Os temas explorados na fotografia pelo israelita Nadav Kander parecem não ter fim. O artista/fotógrafo cobre um espectro tão vasto da actividade fotográfica (desde a moda e espectáculo, passando pela publicidade, até ao trabalho artístico mais introspectivo, no qual combina a fotografia com outras formas de expressão plástica), que muitas vezes torna-se difícil encontrar um fio condutor capaz de unir imagens cujas géneses são, à partida, completamente distintas.
Apesar da amplitude e versatilidade do trabalho de Kander, há uma característica transversal a toda a sua obra que me delicia particularmente – a procura de uma beleza “crua”, se assim lhe posso chamar, austera, desadornada, muitas vezes violenta e cruel, mas sempre bela, proporcionada e irreversivelmente real.
Quando olhamos as suas imagens, a primeira sensação é quase sempre de desconforto, apesar das composições extremamente cuidadas e equilibradas, de contornos quase clássicos. Talvez o impacto violento do primeiro olhar seja produto da forma como Kander trabalha a luz e a cor. O fotógrafo não hesita em flashar violentamente os seus modelos roubando-lhes a pigmentação da pele, e, como se isso não fosse suficiente para gelar o observador, prostra-os ainda contra muros brancos ou azuis, intensamente luminosos, de texturas toscas e ásperas.
Todo o trabalho de retrato, assim como a série de nu feminino realizada em 1998 com prostitutas da América latina, revelam essa necessidade de choque inicial, obrigando o observador a um processo de recuo perante a imagem e a uma reinterpretação posterior, imparcial ao choque do primeiro olhar. Kander primeiro provoca e só liberta a alma das suas “presas”, dos sujeitos fotografados, após uma decisão consciente e deliberada dos observadores, quando estes decidem continuar a descobrir o que está para lá de todo o quadro glacial. Andy Brumer sugere isso mesmo no texto de apresentação da exposição do fotógrafo na Fahey/Klein Gallery em Maio de 2001 e explica-o desta forma, for example, his pictures of seductively naked young Latina women, suggestive of prostitutes in what looks like downtrodden hotel rooms. seem at first straightforward enough. However, after viewing them for some time, the strength of these women's characters and the purity of their souls leap off of each print, turning their staged seductive stares into liminal indictments all their own.
A mais recente reunião de trabalhos do artista/fotógrafo, “Keep your distance” parece dar continuidade ao processo. Nesta série, Kander reúne um conjunto de imagens de paisagem, quase sempre ambientes urbanos (ou suburbanos), espaços transitórios e de passagem como supermercados, bombas de abastecimento, estradas, viadutos, etc… os chamados “não-lugares” segundo o sociólogo Marc Augé. Ao olharmos estas imagens sentimos a mesma estranheza de quando nos mostram pela primeira vez fotografias da superfície da Lua ou de Marte, tiradas por uma qualquer sonda da NASA. São territórios estéreis, desertos, sem vida… lugares perdidos, onde a presença humana pode tornar-se um elemento perturbador, onde o corpo pode mesmo tornar-se num objecto tão estranho, capaz de remeter o observador para um mundo virtual, quase surreal, como se de um videojogo se tratasse. Uma das imagens publicadas no blogue mostra um homem encostado a um poste de electricidade imerso no nevoeiro do nascer do dia. Para mim, a figura humana é tão desconcertante nessa fotografia, tão irreal. Esse homem não pertence a esse lugar, nenhum homem pertence a esse lugar, a simples presença humana desequilibra toda a imagem, torna-a falsa, incredível. “Keep your distance” não parece ser um título escolhido ao acaso, ele funciona como um aviso, um sinal de alerta ao observador, prevenindo-o e relembrando-lhe que a sua presença nesses espaços é tão estranha como caminhar num dos desfiladeiros de Marte. A reflexão de Kander sobre a forma como vamos construindo o território provoca-nos, afasta-nos, cria-nos o pânico do primeiro instante, tal como as imagens das prostitutas latino-americanas. Ao olharmos estas fotografias não deixamos de sentir uma poética qualquer, mesmo que áspera e aguda. As paisagens retratadas são fortes e independentes, possuem na sua essência uma poética que as alimenta… muitas delas, pode-se mesmo dizer, são belas, extraordinariamente belas, mas definitivamente não incluem “a vida” dentro delas.
Para estas paisagens urbanas, a presença de vida, é tão e simplesmente, o início do seu ciclo de morte. Os lugares, ou “não-lugares”, fotografados por Kander parecem não incluir a vida dentro deles. Um corpo imerso na manhã de nevoeiro não é mais do que um ruído na imagem, um traço agressivo sobre o negativo. Estas fotografias parecem confirmar-nos de que sabemos construir a beleza, mas que o belo, é, muitas vezes, inabitável. Não deixam de ser, no entanto, um contributo pertinente para a forma como usamos, construímos e interpretamos o espaço.
Apesar da amplitude e versatilidade do trabalho de Kander, há uma característica transversal a toda a sua obra que me delicia particularmente – a procura de uma beleza “crua”, se assim lhe posso chamar, austera, desadornada, muitas vezes violenta e cruel, mas sempre bela, proporcionada e irreversivelmente real.
Quando olhamos as suas imagens, a primeira sensação é quase sempre de desconforto, apesar das composições extremamente cuidadas e equilibradas, de contornos quase clássicos. Talvez o impacto violento do primeiro olhar seja produto da forma como Kander trabalha a luz e a cor. O fotógrafo não hesita em flashar violentamente os seus modelos roubando-lhes a pigmentação da pele, e, como se isso não fosse suficiente para gelar o observador, prostra-os ainda contra muros brancos ou azuis, intensamente luminosos, de texturas toscas e ásperas.
Todo o trabalho de retrato, assim como a série de nu feminino realizada em 1998 com prostitutas da América latina, revelam essa necessidade de choque inicial, obrigando o observador a um processo de recuo perante a imagem e a uma reinterpretação posterior, imparcial ao choque do primeiro olhar. Kander primeiro provoca e só liberta a alma das suas “presas”, dos sujeitos fotografados, após uma decisão consciente e deliberada dos observadores, quando estes decidem continuar a descobrir o que está para lá de todo o quadro glacial. Andy Brumer sugere isso mesmo no texto de apresentação da exposição do fotógrafo na Fahey/Klein Gallery em Maio de 2001 e explica-o desta forma, for example, his pictures of seductively naked young Latina women, suggestive of prostitutes in what looks like downtrodden hotel rooms. seem at first straightforward enough. However, after viewing them for some time, the strength of these women's characters and the purity of their souls leap off of each print, turning their staged seductive stares into liminal indictments all their own.
A mais recente reunião de trabalhos do artista/fotógrafo, “Keep your distance” parece dar continuidade ao processo. Nesta série, Kander reúne um conjunto de imagens de paisagem, quase sempre ambientes urbanos (ou suburbanos), espaços transitórios e de passagem como supermercados, bombas de abastecimento, estradas, viadutos, etc… os chamados “não-lugares” segundo o sociólogo Marc Augé. Ao olharmos estas imagens sentimos a mesma estranheza de quando nos mostram pela primeira vez fotografias da superfície da Lua ou de Marte, tiradas por uma qualquer sonda da NASA. São territórios estéreis, desertos, sem vida… lugares perdidos, onde a presença humana pode tornar-se um elemento perturbador, onde o corpo pode mesmo tornar-se num objecto tão estranho, capaz de remeter o observador para um mundo virtual, quase surreal, como se de um videojogo se tratasse. Uma das imagens publicadas no blogue mostra um homem encostado a um poste de electricidade imerso no nevoeiro do nascer do dia. Para mim, a figura humana é tão desconcertante nessa fotografia, tão irreal. Esse homem não pertence a esse lugar, nenhum homem pertence a esse lugar, a simples presença humana desequilibra toda a imagem, torna-a falsa, incredível. “Keep your distance” não parece ser um título escolhido ao acaso, ele funciona como um aviso, um sinal de alerta ao observador, prevenindo-o e relembrando-lhe que a sua presença nesses espaços é tão estranha como caminhar num dos desfiladeiros de Marte. A reflexão de Kander sobre a forma como vamos construindo o território provoca-nos, afasta-nos, cria-nos o pânico do primeiro instante, tal como as imagens das prostitutas latino-americanas. Ao olharmos estas fotografias não deixamos de sentir uma poética qualquer, mesmo que áspera e aguda. As paisagens retratadas são fortes e independentes, possuem na sua essência uma poética que as alimenta… muitas delas, pode-se mesmo dizer, são belas, extraordinariamente belas, mas definitivamente não incluem “a vida” dentro delas.
Para estas paisagens urbanas, a presença de vida, é tão e simplesmente, o início do seu ciclo de morte. Os lugares, ou “não-lugares”, fotografados por Kander parecem não incluir a vida dentro deles. Um corpo imerso na manhã de nevoeiro não é mais do que um ruído na imagem, um traço agressivo sobre o negativo. Estas fotografias parecem confirmar-nos de que sabemos construir a beleza, mas que o belo, é, muitas vezes, inabitável. Não deixam de ser, no entanto, um contributo pertinente para a forma como usamos, construímos e interpretamos o espaço.
4 comentários:
as fotos são todas muito lindas!
Foi uma belíssima descoberta, V.
Não conhecia e interessou-me bastante. Gostei muito do texto!
acho mesmo o trabalho do kander muito pertinente... aliás, vejo a fotografia como uma forma de reflexão sobre o mundo...
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