas.

(Luciana Melo – out/nov 2001)

3 comentários:

Vítor Leal Barros disse...

esta mulher é a Rhoda da v.woolf

frosado disse...

Caramba, Lu! quase me fizeste chorar...

Lu disse...

Mesmo, Vítor? Nessa época ainda não havia lido Virgínia.

Ah, Faátima, essa é uma longa história. Beijo.